O amor aos prazeres

Queres saber qual foi o crime de Sodoma? O orgulho, a abundância e a moleza em que vivia (Exeq. XVI, 49).

É impossível conciliar com a gravidade da vida cristã a sêde de gozar de tudo o que se nos apresenta para dar satisfação aos sentidos.

O homem necessita duma recreação moderada; o espírito necessita de descanso, e o corpo de repouso.

Mas, Senhor, quando os sentidos e ações do homem só se encaminham para o gozo, quando se procura disfrutar de tudo sem distinção nem medida, então a alma corre enorme perigo de grave detrimento, de sacrificar as alegrias eternas pelos deleites fugazes do mundo, o céu pela terra. E esta ânsia de gozo, esta sêde insaciável de prazeres é uma das enfermidades mais desoladoras dos nossos dias.

O desejo do gozo, fundado na própria concupiscência, excitado pelas invenções do luxo e da sensualidade, nutrido pela educação que se dá aos jovens no seio da família, e pela falsa ternura e amor mal entendido dos pais, aprovado e festejado além disso pelos aplausos de todos, é um vício, que se vai apoderando cada vez mais dos indivíduos depois de ter dominado na sociedade.

E quando os olhos e os ouvidos, o gosto e o olfato, todos os membros e sentidos só buscam a satisfação própria, quando se sentem devorados por uma sêde insaciável de deleites, então fenece todo o impulso para as coisas superiores, e a alma morre afogada no gozo dos sentidos.

Tal foi a vida do avarento! Por isso teve de ouvir estas palavras de Abraão: Lembra-te que disfrutaste nesta vida bens sem conta, enquanto Lázaro viveu na miséria. Por isso se encontra agora consolado e tu envolvido nesses tormentos (1).

Vinde, alegrai-vos e disfrutai dos bens que se vos oferecem; deixai por onde passardes os vestígios da vossa alegria. Assim pensaram: mas, enganaram-se miseravelmente (2).

Que pretende o mundo com essas diversões, que busca a juventude nos bailes, jogos e teatros? Que pretende com eles? Recrear-se honesta e moderadamente? Não: o seu único fim, é gozar.

Se não fôra este o fim com que vão assistir às diversões, não sairiam delas com o coração manchado, sem a paz interior, com o remorso na consciência, e com novas ânsias de gozar.

O jogo convertido em paixão, mata o sentimento do dever e o gosto pelo trabalho, leva à ruína, e é ocasião de ódios e contendas.

Sem falar das pelas ofensivas da moral que quase sempre sobem à cena, nem das más ações que despudoradamente se representam e aplaudem como boas, os teatros comunicam ao espectador a frivolidade, subtraem-se à realidade da vida e da vocação, excitam-lhe a imaginação e suscitam nele sentimentos suspeitos, quando não perversos. As decorações, os vestidos, a música, a concorrência brilhante e desejosa de se mostrar, tudo fascina, tudo serve para alborotar e transtornar o espírito, para falsear a verdade, para nos colocar num mundo fantástico, para povoar a alma de representações e desejos irrealizáveis, donde procede um sem número de cruéis desenganos na realidade da vida.

Os bailes, ainda os mais inocentes, assemelham-se como diz o sábio, a setas; os melhores não valem nada. Neles aviva-se a imaginação, desperta-se o desejo de agradar, fomenta-se a curiosidade, adquirem-se relações perigosas, e trazem como consequência a dissipação, o tédio no cumprimento dos deveres, a incapacidade para se ocupar de coisas graves e necessárias. São pois escolhos da inocência e ocasião de tristes extravios.

Quanto maior for a excitação dos sentidos, e mais intensa a impressão produzida pelo prazer, tanto menos lugar ficará para a meditação e reflexão.

Quanto mais se favorecer a vida dos sentidos, tanto mais se entorpecerá o homem superior, e se perderá o gosto pelas coisas espirituais e o amor à virtude.

Qual foi a causa da destruição de Sodoma, o que é que atraiu o fogo do céu sobre tão florescente cidade? O orgulho, a abundância de pão, a vida de deleites, a ociosidade e a dureza de coração (3).

Oh! reino do céu que padeces violência e que só estás aberto para os que a fazem! (4) Poderei eu alcançar-te por caminhos fáceis e cheios de rosas?

Semelhante engano poderia ter desculpa antes do Filho de Deus descer à terra e escolher a Cruz. Agora é ilusão, loucura e convardia!

Jesus Cristo veio-nos mostrar onde está a salvação do homem decaído, e o modo como se há de reconquistar a nobreza, o mérito e a recompensa perdida.

Este caminho é o mesmo para todos, novos e velhos. À juventude é lhe dado o privilégio de ir adiante na luta, com grande valor e entusiasmo.

A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.

(1) Luc. XVI, 25.
(2) Sab. II, 6-9-21.
(3) Exeq. XVI, 46.
(4) Mat. XI, 12.

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