1 – Natureza e causa das tentações.

“Cada um, diz são Thiago, é tentado pela própria concupiscência, que o alicia e arrasta.” (1) Tão fortes são as inclinações ao mal que a natureza sente, que, sozinhas, podem conduzir ao pecado; mas o inimigo ele nossas almas aqui está ainda excitando de mil maneiras as paixões, “como um leão rugindo ronda em torno de nós, procurando uma presa que possa devorar.” (2) E, muitas vezes, os próprios homens juntam seus esforços aos de Satanás, quando, por atos ou por palavras, induzem o próximo a desrespeitar seus deveres. Assim, a tentação é uma excitação da natureza, do mundo ou do demônio a fazer-nos omitir um bem mandado ou a ceder a um mal proibido.

A natureza experimenta uma inclinação para tudo o que a lisonjeia e uma relutância para tudo o que a contraria, e estes movimentos de atração e de repulsão precedem toda reflexão e não distinguem o lícito do ilícito: assim, em presença de uma iguaria, sente um prazer irrefletido, seja ela permitida ou proibida pelas leis da Igreja. Desta arte, as tentações são numerosas e de todos os dias; duram toda a vida, porque a natureza permanece sempre a mesma, sempre amiga do seu descanso, das suas comodidades e inimiga de todo o dever penoso.

Os demônios, seres inteiramente abjetos, não respirando senão ódio e raiva, invejosos do homem, querem a todo o transe perdê-lo, excitando-o a ofender a Deus que eles detestam. Nosso Senhor nos mostra um demônio que, expulso de uma alma pecadora, anda à procura de sete outros, piores do que ele, para ajudá-lo a reconquistá-la. Os espíritos infernais, com efeito, reunem-se às vezes para dar aos homens formidáveis assaltos. (3) Estes inimigos de nossas almas são hábeis, e de inteligência de muito superior à nossa; além disso, são ardorosos e obstinados.

O mundo, “inteiramente mergulhado no mal” (4), junta suas seduções às dos anjos decaídos. É ele constituído, na verdade, pelo conjunto dos homens que proclamam legítima a satisfação do orgulho e dos sentidos: os mundanos não se contentam de apregoar, estabelecem como princípio que convém pecar. O mundo exerce uma influência deletéria com suas máximas, seus exemplos, suas zombarias, suas perseguições. As máximas do mundo são diametralmente opostas às do Evangelho. Eis alguns exemplos: antes de mais nada, o homem deve procurar enriquecer-se, elevar-se, brilhar, dominar; não gozar, quando se pode, é estupidez; a pobreza, vergonha; a privação voluntária, loucura, como é loucura, também, deixar-se humilhar, aceitar um insulto, uma injustiça; a oração é boa para os que não têm nada que fazer; a vocação religiosa é uma cabeçada, o efeito de uma piedade exaltada; Deus não exige que nos incomodemos, nos privemos; com Ele sempre havemos de nos arranjar; etc. Os que têm este espírito mundano, procuram difundir suas idéias; por seus exemplos e palavras arrastam os fracos na estrada larga dos prazeres, a única que lhes parece razoável, e, muitas vezes até, perseguem os que não os imitam e querem viver segundo as máximas do Evangelho. Suas armas são principalmente o motejo, o sarcasmo, a pilhéria, tão temidos pelos pusilânimes.

Mas os mundanos não são os únicos tentadores da alma piedosa. Pessoas pouco virtuosas, embora não sejam mundanas, são, às vezes, quer pelos seus exemplos, quer pelos seus conselhos, ocasião de pecado e, mais frequentemente, de imperfeição. Não se compenetram estas pessoas de que, se, com intenção má, ou simplesmente por inexperiência ou adulação, excitam ou animam os outros a cederem à vaidade, à sensualidade, à murmuração, às faltas de caridade, fazem o papel de demônio e assumem perante Deus uma grande responsabilidade.

2 – Utilidade das tentações

A alma humana está, pois, cercada de inimigos. Por que razão Deus, que é tão bom e quer a salvação de todos os homens, permite que tantos adversários se ergam contra nós, procurando a nossa perda? “Deus, afirma santo Agostinho, pensou que havia mais bondade em tirar do mal um bem maior do que em impedir que houvesse qualquer mal.” (5) Com efeito, a Sabedoria, dos maiores males, tira os maiores bens; se não houvesse algozes, pecadores, não haveria mártires nem apóstolos; se ninguém apurasse a paciência, ninguém tão pouco a praticaria; suprimi as grandes lutas íntimas e não tereis mais santos. Das tentações resultam certamente grandes benefícios. Elias esclarecem a alma sobre sua miséria, preservam-na de um orgulho insensato e tornam-na prudente e experimentada: “pouco sabe quem não foi provado,” assevera o Eclesiástico. (6) Fazem sentir à alma a precisão que tem de Deus, o único capaz de lhe dar a vitória; excitam-na, portanto, a aproximar-se de seu Pai celeste e a multiplicar os atos de confiança e de amor. Despertam a preguiça e obrigam a redobrar de energia na prática do sacrifício e da renúncia. Levam, pois, a praticar atos muito meritórios de humildade, de confiança, de paciência. A alma tentada contra uma virtude qualquer, e resiste à tentação, faz um ato desta virtude, que, neste momento, ela não pensava em praticar. Deste modo, toda tentação repelida representa uma virtude praticada: é ato de fé o afastar os pensamentos contra a fé, como é ato de caridade o rejeitar os sentimentos de aversão ou de vingança, e as virtudes assim provadas adquirem mais firmeza e maior brilho.

O combate é penoso, na verdade; às vezes, quando se prolonga, torna-se importuno, molesto, renhido, um verdadeiro martírio; mas purifica a alma. Esta, embora tivesse exclusivamente cometido faltas leves, deve reconhecer que está sendo castigada por onde pecou; mas expia suas culpas e, ao mesmo tempo, aumenta imensamente seus méritos; torna-se cada vez mais pura, cada vez mais santa aos olhos dos anjos e de Deus. Nas tentações violentas e pertinazes, pode haver, é certo, alguns descuidos ou fraquezas, mas as resistências, as vitórias são inumeráveis, porque numa só hora quantos desprezos do mal, quantos santos protestos de fidelidade! E o bem que estas vitórias fazem à alma, é maior do que o mal que lhe causam estas faltas leves.

Todos, é verdade, não tiram o mesmo proveito destes combates íntimos: “A tentação, ensina santo Agostinho, é um fogo no qual o ouro se purifica e a palha se consome; o justo se aperfeiçoa e o pecador se perde; é uma tempestade que joga este a bordo e traga aquele.” (7) É uma verdadeira batalha com vencedores e vencidos, e o céu deve ser tomado de assalto: ” Ninguém há de ser coroado se não houver legitimamente lutado,” diz são Paulo. “Feliz do homem, exclama são Thiago, que suporta a prova; depois de provado, há de receber a coroa de vida.” (8) “Como se aprecia o piloto na tempestade, o atleta na arena, o soldado na peleja, as grandes almas na adversidade, assim também se reconhece o verdadeiro cristão na tentação.” (9)

Os santos, muito mais que os outros, têm experimentado os assaltos do inimigo. Celebérrimas são as tentações de santo Antônio no deserto, de são Jerônimo retirado longe do mundo em Belém; de são Bento e de são Francisco de Assis que, para abafarem os maus apetites da concupiscência, se rolaram nos espinhos; de são Bernardo e de são Pedro Damião que se atiraram nas águas glaciais. Santa Joanna de Chantal, havendo enviuvado, foi assediada por numerosas e violentas tentações. (10) São Vicente de Paulo, a quem ela abrira seu coração, escreveu após a sua morte: “Estava cheia de fé, embora tenha sido tentada toda sua vida por pensamentos contrários… Disse-me e escreveu-me várias vezes que andava com o espírito tão cheio de toda espécie de tentações e abominações que seu exercício contínuo consistia em desviar do seu íntimo o próprio olhar, não podendo suportar-se a si mesma.” (11)

Santo Afonso de Ligório sofreu tudo: revolta dos sentidos, pensamentos de vaidade, presunção, incredulidade, terríveis tentações contra a pureza. “Estou com oitenta e oito anos, dizia ele ao Pe. Criscuoli, e o fogo da minha mocidade ainda não se apagou.” E não confessa o grande Apóstolo: « Comprazo-me na lei divina segundo o homem interior, mas descubro nos meus membros outra lei que luta contra a lei da minha razão e que me toma cativo da lei do pecado, que está em meus membros. Infeliz que sou, quem há de me livrar deste corpo de morte?” (12)

As almas mais generosas, que também são mais fortes, são tentadas mais violentamente: “Porque eras agradável a Deus, disse o anjo a Tobias, foi preciso que a tentação te provasse (13) Todos os que querem viver piedosamente no Cristo Jesus, disse são Paulo, hão de sofrer perseguição; muitas vezes são perseguidos pelos homens, mas sobretudo pelos demônios. “Estes, previne são Jerônimo, não se preocupam com os que são infiéis, mas com os que são bons. (14) “Lúcifer, diz são Gregório, não tenta os que estão debaixo do seu jugo, mas os que procuram furtar-se ou já conseguiram escapar ao seu domínio.” (15) É, pois, um indício de fervor experimentar duras e violentas tentações: “Não há sinal mais certo, na opinião de são João Clímaco, de termos vencido os demônios do que o sentirmos seus rijos assaltos.” (16) Muitas vezes, é verdade, as pessoas de pouca virtude se queixam mais amargamente de suas lutas do que as pessoas corajosas. Muito mais do que estas, elas imaginam ser as vítimas dos furores do inimigo; ora, pelo contrário, almas fortes têm de lutar muito mais, mas estão menos inclinadas a gemer, suportam virilmente embates incomparavelmente mais rudes. Meninos há que acham demasiado um peso de um quilo e seus pais carregam alegremente fardo vinte vezes maior: ora, maior diferença vai entre uma alma virtuosíssima e outra pouco adiantada no amor divino, de que entre uma criancinha e um homem maduro.

3 – Como se deve lutar contra as tentações

As pessoas ainda pouco esclarecidas e pouco amantes muitas vezes se perturbam quando tentadas; não sabem distinguir bastante entre o sentir e o consentir. Três são as fases da tentação: a proposição, a complacência e o consentimento. Se um homem propenso à bebedeira propõe a um companheiro de entrar na taberna, esta proposta agrada ou desagrada a este último. Se ela lhe agrada, se ela corresponde à suas inclinações, nenhuma responsabilidade tem ele por isso; será culpado ou merecerá no momento em que aceitar ou recusar. Quando um objeto que adula as nossas paixões se apresenta à nossa vista ou ao nosso pensamento, a natureza logo sente-se irresistivelmente atraída e, nesta solicitação má, acha uma complacência irrefletida e inevitável, mas esta complacência, em que a liberdade não tem parte alguma, não é o consentimento. O mesmo se dá com os objetos que produzem uma viva repulsa ou, antes de qualquer reflexão, provocam irritação, ou impaciência; este primeiro sentimento é muito diferente do consentimento.

Os teólogos chamam movimento primo primi o que se produz logo que o objeto, agradável ou desagradável, é percebido pelos sentidos ou pela imaginação, antes de qualquer pensamento sobre a moralidade do assim assim produzido. Como a razão humana, muito menos rápida do que a inteligência angélica, não percebe, a princípio, senão de um modo um tanto confuso o bem moral ou o mal encerrado no ato que a natureza sente-se inclinada a praticar, chamam de movimento secundo primi o que acompanha os primeiros impulsos ou as primeiras repulsas e que não é nem puramente instintivo, nem completamente deliberado. Este estado de semi-luz dura pouco, a maioria das vezes; outras vezes, pelo contrário, prolonga-se por alguns minutos durante os quais a razão fica entorpecida: pode ser um tanto culposo, porque supõe uma certa visão do mal, mas nunca consiste uma falta mortal. Enfim, os atos segundos são os que seguem e que se realizam com toda a reflexão e compreensão de sua legitimidade ou ilegitimidade.

“Vigiai e orai, dizia Nosso Senhor, para não sucumbirdes na tentação.” Velai como bons soldados, mostrando-vos cheios de prudência, de humildade e de coragem. A prudência consiste em reconhecer o inimigo, descobrir-lhe a tática, evitar tudo o que poderia facilitar-lhe a vitória. O demônio, diz-nos santo Ignácio, não tenta da mesma maneira os que vivem na tibieza ou no pecado e os que lhes têm grande horror. Ao passo que o bom anjo inspira aos pecadores remorsos e temores salutares, Satanás, pelo contrário, acariciando-lhes as paixões, procura adormecê-los, convencê-los de que estarão tranquilos se permanecerem neste estado de pecado e de languidez, que lhes custará muito para saírem dele e, certamente, não o conseguirão. Os fervorosos, pelo contrário, que não recebem dos santos anjos senão toques delicados mas profundos, como, no dizer de santo Ignácio, de uma água que penetra uma esponja, são alvo, por parte do tentador, de vigorosos ataques: representações obscenas, inquietações cruciantes, irritações, negra melancolia. O espírito mau chega a se transformar em anjo de luz e apresenta à alma falsos bens que não estão de conformidade com a vontade de Deus, por contrários à obediência ou à prudência. Quando a pessoa tentada reconhece que os pensamentos que lhe ocorrem vêm de Satanás, não hesita mais em repeli-los; mas, quando não discerne as sugestões diabólicas, corre o grave perigo de se deixar seduzir.

A prudência manda também fugir das ocasiões. “Quem ama o perigo, nele há de perecer, ” (17) declara o Espírito Santo. Expondo-se ao perigo para cumprir com algum dever, pode-se contar com a graça divina que dará a força de lhe escapar; mas, indo, sem razão, ao encontro do pecado, não se pode esperar acréscimo de graça e tudo se pode recear. As ocasiões exteriores nos solicitam ao pecado, mas encontramos dentro de nós mesmos outra fonte de perigos contínuos, na impetuosidade e no desregramento da nossa imaginação. O demônio, que não pode agir sobre a nossa vontade, aproveita-se desta faculdade volúvel, leviana, sobre a qual ele pode ter certa ação, para nos pintar com falsas cores objetos sedutores e no-los lembrar sem cessar, ou pelo contrário, para pôr continuamente debaixo dos olhos da nossa alma o que nos molesta e irrita. O meio de afastar estas tentações é cortar logo todo pensamento inútil ou perigoso, substituindo-lhe o pensamento do dever e a lembrança de Deus. (18) Como é, sobretudo, durante nossos lazeres que a imaginação excitada pelo inimigo infernal, aumenta suas seduções ou exaspera nossa irritabilidade, não convém ficarmos na ociosidade. “Semper te diabolus occupatum inveniat, diziam os Padres do deserto; que o demônio te encontre sempre ocupado. O trabalho é um preservativo. Santo Agostinho conta que santo Antônio recebeu do céu esta regra de conduta: “Antônio, se quiseres agradar a Deus, ora; e, quando não puderes continuar tua oração, trabalha, faze sempre alguma coisa.” (19)

A humildade é urna das condições do triunfo. São Pedro foi presunçoso e renegou a seu Mestre. Depois, tornando-se mais humilde, andou de vitória em vitória e veio a ser um grande santo. O ato de humildade que mais chama as graças divinas, é a declaração ao diretor das tentações experimentadas. “Uma tentação descoberta, afirrnava são Filipe Neri, é meio vencida.” (20) Com efeito, sendo feita esta expansão da alma, com pureza de intenção, não com o desejo de captar as solicitudes e atenções do pai espiritual, mas com o fim de obter sábios conselhos e normas de proceder; e, de outra parte, expondo suas tentações e sentindo-se feliz por humilhar-se diante do representante de Deus, Deus concederá, então, grandes luzes, muita força, e os embustes do demônio serão facilmente desmascarados.

A coragem é a qualidade mestra de todo soldado. O soldado de Deus não deve temer seus inimigos, já que tem a promessa formal de nunca ser tentado acima de suas forças. “Considerai, meus irmãos, repetiu são Bernardo, como nosso inimigo é fraco, ele que tão somente quer vencer quem deseja ser vencido.” (21) “É um cão, diz santo Agostinho, mas está acorrentado; pode ladrar mas não pode morder senão os que querem ser mordidos.” (22) Quanto menos medo se tem, tanto menos temível ele é. Parece-se, em verdade – é de santo Inácio esta comparação (23) – com uma mulher má. Desta têm não só a arrogância e a obstinação, mas ainda a fraqueza: se o homem que esta mulher ataca, se mostra firme, ela perde o prumo, encolhe-se, faz-se pequenina; se ele cede, ela torna-se audaciosa e insolente. Assim também o demônio perde a calma, quando encontra resistência decidida, quando se faz exatamente o contrário do que ele sugere; pelo contrário, fraquejando nós um pouquinho, ele toma confiança e obstina-se; fraquejando nós muito, ele redobra de audácia. “É’ um leão, diz são Gregório, para os que estão diante dele como formigas; é uma formiga na presença dos que são leões para com ele”. Por isso devemos sempre desprezá-lo.

Em certas tentações é suficiente o desprezo com alguns atos muito simples de amor de Deus; por exemplo, nas tentações contra a fé, nas tentações de blasfêmia. Está claro que nestas tentações, em que não se empenha paixão alguma, a vontade não corre grande perigo de consentir. Se, pelo contrário, a tentação se apoia em alguma paixão violenta, como certas tentações de irritação, de desejo de vingança, de inveja, de orgulho ou de vaidade, de sensualidade ou de impureza, ao mesmo tempo que se despreza o demônio, cumpre fazer exatamente o contrário do que a paixão reclama, redobrando de doçura, procurando ser cada vez mais obsequioso, humilde, e mortificando a sua carne.

Um companheiro de são Francisco de Assis viu um dia uma porção de demônios atirando flechas contra seus irmãos. Algumas, ao atingirem seu alvo, eram não só repelidas mas arremessadas energicamente contra os que as haviam arrojado; atiradas a outros, nem de leve os magoavam: caíam-lhes aos pés; em alguns, entretanto, causavam leves feridas, enquanto outros ficavam completamente atravessados por elas. Era a representação do modo com que estes religiosos suportavam os assaltos dos demônio. Os que, com todo o denodo responderam às sugestões do tentador com atos contrários, feriam aquele que pretendia golpeá-los, feri-los, verificando-se então a palavra do salmista: “Sua iniquidade recai-lhe sobre a cabeça e sua violência torna a descer-lhe pela fronte.” (24) Os que se contentavam em repeli-los inabalavelmente, ficavam invulneráveis; os outros que, mais ou menos, cediam à tentação, recebiam feridas mais ou menos profundas.

É importantíssimo repelir logo no princípio as sugestões infernais, porque a tentação nunca é muito temível no primeiro instante, mas torna-se tanto mais forte quanto mais se tarda em repeli-la: facilmente se mata o leão quando pequeno, não quando crescido. Estão, pois, em grande perigo os que guardam na imaginação pensamentos que os solicitam a pecar, ou os repelem com moleza; se não caem inteiramente, também jamais conseguem mais do que semi-vitórias.

Nosso Senhor recomenda-nos insistentemente que juntemos a oração à vigilância. A tentação nos faz sentir a nossa corrupção e a nossa fraqueza. Entendemos que, entregues a nós mesmos, não a afastaríamos, mas sabemos, por outro lado, que tudo podemos, com o auxílio de Deus que nos fortifica. Ele está junto de nós, e, assevera santo Agostinho: “não afasta o olhar daquele que combate, socorre aquele que fraqueja e coroa aquele que triunfa: Ipse certantem spectat, deficientcm sublevat, vincentem coronat.” (25) Cada ato de confiança nos merece nova graça; cada grito do coração, novo acréscimo de forças.

Nosso inimigo sabe muito bem que toda alma tentada que persevera na oração, ou não sucumbe ou não cai senão em faltas leves; por isso, quanta coisa não faz para desviar da oração as almas que ele ataca! Quantos sentimentos de abatimento, de tédio, de desgosto não sugere! Os que lhe prestam ouvidos e se relaxam no exercício da oração, podem, de queda em queda, ir rolando até o mais profundo abismo da iniquidade. A experiência prova que todos os que se tornam gravemente infiéis a seus deveres, principiam afastando-se da oração. Pelo contrário, os que sabem descobrir os embustes do demônio, e, longe de lhe darem ouvidos nestas horas de tédio, de tentação ou mesmo depois de suas faltas, se esforçam por redobrar de confiança e de ardor na oração, acabam sempre cantando vitória.

É, pois, mister rezar sempre, aconteça o que acontecer. É a recomendação de Jesus; é a primeira e firmíssima resolução que deve tomar quem quer dignamente servir e ardentemente amar a Deus.

Manual de Espiritualidade por A. Saudreau, Cônego honorário de Angers. Primeiro Capelão da Casa Madre do Bom Pastor, 1937.

(1) I. 14.
(2) 1, Pet., V, 8.
(3) Cat. Conc. r., IV, 10.
(4) I. Joan, V, 10.
(5) Enchir., o. 100.
(6) XXXIV, 10.
(7) In. ps. 62.
(8) I, 12.
(9) São Basílio, or, Iª de patient.
(10) Vida e S. Franciso de Sales, L. IV; cap. 3.
(11) Vida, por Abelly, L. II, cap. VII.
(12) Rom., VII, 23, 24.
(13) Tobias, XII, 13.
(14) II Tim., III, 12.
(15) Epist. 22, ad Eustach.
(16) Mor., XXIV, 7 – XXVII, 9.
(17) Dgr. XXVI, s. 60.
(18) Eccl., III, 27.
(19) Voltaremos a este ponto tratando do recolhimento.
(20) Serm. XVII, ad fratr, in eremo.
(21) Cf. S. Ignácio. Exercícios, Discern. dos espír., XIIIª regra.
(22) Serm. in Dom. 2.ª Quadr. Cf. In cant., e 73.
(23) De civit. De., XX, 8.
(24) Discern., XIIIª regra.
(25) Psalmos, VII, 17.
(26) In pe. 32.

Última atualização do artigo em 22 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico

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