Ensinai-me, ó Jesus, o segredo da obediência humilde que se submete a qualquer superior e a qualquer ordem.
1 – Apesar da obediência ser tão preciosa que conforma toda a vida com a vontade de Deus, apresenta no entanto as suas dificuldades; estas derivam em grande parte do fato da obediência não nos vir imediatamente de Deus, mas através dos Seus representantes. Acontece assim que muitas vezes nos esquecemos de ver Deus nos superiores e de reconhecer neles a Sua autoridade. Quando, por exemplo – o que sucede facilmente na vida religiosa – nos acontece ter como superior um antigo colega ou porventura um antigo discípulo, mais novo e menos experiente do que nós, de quem conhecemos muito bem as lacunas e os defeitos, podemos ser tentados a não ter bastante estima pela sua autoridade, a não dar bastante valor às suas ordens. Então a vida de obediência torna-se particularmente difícil, custa a submeter-se, não se recorre ao superior com confiança, filial e, o que é pior, julga-se ter razão. Existe, pelo contrário, um grande erro de perspectiva, esquece-se que o superior, quem quer que seja, reveste uma autoridade que vem de Deus, e que lhe é dada unicamente porque foi chamado para tal ofício. Esta autoridade é invariável e tem o mesmo valor, tanto no superior ancião como no que é jovem, tanto no experimentado e virtuoso como naquele que o é menos. No fundo, se nos encontramos nesta dificuldade, devíamos acusar a nossa falta de espírito sobrenatural, de espírito de fé. Julgamos as coisas espirituais com uma maneira de ver natural, sob o ponto de vista dos valores humanos e assim é-nos impossível entrar na vida de obediência pois esta é, pelo contrário, toda baseada em valores e motivos sobrenaturais. É preciso saber fugir das considerações humanas sobre a pessoa do superior, do pensamento das suas qualidades ou dos seus defeitos, do que foi no passado, etc., para ver nele unicamente o representante de Deus, a autoridade divina. É verdade que isso pode talvez requerer uma luta e um esforço verdadeiramente grande que, todavia, é absolutamente necessário empreender, se não se quer perder o fruto da vida de obediência. É certo que quanto mais nos esforçamos por considerar nos superiores a autoridade que vem de Deus, tanto mais a nossa obediência será perfeita e meritória e o próprio Deus Se encarregará de nos guiar através do seu governo.
2 – Muitas vezes, para não dizer sempre, a falta de espírito sobrenatural une-se à falta de humildade. Custa ao amor próprio depender de outrem e submeter-se: custa sujeitar as próprias coisas ao governo de uma outra pessoa e entregar-se ás suas decisões. Custa sobretudo quando o superior pode parecer-nos, ao menos sob certos aspectos, como que inferior a nós, inferior em idade, em cultura, em experiência, em capacidade; e eis que o “eu” ferido no seu orgulho, recalcitra fortemente, mascarando a própria resistência com mil desculpas. Todavia ainda nisto há um grande erro, porque, admitindo também que na realidade possam existir algumas destas inferioridades, não devemos parar nelas, mas somente no fato de que, apesar das nossas comparações, o superior é sempre superior porque Deus assim o constituiu. Superior, porque Deus o propôs para nosso governo; superior, porque Deus lhe deu a missão de nos dirigir em Seu lugar; as suas qualidades ou deficiências pessoais não afetam em nada a superioridade que Deus lhe conferiu. Certamente o superior, por seu lado, deve esforçar-se por adquirir, quando não as possui, as virtudes e a capacidade necessárias para o exercício do cargo que desempenha, mas isto é negócio seu; da nossa parte – isto é, da parte dos súditos – há só uma coisa a fazer: submeter-se com humildade filial, deixar-se guiar, deixar-se governar. É uma questão de humildade, porque no fundo, humilhar-se quer dizer abaixar-se, pôr-se no próprio lugar, e o lugar de súdito em face do superior é sempre o de uma humilde dependência. Consideremos a obediência de Jesus e veremos nEle esta atitude de humildade levada ao máximo: Sendo Deus “aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens,… humilhou-se a si mesmo, feito obediente até à morte e morte de cruz” (Fil. 2, 7 e 8).
O que é para nós abaixar-nos submeter-nos e depender dos superiores em comparação com os profundos aniquilamentos de Jesus que, sendo Deus, Se quis fazer homem, quis viver como um homem qualquer, submetendo-Se às Suas próprias criaturas?
Persuadamo-nos de que, se a nossa obediência é defeituosa, é quase sempre por falta de humildade.
Colóquio – “Meu doce Salvador, poderei ver-Vos obediente às Vossas criaturas, por nosso amor e recusar eu sê-lo por Vosso amor, àqueles que Vos representam? Poderei ver-Vos obediente por meu amor até à morte, à morte de cruz, sem abraçar amorosamente esta virtude e a cruz na qual Vós a consumastes?
“Quero esforçar-me o mais que puder, por imitar os Vossos exemplos, obedecendo, por Vosso amor, a todas as criaturas, superiores, iguais ou inferiores, em todas as coisas, sem réplica, murmuração ou demora, mas alegre e amorosamente. Por isso não quero indagar por que motivo me é ordenada esta ou aquela coisa, muito menos quero considerar o modo como me é mandada ou a pessoa que me a ordena, mas na ordem quero considerar só a Vossa vontade, deixando-me, a exemplo Vosso, mover em qualquer direção, por qualquer pessoa, em coisas agradáveis ou desagradáveis, convenientes ou impróprias. Não importa! Faça de mim a obediência o que quiser.
“Ó Jesus, que à custa da Vossa vida quisestes reparar a desobediência de Adão e a minha, ó Jesus, que mediante a Vossa morte me adquiristes a graça de saber obedecer, não quero já a vida senão para Vo-la sacrificar mediante uma contínua e perfeita obediência” (S. Francisco de Sales).
“Senhor, é verdade que Vós quereis infundir a obediência nos nossos corações, mas o que Vos impede é o não querermos reconhecer que Vós falais e operais nos superiores; e é ainda o estarmos apegados à própria vontade” (Sta M. Madalena de Pazzi).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.