Sustentai, Senhor, a minha esperança, para que saiba esperar em Vós sem medida.1 – “O homem – ensina S. Tomás – não pode nunca amar a Deus como Ele deve ser amado; da mesma forma não pode crer nem esperar nEle como deve” (Iª IIª, q. 64, a. 4, co.). Por isso pode dizer que a medida da esperança em Deus é esperar sem medida. A tua esperança, a tua confiança em Deus nunca será excessiva nem exagerada, porque se apoia na misericórdia de deus que não tem limites. Se procuras sinceramente fazer da tua parte tudo o que podes para agradar a Deus, não temas esperar demasiado nEle. O seu poder auxiliador, o Seu desejo do teu bem e da tua santificação excedem infinitamente as tuas esperanças, por ousadas que sejam. Agrada tanto a Deus esta esperança cega e ilimitada nEle que, quanto mais nos vê esperar, tanto mais alcança, diz S. João da Cruz (S. III, 7, 2); e Sta Teresa do Menino Jesus, fazendo seu este pensamento, exclama: “Nunca se tem demasiada confiança no bom Deus, tão poderoso e misericordioso! Obtém-se dEle tanto quanto se espera” (H. 12).
Quanto mais miserável, fraco e impotente te sentires, tanto mais precisas de esperar em Deus; se não podes nem deves esperar chegar à santidade com as tuas forças, deves esperar consegui-lo com a força de Deus que é onipotente, apoiado na Sua misericórdia infinita que gosta de Se inclinar sobre as almas conscientes da sua própria fraqueza, que Se compraz, como disse Nossa Senhora, em “elevar os humildes e encher de bens os famintos” (cfr. Lc. 1, 52 e 53). A experiência da tua miséria deve fazer-te sentir cada vez mais viva a necessidade de Deus, ou antes, a tua própria miséria deve ser um grito incessante a invocar a Sua ajuda onipotente com plena confiança. Quanto mais a tua alma se dilatar na esperança, na confiança em Deus, mais se abrirá à Sua ação santificadora. A misericórdia de Deus está pronta a descer sobre ti a fim de te purificar e santificar, mas para o fazer, espera que tu lhe abras as portas do teu coração por um ato de absoluta confiança.
2 – Quando uma alma se esforça com toda a sua boa vontade por praticar as virtudes, por cumprir todos os seus deveres, quando está decidida a nada recusar ao Senhor, deve manter-se numa atitude de total confiança nEle, apesar das quedas inevitáveis. Sim, deves ter uma confiança absoluta em que o Senhor virá santificar-te, não obstante as faltas do passado, as misérias do presente, as securas de espírito, as repugnâncias da natureza, o cansaço e o esgotamento das forças.
Deus ama-nos não por estarmos sem pecado, mas porque somos Seus filhos, porque infundiu em nós a Sua graça. E tu não deves fazer-Lhe a ofensa de não crer no Seu perdão, nem deves desanimar pelas faltas que te podem escapar apesar da tua vontade. Se desanimas, é porque buscas a perfeição não só para a glória de Deus, mas também para a tua satisfação, é porque desejas mais estar seguro de ti mesmo do que estar seguro só de Deus. No fundo, isso seria fruto de um orgulho sutil. Em vez de te espantares, de te irritares com as tuas imperfeições, reconhece-as humildemente, apresenta-as a Deus, com o doente apresenta as chagas ao médico, pede perdão e depois recomeça imediatamente com grande confiança. Tens que aprender a servir-te das tuas misérias e das faltas para advogar a tua causa, para demonstrar a Deus quanta necessidade tens do Seu auxílio, para aumentar a tua confiança nEle. A esperança em Deus é a grande âncora de salvação da tua pobre alma, açoutada pelas ondas da fraqueza humana. Neste sentido, S. Paulo exorta-te a proceder “segundo a virtude de Deus, que nos livrou e chamou coma sua santa vocação, não pelas nossas obras, mas segundo o seu beneplácito e a graça que nos foi da em Jesus Cristo” (II Tim. 1, 8 e 9). Longe de concluir que as boas obras são inúteis, a esperança cristã exige da tua parte o maior cuidado possível em fazer o bem e fugir do mal; mas depois lança-te muito para além das tuas pobres obras, lança-te em Deus, na Sua misericórdia infinita.
Colóquio – “Como pode uma alma tão imperfeita como a minha aspirar a possuir a plenitude do Amor? Ó Jesus, meu primeiro e único Amigo, Vós que eu amo unicamente, dizei-me que mistério é este? Porque não reservais estas imensas aspirações às grandes almas, às águias que pairam nas alturas? Por mim, considero-me como frágil avezinha coberta apenas com ligeira penugem; não sou águia, dela apenas tenho os olhos e o coração pois, apesar da minha extrema pequenez, ouso fixar-Vos, Sol divino, Sol do Amor… Quereria voar para Vós, Sol brilhante que fascinais o meu olhar, quereria imitar as águias minhas irmãs que vejo elevarem-se até à morada divina da Trindade Santa… Ai de mim! Tudo o que posso fazer é agitar as minhas pequeninas asas, mas levantar voo, isso não pertence às minhas limitadas posses! Que farei portanto? Morrerei de tristeza ao ver-me tão impotente?… Oh não! não me afligirei sequer. Com audacioso abandono, continuarei a fixa-Vos, meu divino Sol; nada poderá atemorizar-me, nem o vento nem a chuva e se nuvens sombras vêm, ó Jesus, esconder-Vos ao meu olhar, não mudo de lugar, sabendo que para além das nuvens o Sol do Vosso amor brilha sempre, que o seu resplendor não poderia eclipsar-se um só instante! É verdade que por vezes o meu coração se vê acometido pela tempestade, parece-me não acreditar que existia outra coisa senão as nuvens que me envolvem. É o momento da alegria perfeita… Que felicidade continuar ali apesar de tudo, a fixar a luz invisível que se oculta à minha fé!
“Se pois Vós, Astro adorado, permaneceis surdo aos meus gorjeios queixosos, se continuais velado… paciência! Aceito ficar transida de frio e alegro-me mesmo com este sofrimento que aliás mereci.
“Ó Jesus, como é doce o caminho do amor. Sem dúvida, pode-se muito bem cair, podem-se cometer infidelidades, mas, sabendo o amor tirar proveito de tudo, bem depressa consome tudo o que Vos desagrada, não deixando senão humilde e profunda paz no íntimo do coração” (T.M.J. M.B. pg. 237; M.A. pg. 213).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.