Fonte e causa das impressões que o desânimo produz numa alma cristã
Por que é que o desânimo produz tão fortes e tão funestas impressões numa alma cristã? Ei-lo aqui. A alma está bem convencida da sua fraqueza, que amiudadas vezes ela experimenta: sente vivamente a dificuldade que tem em se vencer coisa que lhe sucede raramente. Todo ocupado dessas idéias tristes e desalentadoras, de que tem pouca coragem, de que não faz nada para agradar a Deus, ela considera como coisa Inútil recorrer ao Senhor, que, nesse estado, não deve escutá-la. Estranho efeito do orgulho do homem, que quereria dever a si mesmo o bem que faz e a felicidade a que aspira, contra esta palavra do Espírito Santo: Que tendes que não tenhais recebido?’
Essa alma, pois, não reflete, nem parece contar senão com as suas obras e com as suas próprias forças; de sorte que o seu desânimo diminui, cessa, volta ou aumenta, conforme ela age bem ou mal. Ela não pensa em que só e exclusivamente da misericórdia de Deus é que deve esperar socorro, e não dos seus próprios méritos; que, quando ela faz o bem, é pela graça de Deus que o faz, graça que ela não pôde merecer; e que, em qualquer estado, essa misericórdia lhe está aberta para obter essa graça.
Quando fazemos sentir a essas almas desanimadas que, a exemplo dos Santos. devem pôr toda a sua confiança em Deus, sem hesitar elas respondem não ser surpreendente que os Santos tivessem confiança em Deus, visto serem Santos, e servirem a Deus com fidelidade; mas que elas não têm as mesmas razões que os Santos para ter essa confiança perfeita. Não vêem que esse raciocínio é contra os princípios da Religião.
A Esperança é uma virtude teologal; o motivo dela só em Deus pode achar-se: essas almas fazem dela uma virtude humana, cujo motivo se acha no homem e nos seus costumes. Não; os Santos nunca esperaram em Deus porque eram fiéis a Deus; foram fiéis a Deus por haverem esperado n’Ele. Do contrário, o pecador Jamais poderia formular um ato de Esperança: e, no entanto, é esse ato de esperança que o dispõe a voltar a Deus.
Notai bem que São Paulo não diz: Obtive misericórdia porque fui fiel; mas diz: Obtive misericórdia a fim de ser fiel’. A misericórdia precede sempre o bem que fazemos: é ela que nos dá as graças que no-lo fazem praticar. Os santos nunca contaram com as suas obras para apoiarem a sua confiança em Deus: estavam por demais compenetrados desta lição que Jesus Cristo nos dá: Quando tiverdes feito tudo o que vos é mandado, dizei: Somos servos inúteis’. Quanto mais Santos eles eram, tanto mais humildes eram. A sua humildade não lhes deixava enxergar senão a perfeição a que ainda não haviam chegado. Bem distanciados dos sentimentos do Fariseu do Evangelho. eles não achavam nada em si que pudesse assegurar a sua confiança; mas procuravam e achavam no seio de Deus os fundamentos inabaláveis dela. Tais são os motivos que os sustentaram; tais devem ser os que vos animarão e que reanimarão a vossa fraqueza abatida. É importante que sejais instruídos sobre este ponto, para que não caiais novamente na armadilha que o demônio vos tem tantas vezes lançado.
Tratado do Desânimo nas Vias da Piedade, Padre J. Michel da Companhia de Jesus, 1952.
Última atualização do artigo em 10 de março de 2025 por Arsenal Católico