A cada um de nós revela-se, mais cedo, mais tarde, o fato inegável que não vivemos no Paraíso. Mas tal conhecimento não basta para convencer-nos que isto vale também dos nossos semelhantes, principalmente, quando esses semelhantes se nos apresentam nimbados de glória humana.
Olhando mais de perto as vidas desses homens célebres, verificamos mais uma vez a justeza da palavra de Salomão: “Tudo é vaidade”. E nisto todos os homens são iguais.
Diferentes são, porém, na atitude que assumirem diante das vaidades da vida. Diferentes na sua conduta nas vicissitudes da peregrinação terrestre. O cristão torna-se herói, forte pelo amparo da fé; O homem sem religião desespera.
Representante da primeira classe é Torquato Tasso, o autor da “Jerusalém Libertada”. Poucos homens alcançaram tão cedo fama e glória como este ilustre filho da Renascença. Poucos conseguiram fascinar geração após geração com as obras de seu gênio, como o conseguiu Tasso com uma grandiosa epopéia cristã. Mas poucos também pagaram preço tão alto por uns momentos de gozo da glória.
Entretanto, se Torquato Tasso conhecia todos os segredos da arte poética, não era menos experiente na verdadeira arte de viver que o capacitou a coroar uma existência repleta de tribulações com uma morte digna de um discípulo de Cristo.
Sorrento, na Itália, pode gloriar-se de ter visto nascer um dos maiores poetas cristãos. Ali nasceu Torquato Tasso aos 11 de Março de 1544. Seu pai, Bernardo Tasso, também poeta, era descendente de antiga nobreza de Bêrgamo. Sua mãe chamava-se Pórzia Rossi di Pistoja e pertencia à alta fidalguia napolitana.
Torquato Tasso contava sete anos de vida, quando um acontecimento político privou os pais do seu magnífico lar e dos meios de subsistência, sendo Bernardo acusado de alta traição e condenado à morte. Teve que fugir.
Esta fuga deveria exercer uma influência funesta em toda a vida do filho. Esse foi, por enquanto, estudar no recém-fundado colégio dos jesuítas de Nápoles, onde causou profunda impressão por seus progressos nas línguas latina e grega. Antes de completar os nove anos de vida, fez aí sua Primeira Comunhão e muitos anos mais tarde agradecia ainda a Deus a graça de ter recebido o Pão dos Anjos, quando podia recebê-lo num coração puro, simples e ilibado.
Em 1554, Bernardo foi para Roma e chamou para lá seu filho. Com esta data começa para Torquato aquela vida errante que deveria ser sua sorte até o fim. Foi naquela época também que perdeu, pela morte, sua excelente mãe. Feliz dele que tinha encontrado uma outra mãe em Maria Santíssima, à qual se consagrou na Congregação Mariana. Deste amor a Nossa Senhora hauria paz e tranquilidade nos muitos dias e noites pejados com torturantes febres, inquietações e angústias.
Pois sua vida tornar-se-ia uma verdadeira odisséia. Seria fastidioso enumerar todos os lugares que viu na penosa Jornada. Consideremos, em vez disto, três elementos de sua vida.
Com 18 anos de idade, publicou Torquato Tasso uma grande epopéia romântica que lhe granjeou muitos louvores. Já um ano mais tarde, esboçou o jovem poeta uma obra maior ainda, aquela obra que deveria colocá-lo entre os maiores vates de todos os tempos, a “Jerusalém Libertada”. Seu ideal foi ser um Homero ou Vergílio cristão. E alcançou este sublime ideal. Mas a custo de quantos sacrifícios e de quantos trabalhos! As viagens contínuas, a morte de seu pai, injustiças e perseguições esgotaram suas forças físicas e mentais.
Manifestações destas condições foram os seus escrúpulos religiosos. Tinha medo de ter faltado contra a fé ortodoxa; acusou-se perante a Inquisição, e, quando, depois de o ter ouvido, o Inquisidor de Bologna lhe assegurou que tudo estava em ordem, julgou este julgamento uma cilada. Pior ainda. Via em toda a parte traição e perseguição. Foi necessário encerrar o grande poeta num manicômio. Mas mesmo assim conseguiu Tasso escrever versos magníficos.
Quando estava melhor outra vez, o Papa Clemente VIII chamou o criador da “Jerusalém Libertada” para Roma, cuidou paternalmente dele e resolveu conferir-lhe a maior distinção outorgada a um poeta: a coroação no Capitólio, honra que desde Petrarca não alcançou mais ninguém.
Não deveria, porém, receber em vida os louros tão bem merecidos.
Tasso sentiu a aproximação do fim. Retirou-se para o convento de Sant’Onófrio dos Frades Jerônimos. Os melhores médicos, entre eles o médico do Papa, Cesalpini, rodeavam-no de cuidados. Mas em vão. E Torquato estava preparado. Quando o P. Prior lhe trouxe o Viático, exclamou o poeta: “Exspectans expectavi Dominum”. (Ansiosamente esperei pelo Senhor). Na madrugada do dia 25 de Abril de 1595, passou, sem agonia, para a vida melhor. Toda a corte papal seguiu o féretro encimado pela coroa que em vida não pudera cingir.
E foi melhor assim. Pois ela simbolizava não somente a grandeza do poeta, mas ainda a mestria com que soube concluir uma vida cristã.
Mariano Célebres, por Werner J. Soell, S. J., 1955.
Última atualização do artigo em 4 de fevereiro de 2025 por Arsenal Católico