Maus Papas e a interpretação da Sagrada Escritura

Interior da Basílica de São Pedro, Vaticano

Contra as nossas exposições já se levantou a seguinte objeção ativante:

“Ninguém pensa em contestar que a Igreja Católica Romana não foi fundada por Jesus Cristo. Mas, ela perdeu esta prerrogativa porque caiu da altura em que devia estar. Antes de Lutero, muitos papas viviam em pecado e por isto não mereciam, de forma alguma, o nome de “Santo Padre”. Deixaram de ser representantes de Jesus porque Ele não pode ser representado por pecadores. Por isto, penso que a Igreja Católica deixou de ser a verdadeira e única. O protestantismo, se não tem mais, tem pelo menos tanto direito quanto ela. Portanto, a Sagrada Escritura que a Igreja Católica conservou até os dias de Lutero, pode ser explicada também por nós protestantes e por quem quiser fazê-lo”.

O interpelante quer dizer que a Igreja Católica deixou de ser a verdadeira Igreja de Cristo por causa dos maus Papas que já a governavam. Respondemos:

Graças a Deus, por Ele ter tolerado maus Papas na sua Santa Igreja. Deus não é fariseu que se escandaliza por causa da presença de um publicano no seu templo. Deus é misericordioso e pode e sabe esperar até à hora da conversão dos pecadores. “Porventura é da minha vontade a morte do ímpio, diz o Senhor Deus, e não quero eu antes que ele se retire dos seus caminhos e viva?” (Ez 18, 23). Deus não é como algumas seitas protestantes que condenam logo o pobre pecador para o mais fundo inferno. Por este ato de misericórdia, também para com os maus Papas, agradecemos a Deus.

Os protestantes não entendem a Sagrada Escritura (apesar de pretenderem entende-la melhor do que a Igreja Católica). Vejam por exemplo o capítulo 13 do Evangelho de São Mateus. Lá (vv 24-30 e 36-43) Nosso Senhor compara o reino do céu, e é, a sua Igreja, com um campo de trigo entre o qual o inimigo semeou joio. E o pai de família não manda arrancar o joio, mas, deixa-o crescer até o tempo da ceifa. Desta forma, Deus tolera os pecadores na sua Igreja até o fim do mundo; só então separa para sempre trigo e joio, bons e maus. Outra parábola (vv 47-50) trata de uma rede de arrasto que colhe peixe de todas as qualidades, bons e ruins que depois serão separados. E Nosso Senhor mesmo dá a explicação: “O mesmo se fará no fim dos séculos. Sairão os anjos e separarão os maus dos justos, e os lançarão à fornalha de fogo, onde haverá choro e ranger de dentes”. Segundo a doutrina de Cristo, portanto haverá sempre pecadores na sua Igreja.

Não nos espantamos de se realizarem na verdadeira Igreja as palavras de Cristo. Uma igreja que categoricamente exclui do seu seio os pecadores, pretendendo ser uma igreja só de justos e santos, já por si é falsa e não é a Igreja de Cristo. Assim foi a igreja dos montanistas, dos novacianos, dos donatistas na antiguidade, dos waldenses e cátaros na idade média., e são muitas seitas protestantes em nossos dias. De per si, todo o protestantismo é desta opinião falsa, porque, desde o princípio, nega o sacramento da confissão, portanto o instituto divino para a salvação dos pecadores. Realmente Calvino fez esta conclusão de todo lógica, dizendo que só os predestinados para a vida eterna pertencem à Igreja de Cristo. Graças a Deus que a Igreja Católica Romana recebeu do seu divino Mestre outro espírito de misericórdia e nunca teve este zelo de fariseus que julgam a si mesmos justos e outros pecadores. E mesmo nos casos em que a Igreja se vê obrigada a excomungar renitentes, o faz com a intenção de chama-los à penitência e de impedir tais crimes.

Mas propriamente não só por isso quero agradecer a Deus: o motivo principal é outro: porque a existência de maus Papas na Igreja Católica é a prova indireta talvez mais impressionante de que ela é uma instituição divina e que jamais perecerá, como Jesus Cristo prometeu a São Pedro. Explico-me:

Se todos os Papas e todos os bispos e todos os padres tivessem sido e ainda fossem santos e fiéis cumpridores dos seus sagrados deveres, podia-se dizer (não afirmo que com razão ajuizada) e de certo os inimigos da Igreja o diriam: A Igreja não perece simplesmente por causa dos seus superiores que por própria influência e capacidade a conservam: por isso a estabilidade da Igreja não é fato sobrenatural. Mas, agora a coisa é muito diferente: Se a Igreja católica fosse uma instituição humana, os maus chefes, mormente os maus Papas a teriam perdido irremediavelmente, como até hoje nenhuma instituição humana teve existência perene, mas por insuficiência dos seus chefes ou por maldade dos homens pereceram.

A Igreja Católica Romana já passou por tempestades e crises horrorosas por causa do mau exemplo dos seus chefes e já teria ruído para sempre se Deus mesmo não lhe tivesse garantido a existência até o fim do mundo. Mas, ainda existe, e ninguém pode negar que hoje ela existe e vive fortemente nos seus chefes desde o Santo Padre em Roma até os últimos sacerdotes que sabem cumprir os seus deveres. Apesar de contínuas perseguições sob qualquer aspecto, a Igreja mostra uma vida pujante de retidão e santidade. E se ainda há um ou outro sacerdote, ou mesmo se fossem muitos como já houve em alguns tempos, que esquecem a sua dignidade e dever sagrados, são simplesmente a prova de que também o sacerdote conserva a sua plena liberdade e por isso pode agir contra a vontade de Deus. Mas talvez, o protestante que se escandaliza por isso, não se lembre mais de que na Sagrada Escritura até um Apóstolo que por longo tempo viveu na intimidade do divino Mestre, caiu e se tornou até o traidor. O que um Apóstolo pôde fazer, cada católico como qualquer homem, e por isso também um sacerdote pode fazer…

Segundo as palavras de Cristo haverá sempre pecadores na sua Santa Igreja e, por conseguinte, a existência de maus Papas não é prova alguma contra a divina instituição da Igreja, ao contrário, prova até a assistência divina a ela dispensada. Mais ainda. Devemos fazer aqui uma boa distinção. Já houve maus Papas e maus sacerdotes na Igreja. Atrás destes, mormente quando largam a batina, andam os protestantes a fim de pesca-los para suas seitas e depois por estes padres infiéis provar que eles e não a Igreja Católica são a verdadeira igreja de Cristo. Julgo que um padre apóstata que desprezou sua santa Fé e quebrou sua fidelidade a Deus e à Igreja, jamais é prova de que a seita protestante é verdadeira Igreja de Cristo. Quem se satisfizesse com tal argumento dos protestantes, provaria que ou nunca teve juízo perfeito ou que o perdeu por completo.

Há sacerdotes que querem justificar a sua apostasia e acusam por isso a sua Madre Igreja. E os protestantes nos seus folhetos gostam de citar os nomes de tais infelizes. Mas quem joga pedras na própria mãe, fere a si mesmo, porque não é nem foi como a Igreja o queria ver. Aqui, porém, é sumamente notável que os maus Papas nunca procederam desta forma. Nem sequer Alexandre VI (talvez o pior de todos os maus Papas), procurou justificar a sua vida escandalosa., por uma definição papal. Ao contrário, defendeu a moral cristã contra falsas opiniões e provou desta forma que um Papa pode defender o próprio procedimento; pois Deus vigia sempre a sua Igreja e a sua doutrina. Por isso afirmo que até o pontificado de Alexandre VI prova indiretamente que a Igreja foi instituída por Nosso Senhor e é imperecível: em outra hipótese este mau e indigno Papa teria posto a pique a barca de São Pedro. Logo, um mau Papa não tira à Igreja o caráter sobrenatural de ser a única verdadeira Igreja de Cristo.

E se fosse verdade o que o interpelante afirma, que a Igreja perde o seu direito divino por causa de maus Papas, a Igreja teria deixado de existir já desde muito tempo antes do protestantismo e Lutero não teria mais encontrado uma Igreja de Cristo para reforma-la ao seu modo. Como a história eclesiástica mostra, nos séculos 9 e 10 houve alguns Papas indignos de tão alto cargo (Mas note-se também, o que é justo, que muitos deles, sem verdadeira vocação e só por motivos políticos, por seus parentes foram levados ao trono de São Pedro). Até hoje os protestantes admitem que a Igreja Católica Romana foi, ao menos até os tempos de Lutero, a verdadeira Igreja de Cristo. E ponho o asserto firmíssimo: como a Igreja católica nem no século 9 ou 10 deixou de ser a Igreja verdadeira de Cristo, por causa dos maus Papas, nem tampouco o deixou de ser nos tempos dos primeiros protestantes, como nem hoje deixou de existir e nunca o deixará até o fim dos séculos.

Em nossos dias a Igreja Católica está em pleno brilho interior e prova claramente a sua divina instituição. O poder político lhe foi tirado; mas ela continua a ser uma força moral, a primeira do mundo sem dúvida. Os últimos Papas foram verdadeiros Santos Padres (aliás não chamamos o Papa “Santo Padre” por motivo de santidade pessoal, mas por causa do seu ofício de ser o supremo chefe da Igreja e representante de Cristo); quero nomear só os que usavam o nome de Pio, a saber Pio VI, VII, IX, X e XI; e do atual não quero falar:  o mundo inteiro conhece o seu valor e a sua santidade. Que trono do mundo em tão pouco tempo teve reinantes de tanta santidade e capacidade? E note-se bem, nem os outros Papas, que reinaram naquele tempo, foram pequenos: por exemplo, Gregório XVI, que defendeu a fé, Leão XIII, o Papa dos operários, Bento XV, o Papa da paz.

Terminando, quero citar uma palavra de São Paulo (1 Cor 1, 27-29): “Deus escolheu o que é estulto aos olhos do mundo, para confundir os sábios. E escolheu Deus o que é fraco aos olhos do mundo, para confundir o que é poderoso. E escolheu Deus o que é baixo aos olhos do mundo, o que é abjeto, que não é nada, para destruir aquilo que é grande, a fim de não suceder que alguém se glorie em face de Deus”. Assim nos primeiros séculos, Deus não chamou para o trono da sua Igreja os grandes doutores, nem um Santo Agostinho, nem um Santo Ambrósio ou Crisóstomo ou Jerônimo, mas homens de menos sabedoria para mostrar que Ele é quem dirige e salva a santa Igreja. Assim procede Deus geralmente, e nem os protestantes podem dizer-lhe que procede mal.

Verdade eterna é a palavra de Cristo dita a Pedro: “tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18). E porque a Igreja de Cristo como a verdade eterna é uma só, as igrejas e seitas protestantes não são a verdadeira instituição de Cristo nem podem ter o mesmo direito que a verdadeira Igreja de Cristo: elas são, como foram desde o princípio, cismáticas e heréticas. E por isso a Sagrada Escritura é e continua a ser propriedade exclusiva e inalienável da Igreja católica Romana, e os protestantes não têm direito algum de usurpá-la.

Hereges e Heresias, Frei Mariano Diexhans O.F.M., 1ª Edição, 1946.

Última atualização do artigo em 18 de dezembro de 2024 por Arsenal Católico

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