Senhor, purificai-me como o ouro no crisol; purificai-me e não me poupeis para que eu possa chegar até Vós.
1 – Se o Senhor te encontrar forte e fiel, humilde paciente na aceitação das provas exteriores, passará pouco a pouco às mais íntimas, mais espirituais “para te purificar mais interiormente, para te dar bens mais interiores” (cfr. J.C. CV. 2, 38). A noite passiva do espírito culmina precisamente nestas penas interiores mediante as quais Deus “rasga e despedaça a substância da alma” (N. II, 6, 1) para a fazer renascer completamente para a vida divina. Com efeito, estamos tão cheios de miséria e de defeitos, e eles estão de tal modo aderentes à nossa natureza que se Deus não intervém com a Sua mão, desfazendo-nos e refazendo-nos dos pés à cabeça, nunca seremos libertos deles. Jesus também falou desta renovação total, deste profundo renascimento espiritual: “Quem não renascer da água e do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus” (Jo. 3, 5); reino de Deus na terra é o estado de perfeita união com Ele à qual ninguém pode chegar se antes não estiver inteiramente purificado.
S. João da Cruz explicou profusamente como esta obra de purificação é realizada pelo Espírito Santo, que investindo a alma com a chama viva do Seu amor, destrói e consome todas as suas imperfeições. “Porque nesta disposição purificadora – diz o Santo – esta chama não lhe é clara, mas escura; pois se alguma luz lhe dá, é somente para ver e sentir suas misérias e defeitos” (CV. 1, 19). Ainda que a alma se encontre sob a ação direta do Espírito Santo, esta ação não lhe é saborosa, mas penosa, porque o primeiro trabalho que ela realiza é juntamente o de lhe mostrar todas as suas fraquezas e misérias, a fim de que delas conceba horror, as deteste, se humilhe e as chore. A luz penetrante da “chama viva do amor” levanta o espesso véu que ocultava à alma as raízes dos seus maus hábitos. perante esta visão a alma sofre não só porque se sente humilhada, mas também porque teme ser repudiada por Deus; com efeito, reconhecendo-se tão miserável, sente-se terrivelmente indigna do amor divino e em certos momentos parece-lhe verdadeiramente que o Senhor, irritado, a repeliu de Si. Este é o maior tormento que a alma pode sofrer, mas é um tormento precioso, porque a purifica de todos os resíduos do amor próprio e do orgulho, porque cava nela aquele abismo profundo de humildade que chama e atrai o abismo das misericórdias divinas.
2 – Se o Espírito Santo não te fizesse conhecer e experimentar a tua miséria, não poderias ser liberto dela já que, ignorando-a, não poderias secundar a obra de purificação que Ele quer realizar em ti. Por isso quando, através dos insucessos da tua vida espiritual, das impotências do teu espírito ou das lutas e rebeliões da natureza, a luz divina te mostrar o fundo das tuas perversas tendências, deves suportar humildemente essa visão, reconhecer e confessar as tuas fraquezas sem as quereres desculpar, sem atribuíres a causa a circunstâncias adversas e sem delas desviares o olhar. São estes os momentos em que, mais do que nunca, te deves curvar “sob a mão poderosa de Deus” (I Ped. 5, 6), o qual te faz ver o que na realidade és na sua presença. Por outro lado, o quadro das tuas misérias, por feio e abominável que seja, não te deve lançar no desânimo; não é este o fim para o qual o Espírito Santo to descobre, mas para te despojar de todos os vestígios da secreta estima de ti mesmo e para apagar no teu coração – no caso de existir – qualquer pretensão de seres merecedor dos favores divinos. Nem sequer deves pensar que te tornaste pior do que antes; estas misérias sempre as tiveste contigo, coma diferença de que anteriormente as ignoravas, ao passo que agora a luz divina tas mostra com clareza, não para te oprimir, mas para te libertar delas. Apesar de todo o sofrimento que possas experimentar à vista da tua miséria, deves manter-te confiado e seguro de que Deus não te abandonará. É verdade que lhe foste infiel, não correspondeste como devias ao Seu amor, os serviços que Lhe prestaste são bem pouca coisa, ou melhor, não são nada em comparação com o que Deus merece; contudo Ele, infinitamente bom, não despreza o teu coração contrito e humilhado.
Deus ama-te e, longe de te rejeitar, deseja unir-te a Si, mas antes de o fazer quer tornar-te perfeitamente consciente de que és indigno desta grande graça. Deus comunica-Se só às almas humildes, e só os humildes cumula dos Seus dons: eis o motivo dos sofrimentos purificadores da noite do espírito; com efeito, é impossível atingir a humildade perfeita sem passar pelas amargas angústias desta noite em que o próprio Deus Se encarrega de humilhar a alma. Quando, finalmente, a tiver conduzido ao centro do seu nada, então exaltá-la-á atraindo-a a Si, na perfeita união de amor.
Colóquio – “Ó minha alma, se ficaste ferida pelo pecado, eis o teu médico, pronto para te curar. A Sua misericórdia é infinitamente maior do que todas a suas iniquidades. E eu digo-te isto, não para permaneceres na tua miséria, mas para que, esforçando-te por vencê-la, não desesperes da Sua clemência e do Seu perdão.
“O teu Deus é a própria doçura, a própria suavidade; a quem amarás, a quem desejarás fora dEle?
“Não te deprimas, alma minha, por causa das tuas imperfeições. O teu Deus não te despreza por seres imperfeita e doente; pelo contrário, ama-te porque tu desejas e procuras e tornar-te-á mais perfeita do que tu ousaras esperar; adornar-te-á com a Sua mão e a tua beleza, como a Sua bondade, não terá igual.
“Ó meu Jesus, terno Pastor e doce Mestre, socorrei-me, levantai a Vossa ovelhinha caída, estendei a mão para me segurar, curai as minhas feridas, fortalecei a minha debilidade, salvai-me aliás perecerei. Confesso ser indigno de viver, indigno da Vossa luz, indigno do vosso auxílio, porque a minha ingratidão foi imensa; porém a Vossa misericórdia é muito maior ainda. tende pois compaixão de mim, ó Deus, que tanto amais os homens! Oh! minha última esperança! Tende piedade de mim segundo a grandeza das Vossas misericórdias” (B. Luís de Blois).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico