São Januário e seus companheiros, Mártires

São Januário e seus Companheiros, Mártires († 305)

Na Catedral de Nápoles é celebrada hoje grande festa com oitava, a que vêm assistir milhares de fiéis não só da cidade como da circunvizinhança e toda a Itália. A solenidade é a viva expressão da veneração e gratidão ao grande padroeiro São Januário, cujas preciosas relíquias se acham expostas em duas capelas da mesma Catedral. Em uma destas capelas é conservado o corpo do Santo quando a outra é o repositório de sua cabeça e de duas ampolas de vidro com sangue do mártir, recolhido por uma piedosa mulher logo depois da decapitação deste. Todos os anos, no dia de hoje, é observado o milagre de São Januário, que consiste na liquefação do sangue contido nas ampolas, no momento que estas são aproximadas da cabeça o de qualquer uma das relíquias do Santo. Sobre o fato não poder haver a mínima dúvida, pois tem sido presenciado por milhares de pessoas e cientistas de diversos credos têm se ocupado deste fenômeno sem que tivessem achado uma explicação natural do mesmo. Com sua repetição cresceu sempre o fervor da fé, e anualmente, a procissão que os napolitanos lhe fazem, adquire novo esplendor. Chama-lhe a procissão das grinaldas porque os pobres, para se livrarem dos raios do sol, enfeitam a cabeça com grinaldas de flores.

A cabeça de São Januário está encastoada num busto de outro e prata, presente do rei Carlos II de Anjou, e é anualmente levada em procissão, (*) seguida à tarde de outra que transporta a ampola do sangue miraculoso, procissão cujo termo é a Igreja de Santa Clara.

São Januário, provavelmente descente dos nobres Januários de Nápoles, era Bispo de Benevento. Em sua vizinhança vivia o zeloso e santo diácono Sósio, a quem o ligavam laços de uma grande amizade, e a quem muitas vezes visitava. Em uma das suas visitas a este santo homem, na ocasião dele pregar a palavra de Deus, viu uma labareda de fogo descer sobre a cabeça do pregador, fenômeno que Januário considerou aviso do próximo martírio de seu amigo. Não se enganou. Em 303 rompeu a última e a mais cruel perseguição contra a Igreja, sendo Diocleciano Imperador. Dracôncio, governador da Campanha, cumprindo ordem imperial, exigiu de Sósio, que prestasse homenagens às divindades nacionais. Como este se negasse, foi desumanamente espancado e fechado no cárcere de Puzziuoli. A mesma sorte tiveram diversos cristãos. Mal soube Januário o que tinha acontecido a seu amigo, foi visitá-lo a ele e a seus companheiros de prisão, e animou-os com sua palavra de amigo e bispo.

Aconteceu que Dracôncio fosse removido e em seu lugar viesse Timóteo, inimigo implacável do nome cristão. Uma das suas primeiras determinações na campanha anticristã foi o aprisionamento de Januário, de quem foi exigida a apostasia da fé pela homenagem que havia de prestar aos deuses. Januário, em vez de obedecer a esta ordem, fez profissão solene e pública de sua fé em Jesus Cristo e sua santa Igreja. Imediatamente veio ordem do governador, para que fosse lançado em uma fornalha ardente. Deus, porém, protegeu seu filho e servo. O fogo, em vez de atacar e consumir a inocente vítima, veio com ímpeto sobre os carrascos e os feriu gravemente. Três dias teve que passar dentro da fornalha, para depois ser novamente encarcerado e barbaramente espancado. Dois clérigos, Festo e Desiderio foram visitar seu bispo, e quando o viram tão mal tratado, deram expressão à sua indignação e dor, e altamente protestaram contra os processos desumanos aplicados contra um homem tão bom, “que era a caridade em pessoa, o consolador dos aflitos e o amigo de todos que sofriam e a ele nas suas mágoas e necessidades se dirigiam”. Resultado foi que também estes dois homens foram presos e juntos com Januário levados à presença do governador. “Quem são estes homens?” indagou este com voz de trovão. “Um é meu diácono, o outro meu leitor”, respondeu placidamente Januário. “São cristãos?” Januário: “São; e espero que não negarão Nosso Senhor Jesus Cristo”. – “Isso nunca”, Exclamaram ao mesmo tempo os dois, somos cristãos e prontos para dar a vida por Cristo”.

Timóteo nada respondeu: disfarçou seu ódio, mas deu ordem para que fossem metidos em ferros e diante do seu carro levados a Puzzuoli, onde o cárcere os recebeu.

Longe de se lastimar, os santos homens se felicitaram mutuamente por se acharem em caminho para o martírio, e pediram a Deus a graça da perseverança. Já no dia seguinte foram transportados para o anfiteatro. Lá os esperava o governador e muito povo, ávidos de assistir à cena de animais ferozes e famintos se atiraram sobre vítimas inermes. Os sete jovens cristãos, também Januário não contava mais que quarenta anos – ajoelharam no meio da arena, os olhos elevados ao céu. Mal se abrirarn as jaulas, os leões com rugidos formidáveis se precipitaram sobre os sete homens. Mas, que maravilha! Como contidos e domados por mãos invisíveis, se deitaram aos pés dos confessores, sem lhes causarem mal algum. O povo diante deste milagre, não se conteve, e em altos brados felicitou-os. Timóteo, porém, perturbado e humilhado, deu ordem de decapitação imediata. Outro fato maravilhoso acompanhou esta ordem desumana. No mesmo momento também em que proferiu a sentença de morte sobre Januário e seus companheiros, ficou cego. Em sua confusão e aflição suprema recorreu à própria vítima, a Januário, suplicando que o socorresse. O santo Bispo rezou sobre ele, fez o sinal da cruz sobre os olhos amortecidos, e estes se abriram, completamente curados. Não obstante o monstro manteve a ordem da morte; talvez por medo do Imperador enfurecido ou, pelo fato de quase cinco mil das pessoas presentes no anfiteatro, além de aclamarem os cristãos, se terem declarado a favor da fé cristã. Os corpos dos mártires foram retirados pelos cristãos e com todas as honras sepultados.

Sete anos depois, quando pela conversão do Imperador Constantino houve grande mudança na política romana, os Beneventinos retiraram as relíquias dos seus sacerdotes Festo e Desiderio; as de S. Januário, porém, ficaram em Nápoles. Diversas tentativas de obrem esta preciosidade, não tiveram resultado. Em 825 o Príncipe Sico de Benevento, quando com forte exército veio assediar Nápoles, se apoderou do corpo do santo Mártir, que, como em triunfo, foi trasladado para Benevento. A cabeça e a ampola com o sangue ficaram em Nápoles. Só em 1480 o Imperador Fernando de Nápoles recuperou as santas relíquias para a cidade.

REFLEXÕES

Os judeus olhavam com horror os cadáveres, mas os cristãos consideravam nos preciosos, porque eles foram habitação do Espírito Santo (1 Cor. 3. 6) e são como uma semente, donde germinará um corpo glorioso no dia da ressurreição. (1 Cor. 15. 42). Veneramos as relíquias dos Santos para adorar Aquele em quem e por quem eles morreram (S. Jerom.). O próprio Deus honra as relíquias, porque se serve delas, para operar milagres.

Já os Hebreus conservavam religiosamente as relíquias. Moisés levou do Egito o corpo de José. (Ex. 13. 19). Os cristãos imitaram-lhe o exemplo. Os túmulos dos mártires foram desde a mais alta antiguidade os sítios onde se construíram igrejas e altares para ali celebrar o Santo Sacrifício da Missa. A Igreja conserva as relíquias em preciosos relicários e adorna-as de flores e pedras preciosas.

O culto das relíquias obtém-nos de Deus inúmeros benefícios. (Cone. de Tr. 25). As relíquias são fontes de salvação, donde correm para nós os benefícios divinos. A vontade de Deus fez brotar uma nascente da penha do deserto (Ex. 16), e faz brotar também das relíquias dos Santos uma nascente de bênçãos. Os corpos dos Santos e os túmulos dos mártires afastam as insidias do demônio e obtêm muitas vezes a cura das doenças mais refratarias. A veneração dos corpos mortos serve, pois, para restituir a saúde aos corpos vivos. É evidente que o milagre não é produzido materialmente pelas relíquias, mas pela vontade de Deus. Não há, pois, superstição alguma na veneração que o povo cristão tributa às santas relíquias. (Spirago).

Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.

(*) Não é fácil descrever a pompa e a solenidade destas procissões. A primeira sai ao meio dia e veem-se desfilar estandartes riquíssimos, padres deslumbrantes nas casulas de ouro e prata, nobres envergando uniformes de gala. O Príncipe de S. Nicandro conduz o estandarte municipal e os Monsenhores, Prelados capelães do Tesouro de S. Januário seguram as varas do palio enquanto que, debaixo dele, vai o busto do Santo Padroeiro com o colar da Rainha Margarida, a cruz do Rei Umberto e a mitra, picada de brilhantes e safiras, oferecida pela piedade dos reis de Nápoles.

Na retaguarda deste verdadeiro deslumbramento de luz, de cor e de som, marcham pausadamente as autoridades civis e militares, todas as associações provinciais e todos os vereadores do município, vestindo o histórico traje vermelho, com riquíssimos mantos de veludo, o escudo da cidade, calças de veludo negro e meias de seda branca.

Mas se esta procissão é grandiosa, ela empalidece diante da outra que, no mesmo dia, sai às seis horas da tarde, da Catedral Metropolitana, porque o seu cortejo é ainda mais característico visto serem carregadas as quarenta estátuas de prata propriedade das quarenta igrejas de Nápoles, assim como quem presta homenagem à ampola do sangue de S. Januário.

E veem-se as Irmandades, os regimentos fazendo guarda de honra, os Cônegos Capitulares de longos mantos vermelhos como Bispos, as Colegiadas, lindas manchas rubras e violáceas, os párocos da arquidiocese com murchas roxas, ou dois seminários semelhando enormes Cabidos Diocesanos e, por fim, debaixo do palio, o Cardeal com a ampola do milagre.

A passagem é um triunfo. Flores caem das janelas, das varandas, dos balcões; arcos triunfais erguem-se ao longo das ruas; panos de Arrás, de Gobelins, veludos de Veneza, de Genova, damascos, cetins, movem-se à mercê do vento; e o povo canta, soluça, chora, impreca, intima o Santo a fazer o milagre. Milagre precursor de mais um ano de tranquilidade em face de um Vesúvio que é a sua bazófia, a sua riqueza, e o seu temor.

Assim, entre cânticos e hinos e flores, o cortejo chega ao altar-mor e a ampola de vidro é colocada no altar. E começam as orações do povo, orações especiais para invocar o desejado e clássico milagre, a liquefação do sangue.

Desta vez (em 1932) o milagre verificou-se em circunstâncias excepcionais, a ponto de encher toda a população napolitana de uma intensa comoção e de justificar uma edição extraordinária de um jornal citadino.

A tradicional procissão fica memorável por todo o sempre principalmente pela rapidez com que o milagre se deu. Mal se pôs sobre o altar o relicário, e o Cardeal Ascalesi acabou de entoar o “Te Deum” e se extinguiu o último eco deste admirável canto litúrgico, pela nave imensa da igreja corre um frêmito que, a um tempo, é de alegria e de espanto. A massa negra recolhida na ampola começa de movimentar-se por si mesma, torna-se viva e depois assume a cor de um vermelho intenso.

Não se passara um minuto. As orações estavam para se iniciar e o milagre surge, visível, real, empolgante, estonteador e magnífico.

Então um grito imenso, um grito onde ia toda a alma vibrátil e paradoxal dos napolitanos, se sente pela igreja fora. Um grito que se multiplicou em manifestações de fé, de alegria, de assombro, de maravilha. Foi um delírio. Um delírio nunca sonhado, um delírio onde as lágrimas espelham as luzes dos altares, onde os braços se desfazem em braços, onde as bocas cantam hinos de ventura e gratidão.

Todos caem de joelhos e, enquanto o Cardeal, também comovido pelo inesperado acontecimento, observa a rápida liquefação do sangue, o choro e as orações rondam as fronteiras do paroxismo.

A notícia já voara por todos os cantos da cidade pitoresca e colorida e os cortejos populares organizam-se por encanto. A sagrada ampola é dada a beijar aos magnatas e, depois, nova procissão se organiza em torno da Catedral, no meio de um delírio jamais visto e nunca imaginado.

À porta do maior templo napolitano o Cardeal Arcebispo dá com a ampola a benção ao povo ajoelhado, enquanto os campanários de Nápoles repicam as aleluias de uma grande festa e tocam as bandas regimentais. (“Cartas de Roma”, de J. Santa Rita).

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