Ó Senhor, fazei-me compreender a primazia da caridade para que me aplique a ela com todo o coração.
1 – As virtudes teologais, tendo a Deus como objeto direto, são superiores às virtudes morais que têm por objeto direto o governo da nossa conduta; mas mesmo entre as virtudes teologais, a caridade tem a primazia porque, sendo inseparável da graça, é um elemento constitutivo, indispensável, da nossa vida sobrenatural; onde não há caridade, não há graça, não há vida, mas morte: “aquele que não ama permanece na morte” e, pelo contrário, “quem permanece na caridade, permanece em Deus e Deus nele” (I Jo. 3, 14; 4, 16). A fé e a esperança podem subsistir mesmo numa alma que perdeu a graça, mas a caridade não: é tão vital que não pode subsistir juntamente com a morte causada pelo pecado. Não só é vital, mas é ainda imperecível e permanecerá imutável por toda a eternidade. No céu a fé e a esperança cessarão, pois ambas contêm algo de imperfeito no sentido de que a fé nos dá a conhecer Deus sem no-lO deixar ver e a esperança nos faz esperar nEle sem nos dar a Sua posse; por isso, “quando vier o que é perfeito”, ou seja, a visão beatífica, estas duas virtudes já não terão razão de ser. Não acontece assim com a caridade, a qual não implica nenhuma imperfeição, porque nos faz amar a Deus quer na obscuridade da fé, quer na claridade da visão, e por isso S. Paulo diz que “a caridade nunca há de acabar”. Agora, para nos unirmos a Deus, “permanecem estas três coisas: a fé, a esperança, a caridade; porém, a maior de todas é a caridade” (I Cor. 3, 8 e 13).
A fé e a esperança não são virtudes completas porque, sem a caridade, não têm poder para nos unirem a Deus e produzirem obras de vida eterna. A fé e a esperança do pecador que perdeu a caridade, são inativas, inoperantes; continuam nele é certo, mas com mortas. “A fé sem obras é morta” (I Tgo. 2, 26) e só tem valor “a fé que obra animada pela caridade” (Gál. 5, 6), de tal modo que, “se tivesse toda a fé até ao ponto de transportar montes, se não tiver caridade, não sou nada” (I Cor. 13, 2). É a caridade que dá calor e força de vida eterna à fé e à esperança; é a caridade que infunde vigor a estas virtudes, porque só quem ama é capaz de crer e esperar em Deus sem condição alguma, sem medida alguma e de se abandonar cegamente a Ele.
2 – As virtudes morais podem tornar o homem honesto e virtuoso, podem regular a sua atividade segundo a razão, mas de modo nenhum o podem introduzir na amizade de Deus, nem sequer dar-lhe a possibilidade de merecer a vida eterna. Sem o sopro vivificante da caridade, tudo permanece morto, estéril, frio; sem a caridade o homem fica limitado ao plano natural, não pode ser filho de Deus, não pode ser Seu amigo, não pode viver em sociedade com as Pessoas divinas. A caridade é o princípio, a raiz, a fonte, a medida da nossa vida sobrenatural: quanto mais amamos e mais cresce em nós a vida da graça, tanto mais amamos e vivemos em Deus: “nós sabemos que fomos transladados da morte para a vida porque amamos” (I Jo. 3, 14).
Coisa verdadeiramente impressionante: nem as obras mais belas e grandiosas, como o apostolado, as obras de misericórdia, nem sequer o martírio, valem sem a caridade: “ainda que distribuísse todos os meus bens no sustento dos pobres, e entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, nada me aproveita” (I Cor. 13, 3). Mas quando intervém a caridade, tudo muda de aspecto, como muda de aspecto uma paisagem ao ser beijada pelo sol; e com o aspecto, muda o seu valor: as obras mais humildes, os atos de virtude mais secretos, praticados por amor de Deus, adquirem valor de vida eterna. É este o milagre operado pela caridade, à qual muito justamente S. Tomás chama “forma e mãe” de todas as virtudes. “Só o amor dá valor ás obras – diz Teresa de Jesus – e o que é necessário é que seja tão forte que nada o estorve de amar” (Ex. 5, 2). Tudo isto nos manifesta que a caridade é realmente “o máximo e o primeiro mandamento” sobre o qual “toda a lei” está fundada (Mt. 22, 38 e 40). A alma que entende esta grande verdade já não se preocupa, na sua vida espiritual, com muitas práticas e exercícios mais ou menos acessórios, mas tem por alvo o coração, o centro desta vida: tem por alvo a caridade. A sua única preocupação é empregar todas as suas forças no exercício do amor, é crescer no amor, é viver o mais possível em contínua atualidade de amor e por isso, em todas as coisas, procura agir com o fim exclusivo de amar a Deus, de Lhe dar gosto, de Lhe dar glória.
Colóquio – “Revesti-me, Senhor, da toda encarnada da caridade, que não somente dá graça á fé e á esperança, mas faz levantar tanto a alma, que a põe perto de Vós, muito formosa e agradável. Esta virtude é a que mais atrai o Vosso amor, a que defende a alma do amor próprio, que torna válidas as demais virtudes, dando-lhes força e vigor, graça e donaire para que com elas a alma Vos possa agradar, porque sem caridade nenhuma virtude é graciosa diante de Vós.
“Ó dulcíssimo amor de Deus, quão mal sois conhecido! Aquele que encontrou a fonte, repousou. tu esvazias as afeições da vontade de qualquer coisa que não seja Deus e só as pões nEle e assim dispões esta potência e a unes com Deus por amor.
“Ó Senhor, ensinai-me a empregar todas as minhas forças em amar-Vos, de modo que todas as aptidões da minha alma e corpo, a memória, o entendimento e a vontade, os sentidos interiores e exteriores, os apetites da parte sensitiva e espiritual, tudo se mova por amor e no amor. Ensinai-me a fazer tudo o que faço com amor e a padecer tudo o que padeço com sabor de amor, e assim, meu Deus, guardarei para Vós toda a minha fortaleza” (J.C. N. II, 21, 10 e 11; AM. I, 16; C. 28, 8).
“Proponho, ó meu Deus, em todas as minhas obras, quer interiores quer exteriores, não ter outro alvo senão o amor, dizendo sempre e perguntando a mim mesma: que faço agora nesta ação? Amo o meu Deus? E se descubro nela algum obstáculo ao puro amor, repreender-me-ei a mim própria, lembrando-me, ó Senhor, de que devo dar-Vos amor por amor. Fazeis-me conhecer bem que tanto mais Vos amarei quanto mais diligente for em observar todas as Vossas santas leis” (cfr. T.M. Sp. pg. 323 e 325).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.