Senhor, fazei que a minha vida presente seja uma contínua preparação para a eternidade que me espera.
1 – Tudo o que foi criado está sujeito a mudança, a variação, a progresso, a retrocesso e, por fim, à morte. A criança ignorante e impotente, tão necessitada de ajuda que estaria condenada a perecer se ninguém se ocupasse dela, cresce pouco a pouco, desenvolve-se, torna-se um jovem robusto e, mais tarde, um homem forte e maduro, capaz de grandes empresas; mas depois, sob o peso dos anos, o seu vigor declina, transforma-se no cansaço da velhice até que se apaga com a morte. É a trajetória parabólica percorrida por todas as criaturas; qualquer vida tem a sua aurora, o seu zênite e o seu ocaso.
Só em Deus, o Ser incriado e eterno, é que “não há mudança nem sombra de vicissitude” (Tg. 1, 17). Deus não muda nem pode mudar porque é infinito e eterno. Sendo infinito, possui o ser e todas as perfeições sem limite algum. nEle não existe limite nem de princípio nem de fim. A nossa alma, embora criada, não perecerá com o corpo e por isso é imortal, mas não é eterna porque teve princípio; não acontece assim com Deus que existiu e existirá sempre. As perfeições do homem são susceptíveis de ulterior desenvolvimento e progresso; Deus, contudo, goza de toda a perfeição no mais alto grau, quer dizer, num grau absolutamente infinito, ao qual nada se pode acrescentar.
O homem, justamente por ser limitado, é muito volúvel e sujeito a mudança: mudam os seus ideais, as suas opiniões, os seus gostos, os seus desejos, muda a sua vontade. Aquele objeto que desejávamos ardentemente, cansa-nos pouco depois e já não nos satisfaz; aquela ideia que nos tinha parecido tão bela, tão clara e tão conforme à verdade, afigura-se-nos agora tão imperfeita, tão inexata, que chegamos a arrepender-nos de a termos amado e defendido. Aquele mesmo bem que ambicionávamos com paixão e entusiasmo, em certos dias deixa-nos frios, indiferentes e por vezes até aborrecidos. Em Deus nada disto acontece: “Eu sou o Senhor e não mudo” (Mt. 3, 6). Não muda o Seu pensamento, porque a Sua sabedoria é imutável, abrangendo ao mesmo tempo toda a verdade e só a verdade; não muda a Sua vontade, porque é vontade infinita do bem que sempre e indefectivelmente quer o bem e o bem supremo, absoluto, infinito.
Como temos necessidade de que a nossa vontade, tão inconstante e mutável, se agarre à vontade de Deus! Quanto mais nos esforçarmos por querer só a que Deus quer e amar só o que Ele ama, tanto mais a nossa vontade se verá livre da sua mutabilidade, fixando-se no bem.
2 – “Deus – afirma Sto agostinho – foi nos séculos passados, é nos presentes e será nos futuros. Foi, porque não houve instante em que não existisse; será, porque nunca deixará de existir; é, porque sempre existe”. Eis um belo comentário à resposta simples do Catecismo: “Deus existiu sempre e sempre existirá; Ele é o Eterno”. A eternidade de Deus é a posse de uma vida plena, perfeita e interminável, sem contingência alguma. Vida plena e perfeita que subsiste por si mesma com uma potência, um vigor e uma perfeição infinita; vida interminável que não tem princípio nem fim; vida sem contingência alguma, ou seja, que não é susceptível de sucessão alguma, de alteração, de progresso, pois que Deus possui a plenitude da Sua vida infinita “tota simul” (Boécio), toda a um tempo, desde o princípio e num eterno presente.
A imutabilidade e eternidade de Deus não são, pois, qualquer coisa, de materialmente estático e imóvel, de uma estabilidade análoga à da matéria, que indica mais negação do que afirmação de vida; mas são a característica da máxima vitalidade, são a plenitude duma vida infinita e perfeitíssima, na qual não é possível mudança ou variação de nenhuma espécie, porque tem em si toda a perfeição que pode existir.
Nós, seres limitados, mutáveis, mortais, vivemos no tempo e estamos sujeitos á sucessão do tempo, todavia não fomos criados para o tempo, mas para a eternidade. Deus destinou-nos a participar um dia – conquanto de um modo relativo e não absoluto – na Sua imutabilidade e eternidade divinas. Vivamos pois com os olhos postos na eternidade, “sub lumine aeternitatis“, sem nos deixarmos prender e deter por aquilo que é passageiro e contingente.
O instante que foge deve ser vivido em função da eternidade que nos espera. não percamos o tempo acumulando tesouros que “a ferrugem e a traça consomem” (Mt. 6, 19); acumulemos antes tesouros que permaneçam eternamente, acumulemos graça e amor que serão a medida da nossa glória eterna.
Só unindo-se a Deus, o único imutável e eterno, a alma encontra aquela estabilidade, aquela paz e segurança que procuraria em vão nas criaturas mutáveis e caducas.
Colóquio – “Ó Senhor, Vós sois sempre o mesmo e os Vossos anos não terão fim. Os Vossos anos não vão nem vêm; mas os nossos sim, vão e vêm para que possam vir todos. Os Vossos anos estão todos fixos em si mesmo, precisamente porque são estáveis. Os nossos, pelo contrário, existirão todos quanto todos deixarem de existir. Os Vossos anos, Senhor, são um único dia, e não um dia que progressivamente se renova, mas um dia imutável, um dia sem ontem nem amanhã.
“Os meus anos decorrem entre gemidos, ao passo que Vós, ó Senhor, minha consolação e meu Pai, sois eterno. Estou dividido e disperso entre os diversos tempos, e os meus pensamentos, assim como as entranhas secretas da minha alma estão despedaçadas por este variar tumultuoso; só quando estiver limpo e purificado pela chama do Vosso amor poderei pensar em Vós.
“Ó Senhor, agradeço-Vos por terdes querido que o dia desta vida fosse tão incerto e breve. Como se pode chamar longa uma duração que tem fim? Não posso fazer voltar o dia de ontem, e o de amanhã dará lugar ao de hoje. Neste tão breve espaço de tempo fazei que eu saiba viver bem, a fim de poder chegar aonde não tenha que passar além. Mesmo agora, enquanto falo, estou passando: tal como as palavras correm e voam da boca, assim passam as minhas ações, as minhas honras, a minha infelicidade e felicidade. tudo passa!
“A Vós, pelo contrário, nada de semelhante acontece, pois sois imutavelmente eterno. Ó Senhor, exalte-Vos quem Vos compreende e também quem Vos não compreende, Oh! quão alto estais! Contudo, enchem a Vossa casa os humildes de coração. Efetivamente, Vós levantais os abatidos, e quem sobe até Vós não cai” (Sto Agostinho).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.