São muitos os que propugnam, a educação sexual, mas todos não estão de acordo nem com o sentido que dão à palavra, nem com a própria designação. Entre os católicos muitos não querem mesmo empregar a expressão – educação sexual – a que, aliás, o grande Papa Pio XI chamou “questa parola bruta” . Preferem chamar – educação da pureza -, que diz realmente muito melhor o que desejamos e perseguimos neste trabalho específico da educação geral. Os outros falam de envolta, indistintamente, ora de educação sexual, ora ,de iniciação, ora de simples higiene sexual, – e confundem tudo admiravelmente, dando claramente a entender que andam sem rumos certos e marcados. Daí resulta uma grande diferença entre nós e eles, e mesmo deles entre si e, às vezes, consigo próprios.
UM SENTIDO ERRÔNEO
Temos dificuldade em determinar o que querem certos tratadistas da educação sexual. Quando vemos Forel e Vachet justificando os mais feios vícios, Havelock Ellis defendendo o nudismo, Nystrom ridicularizando (como tantos outros) a moral cristã, Watson lastimando que o seu filho tenha aprendido a rezar no jardim da infância, mas nada lhe tenham ensinado das coisas sexuais, – para não falarmos senão de alguns e dos maiores – temos o direito de perguntar o que eles pretendem com essa educação. (1) Para eles, como para todos os que militam do lado de lá, a função sexual é uma necessidade como comer e beber. – Zombam, muitas vezes, do que nós chamamos pecado, o qual só existe, segundo parece, quando se produz um mal físico ou social. Desconhecem, por isso, a castidade pré-rnatrimonial, dão de ombros à fidelidade conjugal, investem contra a indissolubilidade do casamento, para chegarem, através do divórcio, às ilimitadas regalias do amor livre. Embora defendam, como dizem, a moral natural, esquecem de todo as exigências da natureza, e pregam a absoluta autonomia da função sexual, livre, em muitos casos, até do próprio dever de procriar.
Como se vê, esses “educadores” nada mais fizeram do que transformar em teoria os vícios sexuais, em que os homens se desmandaram. Não lhes discutimos as intenções. Mas temos o direito de filtrar-lhes os escritos, em face da ciência e da moral. Ora, é justamente a moral que eles negam, embora façam, não poucas vezes, apelos ao seu nome. Mas a verdade é que a moral de que falam é outra. Foi feita por eles mesmos, para justificar os erros sexuais que o bom senso de todos os tempos condenou. Temos a impressão de homens que se acostumaram ao mal e o acharam bom, e o aprovaram, construindo sobre ele a “moral” que pregam. Pã-sexualistas todos eles, uns conscientes como Freud, outros inconscientes corno Stekel, reduzem o homem a uma tendência apenas, esquecendo todo o resto ou o submetendo às exigências do erótico. O que vale é que eles são sempre melhores do que as suas ideias. Caem em contradições, premidos pela necessidade de não praticar o que ensinam. Têm incoerências notáveis, já com a distinção de moral para os sexos, já por não quererem, de certo, para as próprias esposas e filhas os “direitos” ardorosamente advogados para as outras.
Em essência, entretanto, o que defendem, sob o nome de educação sexual é o que nós podemos, em sã e reta linguagem, chamar de culto do erotismo. E tudo parte do grande erro de considerar o homem como um simples animal e não olhar para o lado moral da função procriadora.
Não admira que preconizem para esta “educação” os meios condicentes com os seus pontos de vista. Querem que as crianças, desde pequeninas, cheguem ao conhecimento de tudo o que se refere ao sexo. Propõem a exposição da técnica mais completa da própria função, já por figuras, já por projeções ou mesmo por exibição de animais. O modo pelo qual um homem do valor científico de Watson preconiza o ensino dos pais aos filhos é verdadeiramente repugnante – e já tem seguidores entre nós.
Dentro dessas diretrizes, Von Ehrenfels declara, com um pouco mais de clareza, que a moral sexual “natural” visa a capacidade de viver e a saúde. A amplitude da vaga expressão – capacidade de viver – permitirá muitas liberdades, e a proteção à saúde já explica porque é que alguns desses “educadores” justificam os vícios sexuais das crianças, desde que não seja com tanta frequência, e fazem da educação sexual o mero cuidado profilático, com que se devem acautelar os interessados.
Sendo assim, não se arreceiam de insistir na iniciação intelectual ou técnica, a que emprestam tamanha importância. Foerster lastima (2) que a pedagogia contemporânea instrua partindo de baixo, sem libertar o homem do peso dos instintos nem lhe apontar o mundo superior de seus altos destinos. Mas os pedagogos em questão nem merecem propriamente a lástima de Foerster, porque nem partem de baixo: ficam em baixo. Os instintos lhes bastam. Querem viver dos sentidos, pensando talvez poderem racionalizá-los. Podem até ser bem intencionados, mas nada resultará de bom dos seus processos veterinários de educação. Fazendo tábua do pudor, ridicularizando os preceitos divinos e as próprias exigências da natureza, caem todos no erro básico de desconhecer a questão moral e tratar o homem como simples animal.
Talvez pareça que dei muita importância ao lado negativo da questão. Fiz a propósito. Andam muito divulgados esses conceitos. Mesmo pessoas bem intencionadas, porém pouco esclarecidas e competentes, os vão aceitando, sem maior exame, e com muita facilidade. O que temos ouvido sobre a necessidade da iniciação sexual nas escolas, sobre a urgência da divulgação da profilaxia antivenérea, sobre a dissolução dos casamentos infelizes, sobre a vantagem do anticoncepcionismo em determinados casos, sobre a impossibilidade da castidade masculina, etc. mostra corno essas ideias encontram curso rápido e entrada fácil em muitos espíritos retos, mas desprevenidos. O que aqui escrevi valerá como uma advertência. Já ficaremos sabendo que daquela maneira só pensam os que desconhecem as exigências morais e tratam o homem como simples animal.
O VERDADEIRO SENTIDO
Nós, porém, partimos justamente da consideração moral. Não seria possível Desligar a função dos sentidos; mas seria absurdo querer deixá-la simplesmente aí, sem considerar a pessoa humana, e, na pessoa humana, a feição moral inseparável de todos os atos livres.
A própria natureza nos diz para que existe o instinto: – e nós queremos que esta finalidade seja respeitada. Diversamente nos dois sexos, o instinto clama pela reprodução da espécie, e ela deve, naturalmente, orientar a questão. Fora disto, a função é antinatural – e a natureza mesma condena a emoção sexual fora dos meios naturais da procriação.
É ainda a natureza humana que exige não uma procriação qualquer, como os animais, porém uma procriação que garanta a manutenção e a educação conveniente do filho. Ora isto não se consegue nas uniões casuais nem temporárias, mas numa união indissolúvel e monogâmica.
Além destes ditames da reta razão humana, que vê assim claramente quando não a turvaram as paixões ou os prejuízos, temos mais a palavra de Deus nas ordenações definitivas do Decálogo: “Guardarás castidade. Não desejarás a mulher do próximo”.
Com isto marcamos o termo final da educação especial que nos ocupa. Estamos, como vêem, do lado oposto. Pomos bem alto a nossa mira. Caminhamos para um ideal perfeitamente humano, porque se ocupa do corpo sem desconhecer os direitos do espírito e a soberania absoluta de Deus. Assim como condenamos os que querem animalizar o homem, cuidando-lhe só do corpo, lastimamos os que pensam em angelizá-lo, cuidando só da alma. Cuidamos dos dois. Mas o primado é sempre do espírito – a substância específica do homem. Consideramos a parte animal do homem, mas nos conhecemos bastante para nos querermos tratar como simples animais. E se os próprios irracionais são capazes da continência, muito mais o homem deve ser da castidade. Por isto, a educação sexual que defendemos e propugnamos é um encaminhamento para a castidade. Fora disto, ela não tem sentido para nós.
Submetemos a função à sua finalidade primeira, que é geração, e às suas finalidades secundárias, que são legítimas desde que não atentem contra a primeira. Reconhecendo que para isto é necessária a educação, não condenamos – nem a Igreja Católica condena – a verdadeira educação sexual.
Partimos da inteligência, mas não ficamos nela. Queremos dominar o instinto e governá-lo pelo espírito. Devemos subordinar a emoção à sua finalidade monogâmica e procriadora. Estão os sentidos vivamente envolvidos na questão – e nós não os desprezamos. Mas não ternos a ilusão de dominá-los por meros conhecimentos intelectuais ou demonstrações técnicas, que mais servirão para desencadeá-los. Por isso mesmo, em nossa educação sexual, o conhecimento é um caminho para a formação da vontade e o domínio dos sentidos. Como a função sexual é, acima de tudo, uma função moral, a sua educação específica é, acima de tudo, uma formação moral.
Para atingir este fim, fazemos, sem dúvida, a formação ou – como dizem – a iniciação intelectual. Mas esta iniciação, para nós, não é um curso de biologia, fisiologia ou sexologia. O conhecimento do organismo, das suas funções, do seu destino não nos pode faltar – e nós o ministramos oportuna e moderadamente. A isto, porém, juntamos o aspecto moral inseparável, vamos repetir, inseparável dos atos livres do homem. O educando deve, portanto, saber distinguir o bem do mal; saber o que é permitido e proibido, e mesmo no que é lícito distinguir, para evitar, o que é perigoso. Deve conhecer os meios e a sua eficácia, para ajudar as fraquezas e deficiências do próprio temperamento e os perigos da vida.
Como entre saber e fazer o passo é grande, principalmente. nesta matéria, vamos de longe preparando o educando para realizar o ideal da castidade, que lhe é imposto pela lei divina e a natural. É o treinamento do homem para a virtude, qualquer que seja, porque é impossível dividir a alma e fragmentar a vontade. É o trabalho da formação geral, sem o qual todo trabalho de educação específica resultará improfícuo. Formamos e educamos sentidos, sentimentos e vontade.
Conhecemos as dificuldades que militam contra a virtude. Elas são intrínsecas e extrínsecas. Contra aquelas, a formação geral bastaria. Estas são muito mais agressivas e difundidas. Os mais antigos e perigosos prejuízos correm mundo contra a castidade, e são aceitas com aquela facilidade com que os homens recebem o que lhe agrada aos sentidos. Preservar os educandos desses pérfidos erros é difícil, e ainda mais difícil substituí-los nas mentes pelos puros princípios da verdade. Mas não será a dificuldade da tarefa que intimidará os verdadeiros educadores. Cresce de ponto a formação intelectual, porque é necessário convencer principalmente aos moços de que a castidade é possível e é benéfica, acrescentando a convicção séria de sua necessidade.
Não são apenas os maus que criam dificuldades à virtude. Antes fossem. Seriam inimigos fáceis de vencer. Creio que foi Bérulle quem disse que os piores inimigos do bem são os bons. Já vimos que muitos querem angelizar o homem, e nada conseguem, senão desacreditar a virtude da castidade, que é também uma virtude da carne. Pois bem; na reação contra as depravações da função sexual, os bons se excederam. Erraram também o alvo, porque o ultrapassaram. O amor à verdade manda que incluamos neste número muitos católicos. Não faremos como os inimigos da Igreja e amigos do sexo, que, por malícia ou por ignorância, os confundem com o próprio Catolicismo. Não; a doutrina da Igreja foi sempre a mesma e a verdadeira sobre o assunto. Mas houve numerosíssimos católicos – e ainda hoje os há, principalmente entre os mais piedosos e pouco esclarecidos, – que confundiram com o pecado tudo o que se refere ao sexo. Importa-nos retificar os espíritos também deste lado, dando às coisas o seu verdadeiro sentido e valor moral. E ensinamos a grandeza da função sexual, orientando os espíritos com elevação para pensarem, falarem ou agirem nesta matéria com aquele respeito que se deve a coisas verdadeiramente respeitáveis.
Em nossos dias, como sempre, é a falta de pudor um grande inimigo da pureza de costumes. Insistir na necessidade do pudor, ainda contrariando as ideias e os costumes do momento, é trabalho de verdadeira educação sexual, a qual não se consegue por condescendência aos sentidos, sempre mais exigentes, porém justamente por uma espiritualização capaz de conter os impulsos inferiores.
Não fazemos da castidade uma força simplesmente do espírito, porque sabemos a parte que o corpo exerce no composto humano. Os argumentos fisiológicos, de que abusam os educadores do lado oposto, nós os empregamos, com a diferença de submetê-los ao critério moral, único realmente digno da pessoa humana. Por exemplo: fazemos suma questão da saúde física, mas procuramos assegurá-la pela saúde moral, que vale muito mais. Cremos nos preceitos de higiene e de profilaxia, mas nunca procuraremos substituir por eles os preceitos de Deus. (2)
Ensinamos também os educandos a defender-se. Fazemos disto a suprema finalidade da nossa educação sexual. Com uma diferença apenas – e esta diferença é básica e definitiva: – que para nós defender-se significa outra coisa. Significa preservar-se, guardar a pureza da alma e a integridade do corpo no meio dos mil perigos que o assaltam no mundo. Significa dominar os impulsos fortes do instinto pela vontade adestrada e esclarecida. Se quisermos tomar a palavra de Féré, (3) significa civilizar-se, porque “a civilização, diz ele, tem por fim submeter os instintos à vontade”. Significa viver de acordo com a razão, a consciência e a fé, que traçam normas e marcam um ideal ao homem.
E para nós cristãos – e não podemos esquecer que vivemos numa sociedade católica – o elemento sobrenatural é necessário e indispensável. Se, em qualquer ramo educacional erramos quando esquecemos o elemento religioso, muito mais aqui, onde as fraquezas acentuadas do homem e urna diuturna experiência individual e coletiva ensinam que a queda vem sempre unida ao desprezo dos meios sobrenaturais, e que a vitória só é possível se os sequiosos de virtude se dessedentarem nas fontes do Salvador.
Para nós, é isto a educação sexual, são estes os seus meios – nem é possível, fora disto, levantar a humanidade da decadência moral em que afunda.
Padre Álvaro Negromonte, A Educação Sexual – Para pais e educadores, 1939.
(1) Cfr. Forel. – A Questão Sexual; Vachet – A inquietação sexual; H. Ellis – A educação sexual; Anton Nystrom – La vie sexuelle et ses lois; John B. Watson – Educação psicológica da primeira infância.
(2) ” Desconfiamos do ensino sexual dado pelos mestres materialistas, que substituem o 6.º e o 9. º mandamentos por algumas receitas de higiene e de profilaxia, que permitem fazer o mal, sem riscos para a saude “. Mgr. Rousseau, bispo de Puy.
(3) Cfr. Féré – L’instinct sexuel.