“Nós mesmos, que, em nossa juventude, fomos membro da Congregação da Assunção, estabelecida na casa professa dos Jesuítas, em Roma, nós gostamos de lembrar-nos que tomávamos parte nos piedosos exercícios da Congregação para o grande bem e consolação espiritual de Nossa alma. Também Consideramos como um dever de nosso cargo pastoral tomar sob a nossa proteção apostólica e circundar com nossos favores estas espécies de viveiros onde crescem sólidas virtudes, e que servem tão poderosamente à formação da juventude cristã e à salvação das almas”.
Com estas palavras descobre o Papa Bento XIV algumas das razões pessoais que o moveram a confirmar as graças e privilégios concedidos à Congregação Mariana por seus antecessores e ampliá-los ainda ele mesmo com a bula “Gloriosae Dominae”, a “Bula Áurea”.
Quem foi Bento XIV? Quando se sabe que alguns dos Cardeais advertiram ao Papa Bento XIV que não convinha que o Sumo Pontífice se servisse do dialeto bolonhês, não é difícil adivinhar que ele nasceu em Bologna. Foi aí que, aos 31 de Março de 1675, Marcello Lambertini, o pai de nosso mariano, recebeu os parabéns de parentes e amigos pelo nascimento de um filho que, na pia batismal, deveria receber o nome de Próspero.
A família do recém-nascido, registrada já no 10º século, contava, entre seus membros, militares, magistrados e cientistas. A ela pertenciam também as bem-aventuradas Imelda e Giovanna. A antiga riqueza da casa estava muito reduzida em consequência de enchentes do rio Reno.
Mas Próspero possuía coisa melhor do que os bens traiçoeiros deste mundo falaz. Sua prudente mãe deu-lhe dois mestres que não só conseguiram moderar a vivacidade natural do aluno, mas inspirar-lhe o amor, uma verdadeira paixão pelo saber. Enquanto outros meninos brincavam, ocupava-se Próspero com seus livros. Com dezenove anos, obteve, na Universidade Romana, o doutorado em teologia e direitos civil e canônico. Começando sua carreira de advogado, trabalhou como auxiliar no tribunal eclesiástico da Rota, onde se distinguiu tanto que, em breve, subiu ao posto de Advogado consistorial e Promotor da Fé. Dos estudos a que o obrigou a sua posição, surgiu a célebre obra “Da Beatificação e Canonização dos Servos de Deus”, obra escrita não tanto por inclinação natural, mas antes motivada por um sentimento de dever para com a religião.
Se Próspero Lambertini era um exímio cientista que fazia sozinho os trabalhos que para três homens pareciam demais, não era, contudo, nenhum inimigo da vida social. Gostava de passar as horas de lazer, depois de um dia trabalhoso, em companhia de funcionários da Cúria e de sábios. Nestas ocasiões soltava as rédeas ao seu bom humor e espírito crítico e sarcástico, falava sobre questões da política eclesiástica com grande liberdade e dava provas de uma grande compreensão dos problemas de seu tempo.
Em 1725 foi sagrado Bispo titular, sendo elevado ao sólio arquiepiscopal de Ancona, dois anos mais tarde. Pouco depois entrou para o senado da Igreja. Como Arcebispo distinguiu-se por uma atividade infatigável em prol de sua diocese. Clemente XII transferiu o Arcebispo Próspero à sé de Bologna. Foi para deixar – assim pensava – seus restos mortais na igreja onde, havia 56 anos, fora batizado. Trouxe para a sua cidade natal, como único séquito, suas virtudes. Tendo estado ausente tantos anos, não se precipitou nas reformas. Investigava e informava-se. Mas, quando uma vez estava certo, defendia seu ponto de vista, até contra o Papa. Assim foi, quando Clemente XII se queixou do Vigário Geral de Bologna. Próspero respondeu-lhe: “A alta posição expõe Vossa Santidade a enganos que a mim menos me ameaçam, pois tenho ainda tempo de investigar as coisas. Havia de sacrificar o Vigário acusado, se ele fosse culpado; entretanto, eu o conheço e todos os dias peço a nosso divino Salvador que Ele possa estar tão contente com o vigário d’Ele aqui na terra, como eu o sou com o meu”. O Papa não levou a mal este gracejo bastante arriscado…
Na véspera do conclave do qual Próspero Lambertini devia sair como Papa Bento XIV, o embaixador imperial Santa Croce escreveu sobre ele: “O Cardeal de Bologna une seu vasto saber a uma grande pureza de alma e tantas outras boas qualidades, que deve ser Considerado como um dos mais excelentes membros do Sacro Colégio”. O traço mais saliente do seu caráter foi sua indefectível bondade. Bento era incapaz de negar algum pedido. No trato com os amigos, mesmo os de condição humílima, foi de uma simplicidade encantadora. Um poeta escreveu uma picante sátira contra Bento, então ainda Arcebispo de Bologna. Este, excelente escritor que era e desconhecendo o rancor, corrigiu a peça poética e mandou-a de volta ao autor com a observação: que assim a obra se venderia mais facilmente.
No dia 17 de Agosto de 1740, Próspero Lambertini foi eleito sucessor de São Pedro na sé romana. Tomou o nome de Bento XIV.
Alguns Cardeais temiam que o novo Pontífice não fosse muito feliz no campo diplomático; pois nunca fora núncio. Mas enganaram-se. Poucos Papas tiveram que enfrentar tantas dificuldades diplomáticas. Bento, entretanto, sabia vencê-las. Várias circunstâncias contribuíram para isto. A tradição multissecular de sua família, seu vasto saber, seu espírito conciliatório e bom humor que tinham sua raiz na bondade do coração do Vigário de Cristo.
Mas, antes de tudo, Bento era Papa, Pastor de seu rebanho espiritual, Chefe da Igreja. A ela devotava todas as suas forças. Um traço característico foi sua devoção a Maria Santíssima. Restaurou a basílica Santa Maria Maggiore, determinou a celebração da festa da Imaculada Conceição naquele templo, favoreceu a peregrinação a Loreto. Já tinha esboçado uma bula sobre o dogma da Imaculada Conceição, que não chegou a ser publicada. E, aos 27 de Setembro de 1748, publicou aquele documento pontifício que deve ser caro a todos os Congregados, a chamada “Bula Aurea”, na qual o Papa-Congregado professa sua gratidão de filho e sua solicitude de pastor.
Maria Santíssima auxiliou e protegeu visivelmente seu grande devoto. Não será temerário supor que, pela intercessão da Mãe de Jesus, Bento foi capaz de guiar tão sabiamente a Igreja no meio de tantos escolhos, que ele conservou uma tão formidável capacidade de trabalho, que conservou a lucidez e força de uma inteligência fora do comum até a idade de 84 anos. Foi no coração de sua Mãe celeste que hauria a bondade com que acolhia a todos, consolando os tristes, admoestando os faltosos, reerguendo os que sofreram quedas. Foi o amor a Maria que lhe inspirou e aperfeiçoou o amor a Cristo e Sua Igreja.
Cristo e Sua Igreja foram a razão de ser de Bento até a morte. Esta veio abrir-lhe as portas da eternidade no terceiro dia do mês de Maria de 1758.
Mariano Célebres, por Werner J. Soell, S. J., 1955.
Última atualização do artigo em 17 de março de 2025 por Arsenal Católico