Meios de nos colocarmos na presença de Deus

Uma mulher rezando o Rosário - Martinus Rørbye, 1836, Museu Nivaagaard - Public Domain - Wikimedia Commons

Ora, para vos colocardes na presença de Deus, proponho-vos quatro meios principais.

O primeiro reside numa viva e atenta compenetração da onipresença de Deus, isto é, de estar Deus em tudo e em toda parte, e de não haver lugar nem coisa neste mundo em que ele não esteja com presença mui verdadeira; de sorte que, assim como as aves, onde quer que voem, encontram sempre o ar, assim também, onde quer que vamos, onde quer que estejamos, achamos Deus presente. Cada um sabe esta verdade, mas cada um não é atento em apreendê-la. Por não verem um príncipe que lhes está presente, nem por isso deixam os cegos de conservar-se em respeito se são avisados da presença dele; a verdade, porém, é que, por não o verem, facilmente se esquecem de estar ele presente, e, esquecendo-o, ainda mais facilmente perdem o respeito e a reverência. Ai! nós não vamos a Deus que nos está presente; e, posto que a fé nos advirta da sua presença, todavia, não o vendo com os nossos olhos, muitíssimas vezes o esquecemos, e nos comportamos como se Deus estivesse bem longe de nós; porquanto ainda, embora saibamos estar ele presente a todas as coisas, não obstante, não pensando nisso, é exatamente como se o não soubéssemos. Eis por que sempre, antes da oração, devemos provocar nossa alma a um atento pensamento e consideração dessa presença de Deus. Foi essa a compreensão de David, quando exclamava: “Se subo ao céu, ó meu Deus, lá estais; se desço aos infernos, lá estais“; e, assim, devemos usar das palavras de Jacob, o qual, tendo visto a escada sagrada, disse: “Oh! que temível é este lugar! Verdadeiramente Deus está aqui, e eu não sabia“. Quer ele dizer que não pensava nisso; porque, de resto, ele não podia ignorar que Deus estivesse em tudo e em toda parte. Vindo, pois, à oração, deveis dizer-vos, de todo coração ao vosso coração: Ó meu coração, meu coração, verdadeiramente Deus estâ aqui”.

O segundo meio de vos pordes na sua sagrada presença é pensardes que Deus não só está no lugar em que estais, mas está mui particularmente no vosso coração, e no fundo do vosso espírito, que ele vivifica e anima por sua divina presença, estando aí como o coração do vosso cora­ção e como o espírito do vosso espírito; porquanto, assim como a alma, estando presente por todo o corpo, presente se acha em todas as partes deste, e, não obstante, reside no coração com especial residência, assim também Deus, estando mui presente em todas as coisas, todavia está presente de modo especial no nosso espírito: e por isso David chamava a Deus “Deus do seu coração“, e S. Paulo dizia que “nós vivemos, nos movemos e existimos em Deus”. Na consideração, pois, desta verdade, excitareis em vosso coração uma grande reverência para com Deus, que lhe está tão intimamente presente.

O terceiro meio é considerardes o nosso Salvador, que na sua humanidade olha, do céu, todas as pessoas do mundo, mas particularmente os cristãos, que são seus filhos, e mais especialmente os que estão em oração, cujas ações e comportamento ele nota. Ora, isto não é simples imaginação, senão uma verdade verdadeira; porquanto, ainda que o não vejamos, todavia lá de cima ele nos considera: assim o viu Santo Estêvão no tempo do seu martírio. De sorte que bem podemos dizer com a Esposa dos Cânticos : “Ei-lo que está por trás da parede vendo pelas janelas, olhando pelas grades“.

O quarto meio consiste em nos servirmos da imaginação, representando-nos o Salvador na sua humanidade, como se estivesse perto de nós, tal como nos acostumamos a representar os nossos amigos, e dizermos: imagino estar vendo fulano que faz isto e aquilo, parece-me que o estou vendo, ou coisa semelhante. Mas, se estivesse presente o SS. Sacramento do altar, então essa presença seria real, e não puramente imaginária; porque as espécies e aparências do pão seriam como que uma tapeçaria por trás da qual Nosso Senhor realmente presente nos vê e considera, posto não o vejamos na sua própria forma.

O Segredo da Salvação, A Lembrança da presença de Deus e as Orações jaculatórias, extraído das Obras de S. Francisco de Sales, por Fernando Millon, Missionário de S. Francisco de Sales, 1952.

Última atualização do artigo em 10 de março de 2025 por Arsenal Católico

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