São Francisco em Meditação [Detalhe], início da década de 1580, Lodovico Carracci, domínio público, Wikimedia Commons

Ó Espírito Santo, fazei-me compreender profundamente o nada das coisas humanas.

1 – Com os dons de temor, fortaleza, piedade e conselho, o Espírito Santo governa sobretudo a nossa vida moral; com os outros dons – ciência, entendimento e sabedoria – governa mais diretamente a nossa vida teologal, quer dizer, a nossa vida de relações com Deus. Enquanto os primeiros quatro dons aperfeiçoam especialmente as virtudes morais, estes três últimos aperfeiçoam as teologais e são chamados dons da vida contemplativa, ou seja, da vida de oração e de união com Deus.

Na ascensão para Deus encontramos um grande obstáculo: as criaturas que nos impressionam com os seus atrativos, nos solicitam e tentam fazer-nos deter nelas. Tudo isto são bens sensíveis e visíveis que nos aparatam de Deus, Bem infinito, que escapa à nossa experiência humana. Acreditar que Deus é tudo, acreditar que é o único bem, a única felicidade e esperar unicamente nEle quando Se oculta aos nossos olhos; acreditar que as criaturas não são nada, estar convencidos da sua vaidade quando se nos apresentam com tantos atrativos e encantos, não é fácil para nós que vivemos das impressões dos sentidos. É certo que a fé vem em nosso auxílio e que à sua luz refletimos muitas vezes nestas verdades; contudo, na prática, os nossos raciocínios falham frequentemente; o atrativo das criaturas faz-nos esquecer e até atraiçoar o Criador. Por conseguinte temos necessidade duma ajuda mais poderosa, duma luz divina que nos ilumine interiormente sem se servir dos nossos raciocínios tão limitados e grosseiros; é esta a luz que o Espírito Santo nos infunde por meio do dom de ciência. Este dom não nos faz discorrer sobre a vaidade das coisas, mas dá-nos uma experiência viva e concreta dessa vaidade, uma intuição tão clara que não admite dúvidas. Sob o impulso deste dom, Francisco de Assis abandona imediatamente os alegres companheiros para se desposar com a dama pobreza, e quando o seu pai indignado, o repudia, exclama num arrebatamento de fervor: “Daqui para o futuro não direi mais: pai Pedro Bernardone, mas Pai nosso que estais no céu“!

Sob o impulso deste dom, Teresa de Ávila escreve as suas sentenças: “Tudo passa, Deus não muda. Quem possui a Deus, nada lhe falta: só Deus basta” (Máximas); e S.ta Maria Bertilla morre dizendo: “É necessário trabalhar só por Jesus. Tudo é nada”.

2 – Guiado pelo dom de ciência, S. João da Cruz traçou o famoso caminho do “nada”, caminho que, pondo de parte os bens criados, sobe direito e rápido o monte da perfeição, onde tem lugar o encontro da alma com Deus: “Nada, nada – repete o Santo – nem isto nem isso; nem os bens da terra, nem os bens do céu”, isto é, nem sequer os gostos e consolações espirituais, mas só Deus. Tanta renúncia, tanto desapego, tanta nudez, assusta a pobre natureza humana. Mas a alma iluminada pelo Espírito Santo compreende o nada de todas as cosias porque “tudo é vaidade exceto amar e servir a Deus” (Imit. I, 1, 4). À medida que se vai desenvolvendo nela o dom de ciência, a alma compreende, experimenta o nada das criaturas que lhe faz pressentir o tudo de Deus e sente a necessidade de se evadir delas para mergulhar nEle. É o primeiro passo para a contemplação.

“Todo o ser das criaturas comparado com o ser infinito de Deus, nada é” (J.C. S. I, 4, 4): são nada as maravilhas da criação, nada as mais esplêndidas obras do engenho humano, nada a ciência dos homens mais doutos. Só Deus vale e dá valor a todas as coisas por serem obra das Suas mãos, ou por terem sido feitas pelo homem para Sua glória.

Perante as nossas mais belas empresas, perante esta nossa agitação por causa das coisas da terra, o Espírito Santo lembra-nos as palavras de Jesus: “Que aproveita ao homem se granjear todo o mundo, se se perde a si mesmo e se faz dano a si?” (Lc. 9, 25); e ainda: “Afadigas-te e andas inquieta com muitas coisas. Entretanto uma só coisa é necessária” (ib. 10, 41 e 42). Faz-nos assim compreender que o essencial é unirmo-nos a Deus, ao passo que tudo o resto é acessório e muitas vezes vão.

Em face da beleza das criaturas, o dom de ciência, embora nos mostre o seu nada essencial, o dom de ciência, embora nos mostre o seu nada essencial, não nega as perfeições relativas que nelas se encontram, mas apresenta-no-las apenas como um vestígio, um reflexo da perfeição infinita de Deus. Esta é a luz que transforma as criaturas, de obstáculo, em escada para subir para Deus, uma vez que “a alma muito se move ao amor do seu Amado Deus pela consideração das criaturas, vendo que são coisas feitas por Sua própria mão” (J.C. C. 4, 3).

Quando uma alma está profundamente iluminada pelo dom de ciência, as criaturas já não a perturbam na sua ascensão para Deus, mas, quer considere o seu nada ou a beleza que o Senhor pôs nelas, quer as abandone ou as use por necessidade, impelem-na sempre para Deus, para O procurar e O amar a Ele, beleza única e infinita.

Colóquio – “Meu Deus, aqui na terra tudo é vaidade. Que poderei procurar ou que desejarei encontrar cá em baixo onde nada é puro? tudo aqui é vão, incerto, enganador, exceto amar-Vos, Senhor, e praticar o bem. Mas não posso amar-Vos perfeitamente sem me desprezar a mim mesmo e ao mundo.

“Alma minha, não te seja duro afastar-te de amigos e conhecidos; estes impedem muitas vezes a consolação divina. Onde estão os amigos com quem jogaste e riste? Não sei: foram-se embora, abandonaram-me. E o que ontem viste, onde está? Desvaneceu-se. Tudo passou. Portanto só é sábio quem Vos serve a Vós, Senhor, desprezando a vida inferior com todos os seus atrativos.

“Preservai-me, Senhor, da busca dos prazeres do mundo. Conjuro-Vos a que despojeis o meu coração de todo o apego às vaidades da terra. Arrastai-me até à altura da cruz; que eu Vos siga por toda a parte desde que Vós me precedais. Pobre e nu, desterrado sobre a terra e desconhecido, estou de boa vontade conVosco” (Ven. T. de Kempis).

“Tirai-me, meu Deus, tudo o que me afasta de Vós; concedei-me tudo o que me aproxima de Vós. Arrebatai-me a fim de que eu viva todo e sempre para Vós” (S. Nicolau de Flue).

“Peço-Vos, Senhor, que, com a força ardente e doce do Vosso amor, retireis a minha mente e o meu coração de todas as coisas terrenas, para que eu morra por Vosso amor, assim como Vós Vos dignastes morrer por meu amor” (S. Francisco).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Última atualização do artigo em 25 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico

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