Dulcificai, Senhor, o meu coração com a chama da Vossa caridade.
1 – O apostolado é a expressão e o fruto da caritas apostólica, ou seja, do amor de Deus e do próximo tão aumentado que se transforma em zelo pelas almas. Porém, ao lado deste aspecto essencial que deve animar o apóstolo, há outros aspectos secundários, humanos, que, todavia, têm uma grande importância para a conquista das almas. Referimo-nos a todos aqueles dotes de afabilidade, gentileza, cortesia, sociabilidade, sinceridade e compreensão que, de per si, são dotes humanos, mas que, elevados pela graça e postos ao serviço do apostolado, adquirem valor sobrenatural. Trata-se substancialmente daquelas qualidades que S. Paulo atribui ao amor: “A caridade é paciente, é benigna… não se irrita, não suspeita mal… folga com a verdade” (I Cor. 13, 4-5).
Não basta amar a almas no segredo do nosso coração, trabalhando e sacrificando-nos por elas, é preciso que esse amor se manifeste também exteriormente por um trato amável e agradável, de tal maneira que, ao aproximarem-se de nós, se sintam estimados, e portanto animados à confiança. Certos modos rudes, bruscos, impacientes, são a causa de que muitos se afastem desgostosos e por vezes até escandalizados. O apóstolo pode ter um coração de ouro, rico de caridade e de zelo, mas se conserva um exterior rude e pouco afável, fecha ele mesmo o caminho que o levaria às almas, diminuindo notavelmente o bem que poderia fazer. os santos, embora muito sobrenaturais, nunca descuraram estes aspectos mais humanos da caridade; S. Francisco de Sales repetia continuamente que, assim como se atraem mais moscas com uma gota de mel do que um barril de vinagre, também se conquistam mais corações com um pouco de doçura do que com maneiras rudes. E S.ta Teresa de Jesus, que queria as suas filhas unidas pelo vínculo da mais pura caridade sobrenatural, não considerava supérfluo fazer recomendações como esta: “Quanto mais santas, mais afáveis com as Irmãs e, ainda que sintais muita pena por as suas conversas não serem como vós as quereríeis, nunca vos admireis delas, se quereis aproveitar e ser amadas” (Cam. 41, 7). Conselho utilíssimo para quem quiser ganhar almas para Deus.
2 – A propósito de qualidades naturais postas ao serviço da caridade apostólica, podemos meditar com fruto a exortação dirigida por Pio XII a um grupo de religiosos: “Antes que o jovem religioso [e poderia dizer-se: antes que o apóstolo] possa ser um verdadeiro modelo, procure primeiro tornar-se um homem perfeito nas coisas ordinárias e quotidianas… Por isso aprenda e demonstre, na sua conduta, o decoro conveniente à natureza humana e à sociedade; regule dignamente a expressão do rosto e o seu porte; seja fiel e sincero, mantenha as promessas, domine os seus atos e palavras, respeite a todos, não viole os direitos alheios, suporte o mal e seja sociável… Como bem o sabeis, as virtudes chamadas naturais são elevadas à dignidade da vida sobrenatural, sobretudo quando homem as pratica e cultiva para se tornar um bom cristão ou um digno arauto e ministro de Cristo” (Setembro, 1951). Portanto nãos e pode pensar que haja antagonismo entre a plenitude da vida sobrenatural que deve conduzir à união com Deus e a plena maturidade das virtudes humanas, fruto de um desenvolvimento racional das virtudes naturais. Devemos lembrar-nos de que a graça não destrói a natureza, mas a aperfeiçoa. A luta contra a natureza, empreendia para que a graça triunfe, tende a mortificar e a destruir apenas o que nela há de imperfeito, ao passo que as qualidades e as forças boas são elevadas ou transportas para o plano sobrenatural. A graça, e por isso a vida cristã, respeita e utiliza ao máximo todos os valores humanos. De resto, como se poderá pensar que o sobrenatural destrói o natural se este, não menos do que aquele, é obra de Deus e fruto da Sua sabedoria e bondade infinitas?
Elevando o homem ao plano sobrenatural, Deus não quis destruir nele o que antes tinha criado, mas unicamente sublimá-lo, elevá-lo. à luz destes princípios compreende-se porque se disse que o apóstolo, como o sacerdote, deve ser um “perfeito cavalheiro” (Newman); compreende-se porque os santos são também os homens mais perfeitos: é que elevaram à mais alta perfeição e sublimação as virtudes naturais; embora amando as criaturas com amor puramente sobrenatural, são capazes, melhor do que os outros, de as rodearem de amabilidade, delicadeza e compreensão, conquistando-lhes assim o coração com mais facilidade. Aliás é fácil entender que uma delicadeza perfeita, sempre igual a si mesma – mesmo para com os importunos e até nos momentos de cansaço – só pode nascer de uma virtude sobrenatural profunda e de uma delicada caridade.
Colóquio – “Senhor, ainda eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tivesse caridade, não seria senão um bronze que soa ou um címbalo que tine. E se tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência e se tivesse toda a fé, até ao ponto de transportar montanhas e depois me faltasse o amor, não seria nada. E ainda que distribuísse tudo o que tenho para sustento dos pobres, e entregasse o meu corpo para ser queimado, nada me aproveitaria se não tivesse caridade.
“Concedei-me, ó meu Deus, a caridade: a caridade que é paciente e benigna, que não é invejosa nem temerária, que não se ensoberbece, que não é ambiciosa nem busca os seus próprios interesses, que não se irrita nem pensa mal, mas que folga com a verdade; que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo sofre” (cfr. Cor. 13, 1-7).
Fazei, Senhor, que ao consagrar-me ao Vosso serviço, não só não diminua, mas cresça no meu coração a ternura para com o próximo, que se torne cada vez mais pura, mais sobrenatural. Ensinai-me a amar com esta ternura todos aqueles que me rodeiam. Tornai-me doce, afável, complacente, não para me atrair a benevolência das criaturas, mas para Vos poder conquistar os corações.
Ó Jesus, se o apóstolo deve ser uma imitação Vossa, não somente nas linhas gerais, mas também nos pormenores, com poderei ser apóstolo sem procurar imitar a doçura do Vosso coração? Ó Jesus, doce e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao Vosso.
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.
Última atualização do artigo em 8 de março de 2025 por Arsenal Católico