Dignai-Vos revestir-me da Vossa bondade, ó meu Deus, porque só Vós sois bom.
1 – Quando Moisés pediu a Deus que lhe mostrasse a Sua glória, Deus respondeu-lhe: “Eu te mostrarei todo o bem” (Ex. 33, 19), como querendo indicar-lhe que a Sua glória é a bondade infinita, é o bem que Ele possui em tal plenitude, que todo o bem está nEle e nenhum bem existe independentemente dEle. Deus possui o bem, não por tê-lo recebido de alguém, mas porque Ele mesmo é, por Sua natureza, o sumo Bem, porque o Seu Ser é bondade infinita. Se as criaturas são boas, somente o são porque Deus lhes comunicou algo da Sua bondade, pois como a criatura, por si, não pode existir, não pode tão pouco ter bondade alguma. Eis porque ao jovem que Lhe chamar “bom Mestre”, Jesus replicou: “Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão Deus só” (Mc. 10, 18). Nem sequer jesus, enquanto homem, possuía a bondade como coisa própria, mas apenas porque Deus, a quem estava hipostaticamente unido, Lha comunicava. Somente de Deus se pode afirmar que é bom, no sentido de que Ele é a própria bondade e de que a bondade Lhe pertence por natureza, como por natureza Lhe pertence a divindade; e como é impossível que a Sua divindade sofra alteração, é também impossível que diminua a Sua bondade. Passará o céu, passará a terra, passarão os séculos, porém a bondade de Deus não passará jamais. A malícia dos homens poderá acumular pecados sobre pecados, males sobre males, mas acima deles a bondade de Deus permanecerá imutável; nunca a sombra do mal conseguirá manchá-la; pelo contrário, Deus, sempre benigno, inclinar-Se-á sobre o mal para o transformar em bem, para tirar dele um bem maior. Assim Se inclinou a bondade infinita sobre o homem pecador e da queda de Adão tirou um bem infinitamente maior: a Redenção do mundo por meio da Incarnação do Seu Unigênito. É este o caráter distintivo da bondade de Deus: querer o bem, unicamente o bem, a ponto de tirar o bem mesmo do próprio mal.
2 – Deus, sumamente bom em Si mesmo, é bom também em todas as Suas obras; dEle, bondade infinita, não podem emanar senão obras boas: “E Deus viu todas as coisas que tinha feito, e eram muito boas”, assim termina na Sagrada Escritura o relato da criação (Gên. 1, 31). Tudo o que sai das mãos de Deus leva o cunho da Sua bondade. É bom o sol que ilumina e aquece a terra, é boa a terra que produz flores e frutos, é bom o mar, bom o céu, boas as estrelas: tudo é bom, porque tudo é obra de Deus, bondade essencial, infinita, eterna. Deus, porém, quis que entre as Suas criaturas houvesse algumas, com o homem, que, além de serem boas porque Ele as criou tais, o fossem igualmente pela adesão do seu livre arbítrio à bondade que Ele infundiu nelas. Eis a grande honra feita por Deus ao homem: não só o criou bom como criou bons o céu e a terra, mas quis que fosse bom pelo concurso livre da sua vontade; foi com o se o tornasse senhor da bondade que nele pôs. Foi precisamente por esta razão que lhe deu o grande dom da liberdade. Vê quando te afastas da bondade sempre que te serves do teu livre arbítrio não para quereres o bem, mas para quereres o mal. Vê a suma distância que há entre ti e Deus: Deus é bondade infinita, a ponto de tirar o bem mesmo do mal; tu és maldade tão profunda que até o bem sabes converter em mal, valendo-te do bem da tua liberdade para condescender com o teu egoísmo, com o teu orgulho, com o teu amor próprio. Contudo, se tu aderisses àquele impulso interior para o bem que Deus pôs em ti, se deixasses desenvolver aquela bondade que Ele infundiu no teu coração, não te seria difícil ser bom. Deus fez-te bom, quer que sejas bom; é verdade que a tua malícia – consequência do pecado – é grande, mas a Sua bondade infinita supera-a imensamente e pode sará-la ou destruí-la até ao fundo desde que tu querias e confies nela.
Colóquio – “Ao considerar a Vossa bondade, ó meu Deus, a alma deveria animar-se a trabalhar com todas as suas forças para lhe corresponder; e deveria correr velozmente ao Vosso encontro, Vós que a ides perseguindo, suplicando: ‘Abre-me, irmã minha’!
“E que vantagem tira a alma da consideração da Vossa bondade? Eis a vantagem: reveste-se dessa bondade. Oh! se abríssemos os olhos e víssemos quão grande ela é! Mas às vezes estamos cegos e nada vemos. Só o Sangue quente de Cristo é o colírio capaz de abri não somente os olhos, mas também o coração, para dar a conhecer às almas a imensidade da bondade divina… ò meu Deus, Vós mostrais-me a Vossa bondade infinita como um grande rio que transborda para a terra e em cujas águas todas as criaturas se submergem e se alimentam como os peixes no mar. Contemplando este rio fico nele imersa, mas voltando-me e vendo a malícia humana tão contrária à Vossa bondade, sinto enorme pesar. Ó Bondade infinita, a minha alma quer honrar-Vos de dois modos: primeiro, com o louvor, agradecendo-Vos e bendizendo-Vos continuamente por todos os dons e graças que lhe concedeis e narrando as Vossas grandezas; depois, com as obras, não alterando nela a Vossa imagem, mas conservando-a pura e sem mancha, tal como Vós desde o princípio a criastes” (cfr. Sta M. Madalena de Pazzi).
“Ó Senhor, quero confiar na Vossa bondade que é maior que todos os males que possamos fazer. Quando nos conhecemos a nós mesmos e queremos tornar à Vossa amizade, não Vos lembrais da nossa ingratidão nem das mercês que nos fizestes para nos castigardes, antes ajudam a perdoar-nos mais depressa como a gente da Vossa casa que, com se costuma dizer comeu o pão da Vossa mesa. Ó Senhor, eis o que fizeste comigo: cansei-me mais depressa de Vos ofender do que Vós de me perdoar. Unca Vos cansais de dar; nem se esgotam as Vossas misericórdias; não nos cansemos nós de receber!” (T.J. Vi. 19-15).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.