Ó Senhor, fazei que eu compreenda o grande valor da fé.
1 – “Sem a fé é impossível agradar a Deus” (Hebr. 11, 6), porque a fé é o fundamento das nossas relações com Ele. Para o homem sem fé Deus não tem nenhum significado, nenhum valor, nenhum lugar na vida. Pelo contrário, quanto mais viva é a fé, mais Deus entra na nossa vida, tornando-Se o nosso tudo, a única grande realidade pela qual vivemos e pela qual enfrentamos corajosamente a dor a a morte. Só quando a fé penetrou profundamente numa alma, esta pode exclamar com S. Paulo: “Se vivemos, vivemos pelo Senhor; se morremos, morremos para o Senhor” (Rom. 14, 8). A nós não nos faça ver sempre a Deus em todas as coisas e acima de todas as coisas, que nos dê o sentido da Sua realidade essencial, transcendente e eterna, que supere infinitamente todas as realidades imediatas contingentes e passageiras desta vida. A fé não se apoia em dados sensíveis, no que vemos, apalpamos e nem sequer se reduz ao que compreendemos com o nosso entendimento, mas, ultrapassado tudo isto, torna-nos participantes do próprio conhecimento de Deus, do Seu pensamento, da Sua ciência. Tendo-nos elevado ao estado de filhos Seus, Deus tornou-nos capazes de participar da Sua vida íntima, vida de conhecimento e de amor. Com este fim, juntamente com a graça, deu-nos as virtudes teologais: a fé permite-nos participar na Sua vida de conhecimento e a caridade, na Sua vida de amor. A fé torna-nos capazes de conhecer a Deus como Ele mesmo Se conhece, embora, certamente, não de um modo exaustivo, Deus conhece-Se não só como Criador, mas também como Trindade, como autor da graça, e assim no-lO apresenta a fé. Pela fé conhecemos as criaturas como Ele as conhece, quer dizer, em relação a Ele, em dependência dEle. O nosso entendimento não nos pode dar mais do que uma luz natural acerca de Deus e das coisas. A fé, porém, dá-nos a luz sobrenatural que é uma participação da luz de Deus, do conhecimento que Ele tem de Si mesmo e do mundo.
2 – S. Tomás diz que “a fé é uma disposição habitual da nossa mente, com a qual começa em nós a vida eterna”, é um princípio de vida eterna (IIª IIª, q. 4, a. 1, co.). Com efeito, pela fé começamos a conhecer a Deus como um dia O conheceremos no céu; lá em cima conhecê-lO-emos abertamente na luz da glória, na terra conhecê-lO veladamente, através das verdades que a fé nos propõe para crer, contudo trata-se do mesmo Deus. A fé e a visão beatífica são como que duas faces do mesmo conhecimento de Deus: a fé dá-nos um conhecimento inicial, velado, imperfeito; a visão beatífica, em que a fé deixará de existir, dar-nos-á o conhecimento pleno, claro, perfeito. Agora “conhecemos imperfeitamente – diz S. Paulo, aludindo ao conhecimento pela fé – mas quando vier o que é perfeito, isto é, a visão beatífica, será abolido o que é imperfeito” (I Cor. 13, 9 e 10). S. João da Cruz emprega uma comparação genial para nos fazer compreender que a fé já contém em gérmen a visão do céu. Refere-se ao acontecimento bíblico dos soldados de Gedeão que levavam “luzes nas mãos e não as viam, porque as tinham escondido nas ânforas, quebradas as quais logo apareceu a luz. É assim a fé que, figurada por aquelas ânforas, contém em si a luz divina, a qual acabada e quebrada pela quebra e fim desta vida mortal, logo aparecerá a glória e a luz da Divindade que em si continha” (S. II, 9, 3).
Quanto mais viva é a nossa fé, tanto mais gozamos nesta vida de uma antecipação do conhecimento de Deus que teremos no céu. Quanto mais viva e informada pelo amor é a nossa fé, tanto mais gozaremos por toda a eternidade de um alto grau de glória e, por conseguinte, de visão de Deus. A fé de hoje deve preparar-nos para a visão beatífica de amanhã, deve fazer-nos entrar, desde já, em comunhão com o pensamento, com o conhecimento de Deus. Eis como a fé nos eleva imensamente acima dos nossos raciocínios e pensamentos humanos.
Colóquio – “Ó fé de Cristo, meu Esposo, volto-me para ti, como sendo a que em si encerra e encobre a figura e formosura do meu Amado. Tu és fonte clara e limpa de erros, da qual manam para a alma as águas de todos os bens espirituais. Por isso Vós, ó Cristo, falando com a Samaritana, dissestes que naqueles que cressem em Vós faríeis uma fonte cuja água jorraria até à vida eterna.
“Ó fé, tanta é a semelhança entre ti e Deus, que não há outra diferença senão ser Deus visto ou crido. Porque assim como Deus é infinito, assim tu no-lO propões infinito; assim como é trino e uno, no-lO propões trino e uno; assim como Deus é treva para o nosso entendimento, assim também tu cegas e deslumbras o nosso entendimento. Assim, ó Senhor, só por este meio de fé nua Vos manifestais à alma em divina luz que excede todo o entendimento. Aumentai, pois, Senhor, a minha fé porque quanto mais fé tenha, mais unido estarei a Vós.
“Alma minha, sendo Deus inacessível, não repares naquilo que as tuas potências ou sentidos possam compreender ou sentir, para que não te satisfaças com menos e não percas a leveza precisa para ir a Ele. Mas caminha em fé nua e pura, porque só a fé é o meio próximo e proporcionado para a tua união com Deus” (J.C. C. 12, 1-3; S. II, 9, 1; AM. I, 52).
“Ó Sabedoria infinita, ó eterno e infinito Deus, Vós quereis ser compreendido pela Vossa criatura, porque sois o sumo Bem; ela é capaz de Vós e entende-Vos do modo que a ela Vos mostrais, sob o véu da fé, sim, mas véu luminoso, porquanto a Vossa palavra alumia e dá luz aos humildes. Todavia, assim como é impossível que Vós não sejais Deus, também é impossível que chegueis a ser plenamente conhecido pela Vossa criatura. Ó Senhor, quem quiser elevar-se à sublimidade da Vossa união, precisa, pois, de uma grande fé. Sendo Vós o Bem supremo, infinito, imenso, insondável, que não pode ser compreendido senão por Si mesmo, quanto mais a alma crê em Vós, tanto mais chegará a unir-se a Vós e a participar da Vossa bondade” (cfr. Sta M. Madalena de Pazzi).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.