A Paixão do Senhor: Jesus diante de Pilatos

Antonio Ciseri, Ecce Homo eis o homem!, 1871, representação de Pôncio Pilatos apresentando ao povo um Cristo flagelado. João 19, 5, domínio público, Wikimedia Commons

A situação era fora do comum. Aquele homem dias antes falava no templo com majestade; tinha sido recebido triunfalmente em Jerusalém com aclamação jamais vista; tinha feito vários milagres e muitos o seguiam; era considerando um grande profeta. E agora estava preso e maltratado como um malfeitor. Sem dúvida a população estava confusa e esse fosse o assunto principal na cidade; todos queriam presenciar um acontecimento tão incomum. É provável que Pilatos tenha recebido a notícia na noite anterior, e como homem prudente, estaria se preparando para tratar do caso.

Os sacerdotes chegaram à praça do pretório e subiram ao pórtico por uma escadaria. Mas não entraram no pretóno, para não se contaminarem e poderem comer a Páscoa (Jo 18, 28). Os sacerdotes ficariam impuros por pisarem no pretório, no entanto não se consideravam manchados por entregar Jesus à morte. Portanto ficaram no lado de fora e entregaram o Senhor aos oficiais romanos para que o levassem ao governador. Desculpando-se por motivos religiosos, por não terem entrado, pediam a confirmação e a execução da sentença de morte, pois o caso era tão grave que tinham vindo pessoalmente. Jesus compareceu diante do governador (Mt 27, 11), Pilatos inclinou-se a seu favor, pois percebeu que os sacerdotes estavam com má intenção, e que não entrar no pretório era pura hipocrisia. Mesmo assim, por prudência saiu para falar. Sentiu a diferença entre a serenidade do réu e a exaltação e a pressa com que os sacerdotes queriam sua morte. Confirmou seu juízo, e disse-lhes: Sabem que os romanos não tem por costume condenar ninguém sem que o réu possa se defender. Qual é a acusação contra este homem? Não é justo entregar um preso sem dizer o motivo.

A observação do procurador romano parece que não agradou, pois implicitamente os tachava de incapazes e injustos. Aborrecidos pela ressalva, exaltados e cheios de soberba disseram: Se ele não fosse um malfeitor público, nós que somos sacerdotes e escribas não o entregaríamos em suas mãos. Basta que estejamos aqui, para que não tenha desconfiança de nossa retidão.

Para saber se Jesus era um malfeitor, seria necessário perguntar aos que foram libertos dos espíritos imundos, aos doentes que foram curados, aos leprosos que ficaram limpos, aos surdos que agora escutavam, aos cegos que tinham recuperado a visão e aos que foram ressuscitados. Caso Pilatos tivesse mais informações, saberia que na realidade Jesus era um benfeitor do povo. O cego que com um pouco de barro recobrou a vista, o paralítico que depois de trinta e oito anos pode novamente andar, a menina ressuscitada diante dos pais e de três apóstolos. Estas testemunhas poderiam ser parciais, mas existiam outras testemunhas: toda a cidade de Naím, os presentes nas ressurreições do filho da viúva e de Lázaro, todos aqueles que foram saciados com pães e peixes no deserto, quase toda Jerusalém.

Para legitimar a maldade, precisaram de falsas testemunhas: mentiram e não conseguiram nenhuma acusação contra o Senhor. Os sacerdotes estavam aborrecidos e magoados, porque Pilatos pedia provas e todo o povo estava agradecido pelos benefícios que Jesus tinha feito. Consideravam-se tão importantes, que pretendiam que Jesus fosse cravado da cruz somente porque essa era a vontade deles.

Com a resposta dos sacerdotes, Pilatos inteligentemente percebeu toda a soberba e arrogância, e que havia ódio e parcialidade para desejarem sem provas, matar um homem que era considerado santo e profeta; devia haver uma razão mais profunda.

Com muita astúcia respondeu: Se este homem é um malfeitor, tomai-o e julgai-o vós mesmos segundo a vossa lei (Jo 18, 31). Acredito que não pediriam a morte de homem inocente, mas não posso condená-lo somente por causa da vontade de vocês. A lei exige uma acusação formal com provas. Se o código de vocês permite condenar um homem tão depressa, sem o ouvir a defesa, façam como quiserem, eu não impedirei.

Os sacerdotes replicaram: Não nos é permitido matar ninguém. Talvez tenham dito isto, por causa do domínio romano, que lhes tirava o poder, pois a lei judaica permitia em alguns casos, ou porque sendo Páscoa, não podiam executar sentenças. Mas possivelmente, pensavam na crucificação, introduzida na Judéia pelos romanos; esta seria a morte mais desejada, pois era a mais humilhante. Com isso queriam dizer: os delitos deste homem são tão atrozes, que não é suficiente castigá-lo com uma morte simples, merece a crucificação e se houvesse uma mais dura, essa seria a forma. Nós não podemos crucificá-lo, por isso apelamos ao governador. Assim se cumpria a palavra com a qual Jesus indicou de que gênero de morte havia de morrer (Jo 18, 32): Crucificado pelas mãos dos gentios na Páscoa.

Vendo que Pilatos queria uma acusação formal, deram-lhe uma: Encontramos este homem insurgindo o povo a não pagar o tributo a César e proclamando-se rei. Acusavam de incitar o povo; que proibia o pagamento a Roma, pois o povo eleito não devia subordinação a um imperador pagão e, por fim, que se proclamava rei.

Sabiam que toda a acusação era uma mentira. Como podia promover uma revolta quem nunca participou de reuniões secretas? Falava abertamente no templo e nas sinagogas, onde dizia exatamente o oposto; que obedecessem aos fariseus e escribas, pois estes ocupavam o lugar de Moisés. Quando foi preso estava rezando.

Em relação aos impostos, quando foi perguntado se era lícito pagar, respondeu: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Os próprios publicanos eram testemunhas de que Ele mesmo pagava os impostos (cf. Mt 17, 26).

Quanto ao se fazer rei, podemos lembrar que Jesus, percebendo que queriam arrebatá-lo e fazê-lo rei, tomou a retirar-se sozinho para o monte (Jo 6, 15).

Os sacerdotes pretendiam ocultar o verdadeiro motivo, pois se proclamar Filho de Deus perante um gentio não seria pretexto para levá-lo a morte. Então o acusaram, usando um motivo que preocuparia mais o governador: estar contra César e os impostos.

Pilatos centrou-se na acusação de que se fazia rei, pois era evidente que sendo rei, seria contra César e os impostos. Temendo desordem dos populares, por prudência, entrou no pretório para examinar Jesus. Pilatos era gentio, mas vivia há alguns anos em Jerusalém, conhecia a fama de Jesus e tinha ouvido falar sobre a espera de um Messias que seria Rei. Pensando em um reino terreno, chamou-o à sua presença e perguntou: Tu és o rei dos judeus? Os quatro Evangelhos concordam que esta foi a primeira pergunta.

O Senhor, que não estava presente quando Pilatos conversou com os sacerdotes, disse: Dizes isso por ti mesmo, ou foram outros que to disseram de mim? (Jo 18, 34). Mostrava que sabia de onde vinha o veneno, embora os autores estivessem escondidos.

Pilatos percebeu pelas palavras que tinha sido influenciado pelos sacerdotes e para desfazer a impressão, indagou: Por acaso, sou judeu para me preocupar com o Messias? Pergunto, não por me importar, mas porque sou seu juiz e esta foi a acusação contra você. Os seus compatriotas, sacerdotes e doutores da lei o entregaram, o que você fez? Se faz rei sem o ser ou é rei e eles não aceitam?

Que tinha feito? O Senhor poderia ter respondido extensamente em sua defesa; mas foram feitas duas perguntas: se era rei e o que tinha cometido para os sacerdotes o entregarem. Jesus respondeu: Meu reino não é deste mundo. Quando diz reino não se refere apenas ao Paraíso, mas também a todos os fiéis do mundo que formam a Igreja. Por isso não disse: O meu reino não está neste mundo, porque na verdade está. Meu reino não é terreno, nem temporal, mas do céu, de onde desci para unir com a terra por meio das minhas palavras e obras, por meio da fé. Vim para resgatá-lo do mal com minha morte; santificá-lo com os Sacramentos; lavá-lo com meu sangue; torná-lo belo com minha graça; dar-lhe vida com meu espírito. Não é deste mundo, porque não consiste em bens mundanos, mas em vida e salvação eterna.

O Senhor continuou para tentar tirar Pilatos e os sacerdotes do erro: O seu reino que é deste mundo, e eu não vou tirá-lo, mas desejo lhe dar o reino etemo. Eu asseguro que nenhum rei deve temer o meu reino, porque se meu reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que eu não fosse entregue aos judeus {Jo 18, 36). Estou tão longe destas coisas, que adverti um dos discípulos para que guardasse a espada. Não, o meu reino não é deste mundo.

Pilatos ficou mais calmo, pois embora o Senhor tenha dito por três vezes que era rei e tinha reino, deixou claro que não era daqui e não estava conspirando contra César. Perguntou-lhe então Pilatos: És, portanto, rei? Respondeu Jesus: Sim, eu sou rei. E respondendo a segunda pergunta, disse: É para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade ouve a minha voz (Jo 18, 37).

Com esta resposta mostro u a causa do ódio dos sacerdotes: tinha dito a verdade e eles estavam muito longe dela.

Pilatos perguntou: O que é verdade? Não esperou a resposta e saiu para encontrar os sacerdotes.

Estava convencido da inocência de Jesus. Escutou pessoalmente que ele não tinha reino e nem pretendia ter, viu que não havia nenhum sinal de realeza. Sobre o outro mundo, não quis nem comentar com os sacerdotes. O tema verdade não o atraiu: o Senhor havia falado que somente dizia a verdade e os que a amam, ouvem sua voz. Com sua arrogante autoridade disse com menosprezo: Que é verdade? E imediata mente saiu sem esperar uma resposta. Estava satisfeito com o que tinha escutado e disse aos sacerdotes: Eu examinei este homem e as acusações feitas e não encontrei motivo algum para condená-lo. Assim, testemunhava a inocência do Senhor e a injustiça das acusações.

Percebendo que a situação estava se acalmando, imaginando que Jesus tinha falado do reino espiritual e convencido Pilatos, começaram a gritar: Ele diz que seu reino não é deste mundo, mas formou discípulos e espalhou o seu ensinamento por toda Judéia até a Galiléia, chegando sua doutrina até aqui em Jerusalém.

Talvez dissessem sobre Jerusalém, porque há poucos dias, na Festa de Ramos toda a cidade se tinha alvoroçado perguntando: Quem é este?

Pilatos percebia que o assunto estava ficando muito confuso, querendo se livrar logo de tudo isso. Quando escutou a palavra Galiléia, logo perguntou se ele era galileu. E, quando soube que era da jurisdição de Herodes, enviou-o a Herodes, pois justamente naqueles dias se achava em Jerusalém ( Lc 23, 6-7).

Última atualização do artigo em 9 de abril de 2025 por Arsenal Católico

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