Amanheceu o dia seguinte, sexta-feira. Para o povo judeu, foi um dia extremamente infeliz, porque cometeria um pecado espantoso, pelo qual mereceria um enorme castigo. Mas também foi um dia próspero: a porta do céu se abriria e a humanidade seria remida.
Embora tenha havido na noite anterior uma reunião na casa de Caifás, era necessário dar um aspecto de legitimidade para convencer o povo. Chegando a manhã, todos os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo reuniram-se em conselho para entregar Jesus à morte (Mt 27,1). Porém, tudo já estava definido: sentença de morte, e depois passar a execução para os romanos. Mesmo sendo a grande maioria do conselho de idade avançada e tendo o julgamento adentrado a madrugada, logo pela manhã se reuniram os sumo sacerdotes, os escribas e com todo o conselho (Mc 15, 1). Nota-se que estavam bem dispostos para fazerem o mal.
Este encontro não foi na casa do sumo sacerdote. Levaram-no ao Conselho, onde se realizam as reuniões oficiais, conhecido por Sinédrio. Cada um se sentou em sua cadeira e os juízes pediram a presença do réu.
Retiraram-no da casa do pontífice, onde estava preso, e levaram-no pelas ruas até o palácio para entregá-lo ao Sinédrio. Neste trajeto guardado pelos soldados, como era pela manhã, muitos apareciam nas portas e janelas, para apreciar um preso tão conhecido por sua santidade e admirado por suas obras, a plebe gritava perante sua passagem. O Senhor caminhava com uma corda presa ao pescoço que atava suas mãos também, assim era feito com aqueles que usavam mal de sua liberdade contra o seu povo. Jesus estava com frio e cansado, desfigurado pelos socos e escarros; despenteado, com o rosto cheio de equimoses. Foi assim que apareceu pelas ruas e as pessoas olhavam espantadas. Todos perceberam claramente que seria condenado pelo modo como foi tratado e conduzido.
O rumor se estendeu rapidamente pela cidade e chegou ao conhecimento da Virgem Maria. Contaram-lhe que tiraram Jesus da prisão e levavam-no ao Sinédrio. Ela saiu velozmente para encontrar seu Filho. Seguiram-na João, Maria Madalena e as outras mulheres. Diferentemente, os apóstolos estavam dispersos e escondidos, mas também preocupados com o que acontecia ao Senhor. Mesmo com a cidade toda a larmada, inexplicavelmente ninguém incomodou a Virgem Nossa Senhora. Toda sua dor e aflição foram interiores, dentro do coração, onde oferecia seu Filho, e oferecia-se a Deus, com obediência e amor, mesmo estando angustiada.
O Senhor já estava presente diante do Sinédrio, ordenaram que desatassem as mãos para que pudesse responder as acusações com mais liberdade.
Estando solto na presença do Conselho, não buscavam novos testemunhos, continuaram no mesmo tema da noite anterior, perguntando: Dize-nos se és o Cristo! (Lc 22, 66). Repetiram a mesma pergunta feita, há alguns dias no Templo: Até quando nos deixarás na incerteza? Se tu és o Cristo, dize-nos claramente (Jo 10, 24).
O Senhor que conhecia os corações, respondeu: Se eu vo-lo disser, não me acreditareis; e se vos fizer qualquer pergunta, não me respondereis (Lc 22, 67-68). Mesmo que provasse através da Lei e dos Proretas, vocês não me libertariam. Não merecem resposta, querem saber a verdade para me condenar. Entretanto, também não quero que pensem que estou com medo e não direi a verdade. Agora sou réu, mas em breve estarei sentado a direita do poder de Deus, para ser juiz de todo o mundo.
Diante daquela resposta que exprimia toda a verdade, planejaram melhor a acusação: Então, realmente você é Filho de Deus? Notava-se todo o escárnio nestas palavras, pois consideravam Jesus louco e mentiroso, não dissimulando a ironia, continuaram: Você é filho de um pobre carpinteiro, homem de maus costumes, beberrão e glutão, amigo de publicanos e pecadores, endemoniado e blasfemo, diz que se sentará a direita de Deus, que o veremos vir sobre as nuvens. Sim, nos o veremos, não nas nuvens, mas pendurado no meio de dois ladrões.
O Senhor, percebendo toda a malícia e o que pretendiam, respondeu com a mesma verdade da noite anterior: Sim! Eu o sou.
Perante a firme resposta que o Senhor mantinha, disseram: Que necessidade temos de mais testemunhas? Nós mesmos escutamos de sua boca a declaração! Tinham ouvido duas razões suficientes para condená-lo a morte: que era o Cristo, o Ungido Rei dos judeus e também Filho de Deus. A segunda afirmação era para o sumo sacerdote uma blasfêmia contra Deus e pela qual devia morrer. Proclamar-se Rei dos judeus era um crime contra César, que mereceria a cruz. Com estas duas acusações, decidiram levar o réu a Pilatos para que ele executasse a sentença.
Conduziram Jesus diante de Pilatos (Lc 23, 1), desta vez, não ordenaram aos soldados que o levassem, levantando-se enfurecidos foram todos: o sumo sacerdote, os anciãos e os escribas. Assim garantiriam uma rápida execução da sentença. Cumpria-se a profecia: toda a assembléia de Israel o imolará (Ex 12, 6).
No caminho do Sinédrio ao pretório, voltariam a prender seu pescoço junto com as mãos, como era costume quando se entrega um marginal para a execução.
Da casa de Caifás conduziram Jesus ao pretório. Era de manhã cedo (Jo 8, 28), o rumor estava maior, pois a notícia tinha se espalhado, todos sabiam da condenação, pois a decisão do Sinédrio fora unânime. Agora o processo passava da jurisdição eclesiástica para alçada civil.
A Paixão do Senhor, Luis de La Palma, 1624.