O Senhor foi enviado para duas missões: ser o Messias e o Redentor. Ele as cumpriu perfeitamente.
Na última ceia orou ao Pai: Eu te glorifiquei a terra. Terminei a obra que me deste para fazer.
Agora, pois, Pai; glorifica-me junto de ti, concedendo-me a glória que tive junto de ti; antes que o mundo fosse criado. Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste (Jo 17, 4-6).
Antes de sofrer, havia dito: Eis que subiremos a Jerusalém. Tudo o que foi escrito pelos profetas a respeito do Filho do homem será cumprido (Lc 18, 31). Agora tudo estava cumprido, até a última letra que escreveram os profetas.
Na cruz tudo se cumpriu para que os eleitos de Deus soubessem que ali está a força de Deus, a plenitude e perfeição de todas as coisas. O que é mistério para o homem, escândalo para os judeus e loucura para os gentios, é onipotência de Deus.
Tudo está consumado: bebi o cálice da Paixão sem deixar uma gota sequer; as profecias foram cumpridas e toda a Escritura encontrou seu sentido em mim; paguei a dívida dos homens; a amizade de Deus com os homens foi restabelecida. Eu venci! Termina minha vida na terra e começa o triunfo da minha glória. Consummatum est.
Palavras misteriosas que encerram tudo o que Jesus Cristo realizou para nossa redenção. Somente quem a rea lizou conhece o sentido pleno.
Para conhecer o mistério devemos buscar a cruz. Na presença do Senhor, com a ajuda da graça, meditaremos como era infinita a dívida que Adão transmitiu aos seus filhos em desobedecer a Deus. Por ser o nosso pai, ele estava obrigado a pagar a dívida. Mas nem ele e nem nós, mesmo juntando toda a riqueza do mundo, poderíamos pagar. Pelos pecados voluntários dos homens a dívida aumentava a cada instante.
Os demônios estavam preparados para levar as almas dos homens para o inferno, onde ficariam eternamente, pois não teriam condições de quitar a dívida.
O Senhor é misericordioso e desceu do céu para resgatar nossa dívida, pagar o que não tinha roubado (Cf. SI 68, 5). Pagou com o sangue na cruz, rasgou nossas promissórias e nos anistiou. Converteu-se em nosso Senhor, deu-nos a liberdade, tirando do demônio o direito que tinha sobre nós. Antes de partir deu a boa notícia: Tudo está cumprido, a dívida foi paga, estão todos livres.
O pagamento da redenção foi muito generoso, Jesus pagou excessivamente acima da nossa dívida; além de nos libertar do inferno, conseguiu-nos a vida eterna. A Paixão do Senhor mereceu a glória para todos; antes os nossos solitários sofrimentos não tinham nenhum valor, mas agora unidos aos sofrimentos de Cristo, fazem jus ao pagamento de nossos pecados.
Com o pagamento na cruz, o homem que era pobre ficou enriquecido com a misericórdia de Deus. Antes tremíamos em pensar na justiça de Deus, agora podemos pedir o prêmio, pois nenhum atleta será coroado, se não tiver lutado segundo as regras (2Tm 2 , 5). Perante o tribunal divino podemos reivindicar, porque pelas palavras de Cristo tudo está pago. Consummatum est.
Os homens, através dos pecados, desobedeciam a Deus, estavam em situação miserável. Como poderiam se esconder da justiça divina? Ninguém podia estar em paz com Deus, não havia consolo. Quem poderia ser mediador entre Deus e os homens? Como alcançar o perdão? Por outro lado, não se pode encontrar paz sem satisfação dos agravos feitos. O homem é fraco, não tem poder de desagravar e nem forças para não voltar a ofender a Deus. Deste modo, não era possível alcançar a paz entre Deus e os homens. Uma guerra contra Deus somente poderia levar o homem à condenação eterna.
Mas, Deus tem um coração piedoso. Enviou um mediador, Jesus Cristo, para ajudar a salvação os homens. Porque aprouve a Deus fazer habttar nele toda a plemtude e por seu intermédio reconciliar consigo todas as criaturas, por intermédio daquele que, ao preço do próprio sangue na cruz, restabeleceu a paz a tudo quanto existe na terra e nos céus (CI 1, 19-20).
O Príncipe da paz estava cravado na cruz, levantado entre o céu e a terra, garantindo a paz eterna. O tratado de paz foi assegurado na presença da corte celeste, pois o Senhor vê Deus face-a-face. Oferecia o seu sangue e a sua vida como parte do pagamento da humanidade, para saldar as dívidas e desagravar as injúrias cometidas contra Deus. Dirigiu preces e súplicas, entre clamores e lágrimas, àquele que podia salvar da morte, e foi atendido pela sua piedade (Hb 5, 7). Pelo imenso amor que o Pai sente pelo Filho, o acordo de paz eterna, entre Deus e os homens, foi confirmado. Consummatum est.
Ao morrer na cruz, o Senhor se fez autor e consumadorde nossa fé (Hb 12, 1). Na cruz realizou a consumação do que acreditamos e deu firmeza para nossas esperanças; mostrou o caminho para alcançar as coisas do alto e animou-nos para deixar por Ele todas as coisas materiais. Na cruz se tornaram realidades todas as promessas de Deus. Porque todas as promessas de Deus são ”sim ” em Jesus (2Cor 1, 20). Pois a lei nada levou à perfeição (Hb 7, 19), estava cheia de cerimônias inúteis e vazias. Agora, porém, conhecendo a Deus, ou melhor, sendo conhecidos por Deus, como é que tornais aos rudimentos fracos e miseráveis, querendo de novo escravizar- vos a eles? (GI 4, 9). Por uma só oblação ele realizou a perfeição definitiva daqueles que recebem a santificação (Hb 10, 14).
Tudo está consumado, tudo está perfeito, tudo foi cumprido. Levei até o fim o que a eterna sabedoria tinha fixado. Paguei o que pedia a justiça e tudo foi feito em favor do homem. Deus é piedoso e cheio de misericórdia. Tudo o que os patriarcas prometeram, tudo que os profetas anunciaram, todas as imagens e símbolos a meu respeito, tudo está cumprido. Ensinei tudo, para que deixem a ignorância e corrijam os erros; dei o remédio para curar o mal. Não falta nada para os tíbios para que se tornem fervorosos e fortes; todo consolo foi deixado para que se tornem santos. Venci o mundo! Agora podem também triunfar sobre a s forças demoníacas, porque tudo está consumado.
Com seu exemplo aprendemos a não desistir nunca daquilo que começamos para a glória de Deus. Por muitas dificuldades que se apresentem, por muitos inconvenientes que nos ponham, não devemos nunca voltar atrás. (24) Para que não digam de nós: Este homem principiou a edificar, mas não pode terminar (Lc 14, 30).
Desse modo, cercados como estamos de uma tal nuvem de testemunhas, desvencilhemo-nos das cadeias do pecado. Corramos com perseverança ao combate proposto, com o olhar fixo no autor e consumador de nossa fé, Jesus. Em vez de gozo que se lhe oferecera, ele suportou a cruz e está sentado à direita do trono de Deus. Considerai, pois, atentamente aquele que sofreu tantas contrariedades dos pecadores, e não vos deixeis abater pelo desânimo. Ainda não tendes resistido até o sangue, na luta contra o pecado (Hb 12, 1-4).
Combate pela justiça a fim de salvar tua vida; até a morte, combate pela justiça (Eclo 4, 33). Sê fiel até a morte e te darei a coroa da vida (Ap 2, 10}. Não devemos fugir da cruz, mas perseverar nela até que se cumpra em nós inteiramente à vontade de Deus.
Com o tempo todas as contrariedades e penas terminam, Deus quer que a dor dos seus filhos termine depressa. Nunca nos faltará o consolo de Cristo.
A Virgem Maria levantou os olhos ao escutar que tudo estava consumado. Tentou erguer a cabeça do Senhor mas suas mãos não o alcançavam, caíram seus braços sem poder abraçar o filho; Jesus morria e ela não podia morrer com ele. O seu corpo desfalecia, sua alma estava tão unida à de seu filho, que morria na dor com ele.
De repente, viu-o tomar um último fôlego e exclamar suas últimas palavras. Jesus deu então um grande brado e disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E dizendo isso, expirou (Lc 23, 46).
A Paixão do Senhor, Luis de La Palma, 1624.
(24) Aquele que põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o Reino de Deus (Lc 9, 62).