A Paixão do Senhor: O Senhor é condenado

O Senhor mantinha-se calado perante as calúnias e os falsos testemunhos. Tinha percebido perante sua primeira resposta que os juízes não estavam buscando a verdade, e aquela reunião, que só tinha aparência de julgamento, na verdade era um covil de ladrões.

O sumo sacerdote, impaciente e irado, vendo que com falsas testemunhas não conseguia condená-lo, perguntou: Nada tens a responder ao que essa gente depõe contra ti? (Mt 26, 62). que espécie de arrogância é essa?

Jesus se calava e nada respondia (Me 14, 61). Não convinha que o Filho de Deus falasse por medo a um mero mortal. Quando se é injuriado, desprezado, ofendido e caluniado, grande é o mérito da virtude da paciência em ficar calado. Inclusive é perigoso falar nestes momentos; aconselhava o profeta: Velarei sobre os meus atos, para não pecar mais com a língua. Porei um freio em meus lábios, enquanto o ímpio estiver diante de mim. Fiquei mudo, mas sem resultado, porque minha dor recrudesceu (SI 38, 2-3). ostrou o Senhor grande mansidão, profetizada há muito tempo: Foi maltratado e resignou-se: não abriu a boca, como um cordeiro que se conduz ao matadouro, e uma ovelha muda nas mãos do tosquiador (Is 53, 7). O Rei Davi havia proclamado: Amigos e companheiros rogem de minha chaga, e meus parentes permanecem longe. Os que odeiam a minha vida, armam-me ciladas; os que me procuram perder, ameaçam-me de morte; não cessam de planejar traições. Eu, porém, sou como surdo: não ouço; sou como mudo que não abre os lábios. Fiz-me como um homem que não ouve, e que não tem na boca réplicas a dar (SI 37, 12-15). Foi exatamente o que fez o Senhor.

Cansado, o sumo sacerdote decidiu perguntar-lhe diretamente o que desejava e necessitava ouvir para condená-lo a morte. Sabiam que o chamavam de Filho de Deus, e isto era para eles uma blasfêmia. Usando o nome de Deus, para que não se calasse, perguntou: Por Deus vivo, conjuro-te que nos digas se és o Cristo, o Filho de Deus? (Mt 26, 63). E esta foi a única acusação que fizeram perante Pilatos: Nós temos uma lei, e segundo essa lei ele deve morrer, porque se declarou filho de Deus (Jo 19, 7).

O Senhor foi obrigado a proclamar a verdade, honrar o nome de seu Pai, mesmo que isso o levasse a morte: Eu o sou. E vereis o Filho do homem sentado à direita do poder de Deus, vindo sobre as nuvens do céu (Mc 14, 62). Agora me veem, humilhado e preso, mas em breve me vereis como juiz do céu e da terra.

Ao ouvir a resposta, o sumo sacerdote furioso rasgou as vestes, como era costume dos judeus quando escutavam uma blasfêmia. Caifás, para agravar a cena, exagerava na dramatização, ficando com o peito desnudo. Jesus pode ver a que ponto chegava a inveja e a maldade. O velho sacerdote não pode ouvir a maior verdade de todas as verdades que o Novo e Eterno Sacerdote proclamava, preferiu chamar a verdade de blasfêmia. Quando Pedro confessou que Jesus era o Filho de Deus, fundou a Igreja; quando Caifás negou-o e chamou de blasfemo, a sinagoga foi enterrada para sempre.

Lança o olhar à volta e vê: reúnem-se todos e vêm a ti. Por minha vida, diz o Senhor, de gala te revestirás, como uma noiva te cingirás (Is 49, 18).

A igreja é a veste do Senhor, embora perseguida, está fundada sobre a fé em Jesus Cristo, Filho de Deus, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela ( Mt 16, 18). Os soldados não se atreveram a rasgar as vestes do Senhor; o sumo sacerdote rasgava as vestes com as próprias mãos. A sinagoga perdeu seu sacerdócio e culto perante a verdade da Nova e Eterna Aliança.

Escandalizado rasgou as vestes, agora era além de juiz, também testemunha de acusação: Que necessidade temos ainda de testemunhàs? Acabastes de ouvir a blasíêmia! Qual o vosso parecer? (Mt 26, 65-66). Que devemos fazer perante tal evidência? Então todos, sem exceção, julgaram merecedor de morte (Me 14, 64). Assim se cumpria o que o Senhor havia dito: o Filho do homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas. Eles o condenarão à morte (Mt 20, 18).

Os servos dos sacerdotes, ao ouvirem a sentença, cuspiram-lhe então na face, bateram-lhe com os punhos e deram-lhe tapas (Mt 26, 67). Também os sacerdotes do Sinédrio bateram e insultaram Jesus.

Estavam convencidos que o castigo era merecido, pois Cristo suportava bem. Então, se aproveitaram para vingar as críticas feitas em público sobre seus vícios e erros. Levantando-se enfurecidos das cadeiras, em que estavam indignamente como juízes, começaram a bater-lhe.

Depois, despediram-se e combinaram uma nova reunião pela manhã, onde o processo e a execução da sentença seriam validados.

O sumo sacerdote retirou-se ao seu aposento, deixando Jesus em poder dos guardas e criados; estes o levaram a um compartimento menor e ficaram a noite toda com ele. Divertindo-se escarneciam dele e davam-lhe bofetadas (Lc 22, 63), cuspiram-lhe então na face (Mt 26, 67). Estes homens vis emporcalhavam aquela face divina que os próprios anjos desejavam contemplar (l Pd 1, 12).

Maltrataram, feriram, bateram, deram pontapés e socos. Depois, cobriam-lhe os olhos (Lc 22, 64), taparam aqueles olhos para qual nenhuma criatura lhe é invisível (Hb 4, 13). Continuavam a dar bofetadas e como tinha fama de profeta, escarneciam-se: advinha, ó Cristo: quem te bateu? (Mt 26, 68). E injuriaram-no ainda de outros modos (Lc 22, 65).

Vendaram-lhe a face para se ocultarem ao seu olhar. Condenaram-se a nunca mais ver Jesus com os olhos da fé. Não devemos estranhar a maldade destes homens. Nós também fazemos o mesmo: pecamos e com nossas hipocrisias, logo queremos tapar os olhos de Deus, para que não veja a nossa maldade.

Há muito tempo uma profecia mencionava o sofrimento voluntário: Aos que me feriam, apresentei as espáduas, e as faces àqueles que me arrancavam a barba; não desviei o rosto dos ultrajes e dos escarros (Is 50,6). Mesmo assim, causa grande admiração a mansidão, a paciência e a fortaleza com que o Senhor sofreu tudo.

Provavelmente os guardas, durante a jornada de vigia daquela noite, se alternaram nas agressões, enquanto alguns descansavam, outros chegavam com novas zombarias. O Senhor não pode dormir, sofreu durante toda à noite. Para os cegos da sinagoga, o amanhecer nunca chegou, pois ficaram na escuridão para sempre.

A Paixão do Senhor, Luis de La Palma, 1624.

Este texto foi útil para você? Compartilhe!

Deixe um comentário