Se deixares a tua alma satisfazer os seus apetites, ela far-te-á a irrisão dos teus inimigos. (Ecl. XVIII, 31).
Ainda que todas as paixões se disputam, como em campo de batalha, o domínio sobre o teu coração, contudo há uma superior a todas as outras, que aspira a dominar, como senhora absoluta a tua alma.
todos os homens têm a sua paixão dominante, que é como que a roda principal, que imprime o movimento a todas as outras.
Qual é a tua? Será leviandade, ou a vanglória? Acaso a preguiça, ou a aversão ao trabalho e a todo o esforço difícil?
Talvez a sensualidade, o apetite desordenado dos deleites e comodidades materiais?
Será a vaidade, o afã de agradar, o respeito humano, a tibieza, a indiferença com Deus e com coisas divinas?
Ou será a inveja, a avareza, a falsidade, a misantropia, o espírito de independência e de contradição?
Será a pusilanimidade, a mesquinhez, a covardia?
É fácil conhecer qual delas é.
Quais são as faltas de que te acusas sempre nas confissões? Donde procedem?
Quais são as de que tens que te arrepende com mais frequência, se tens o louvável costume de examinar todos os dias as ações de cada um deles?
Examina o que é que mais facilmente te leva a trabalhar; o que é que se te representa à alma com mais frequência; o que é que todos censuram unanimemente em ti; o que é que renasce sempre no teu coração com novo vigor, dando a entender apesar das várias formas de que se reveste, que procede sempre da mesma raiz.
É de uma importância extrema combater a paixão dominante, por ser a causa de todas as desordens e rebeldias do teu coração, e o centro para onde correm todos os gérmens manifestam-se exteriormente em várias chagas envenenadas.
Se tivesses o domínio sobre a tua paixão dominante, ser-te-ia mais fácil o triunfo sobre todas as outras, e também mais duradouro: mais fácil, porque franqueada a fortaleza mais poderosa, o resto da defesa não poderia resistir; mais duradouro, porque vencido o inimigo principal, falta o vínculo que une todos os outros aliados, não podendo por isso lutar com um plano comum, nem retomar vigorosamente a ofensiva.
Pelo contrário, se deixares que esta paixão se enraíze, não tardarás em ser escrava de outras muitas.
A paixão dominante cresce e desenvolve-se com o tempo: semelhante ás plantas venenosas, atrai a si todas as más sementes da natureza viciada; propaga-se cada vez mais, e à sua sombra maléfica brota um sem número de plantas daninhas, que ela ajuda a desenvolver, emprestando-lhes o tronco para seu arrimo: desta união sai uma emanação desoladora, que cobre o teu coração.
Não: não deixes que te domine a concupiscência; converter-te-ia no escárnio dos teus inimigos (1).
Em Judas, o discípulo apóstata, está bem patente com a paixão pode ser causa da perda do homem.
A avareza converteu-o pouco a pouco em ladrão, em traidor e em suicida, transformando-o no mais infeliz dos homens: dele está escrito que mais lhe valia não ter vindo ao mundo (2). Por conseguinte, atende bem à paixão dominante.
Vela cuidadosamente sobre ela; segue-a no exame de consciência, e na preparação para a confissão. Não a percas de vista, afim de a poderes combater logo que dê novamente sinal de vida. Renova o propósito de a desenraizar, e emprega para isso os meios que te indicar o teu diretor espiritual.
Acaso não é a tua alma digna deste esforço e de outros maiores ainda?
Preferirás lamentar-te mais tarde por toda a eternidade no inferno, dizendo: Foi a fome de gozo, o orgulho, a indolência que me trouxe a este horrendo lugar?
Considerai, homens insensatos; e vós, ó néscios, sêde prudentes! (3)
A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.
(1) Ecl. XVIII, 31
(2) Mat. XXVI, 24.
(3) Salm. XCIII, 8