Concórdia fraterna – Quinto Domingo depois do Pentecostes

Ó Senhor, ensinai-me a viver em perfeita harmonia com o próximo para que as minhas orações e as minhas ofertas Vos sejam agradáveis.

1 – Este domingo poderia chamar-se o domingo da concórdia, virtude tão necessária para manter relações fraternas com o próximo. “Caríssimos – exorta-nos S. Pedro na Epístola (I, 3, 8-15) – sede todos de um mesmo coração, compassivos, amantes dos irmãos, misericordiosos, modestos, humildes”. O Apóstolo fala-nos de um modo muito prático e realista; ele sabe que, dada a nossa fragilidade e limitação, é impossível conservar a concórdia se não nos sabemos compadecer dos defeitos alheios, se não sabemos ser misericordiosos com quem nos causa dissabores, se não sabemos suportar humildemente qualquer ofensa. Aquele que, para viver em perfeita harmonia com os outros, pretendesse nunca ter de suportar nenhum aborrecimento, nenhum desgosto, não ser nunca contrariado ou incomodado, bem pouca experiência teria da realidade da vida e esqueceria que não somos puros espíritos, mas espíritos limitados pela matéria; esqueceria que “somos homens mortais, frágeis, enfermos, que transportamos vasos de barro [isto é, o corpo], causa de mútuas angústias” (Sto Agostinho), tal como vasilhas de barro que, viajando no mesmo carro, chocando umas com as outras, ocasionam prejuízo recíproco. A nossa limitação produz em nós mentalidades, gostos, interesses diferentes uns dos outros, pelo que nem sempre nos entendemos e, por vezes, mesmo sem querer e sem sombra de má intenção, cada um age em sentido oposto ao outro. O remédio para estes inconvenientes inevitáveis é o que nos sugere Sto Agostinho; se a limitação da nossa natureza nos é motivo de recíprocas amarguras, “dilatentur spatia caritatis“, dilatem-se as dimensões da caridade, ou seja, dilatemos o coração com uma caridade maior para nos sabermos compadecer e compreender mutuamente e, além disso, exercitemo-nos mais na humildade para vencermos os ressentimentos do amor próprio. mesmo que agisse contra nós por má vontade, devíamos saber perdoar-lhe, segundo a palavra do Apóstolo: “não retribuais mal por mal, nem maldição por maldição, mas, pelo contrário, bendizei… E até se alguma coisa sofreis pela justiça, sois bem-aventurados!… Mas bendizei Cristo Senhor em vossos corações.”

2 – O Evangelho (Mt. 5, 20-24), retoma e aprofunda o mesmo argumento. Em primeiro lugar, Jesus diz-nos: “Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no reino dos céus”. É uma clara alusão à nova lei do amor que Jesus nos trouxe e que supera em muito a pura lei da justiça: não podemos contentar-nos – como se contentavam os fariseus – em não causar dano no próximo, mas devemos praticar para com ele uma delicada caridade fraterna. Não basta “não matar” para fugir ao “juízo”, ensina o Mestre, pois “todo aquele que se irar contra seu irmão, será condenado em juízo”. Eis um outro aspecto da nova lei proposta por Jesus: não basta ser justo no exterior, é preciso sê-lo sobretudo no interior, ou seja, no coração; não basta evitar a ofensa externa ao próximo, mas é também necessário evitar, ou melhor, reprimir o ressentimento interior. Os fariseus, com a sua interpretação material da lei, tinham-lhe esquecido completamente o espírito, tinham esquecido que os olhos do Senhor nos olham sempre e não somente vêem o exterior, mas ainda o interior, de maneira que não se podem esconder dEle a ira e o ressentimento que se ocultam no coração. De resto, até no trato com o próximo Jesus nos pede uma grande delicadeza, exigindo que se evitem não só as ações mas também as palavras ofensivas. E Ele tem de tal modo a peito a caridade e a concórdia fraternas, que não hesita em dizer-nos: “Se estás para fazer a tua oferta diante do altar e te lembrares aí que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta… e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão”. Quanto nos ama o Senhor! “Ele – observa com sutileza S. João Crisóstosmo – não cuida sequer da Sua honra quando se trata de exigir o amor do próximo. ‘Interrompa-se embora o meu culto, diz, mas restabeleça-se a tua caridade'”. Como poderão ser agradáveis a Deus as nossas orações e as nossas oferendas, se entre nós e o nosso próximo houver qualquer coisa que impeça a perfeita concórdia?

Colóquio – “Ó Jesus, meditando as Vossas palavras, compreendi quanto o meu amor pelas minhas irmãs era imperfeito, vi que não as amava como Vós as amais. Oh! compreendo agora que a caridade perfeita consiste em suportar os defeitos dos outros, em não se escandalizar com as suas fraquezas, em se edificar com os mais pequenos atos de virtude que se lhes vêem praticar, mas sobretudo compreendo que a caridade não deve permanecer encerrada no íntimo do coração, tendo Vós dito: ‘Ninguém acende uma luz para a meter debaixo do alqueire, mas coloca-se sobre o candelabro, para que ilumine todos os que estão em casa’. Parece-me que esta luz representa a caridade que deve alumiar, alegrar, não somente os que me são mais queridos, mas todos os que estão em casa, sem excetuar ninguém.

“Ó Senhor, muitas vezes diz-se que a prática da caridade é difícil; deveria antes dizer-se que parece difícil, pois o Vosso jugo é suave e leve e, quando é aceite, sente-se imediatamente a sua doçura e exclama-se com o Salmista: ‘Corri no caminho dos Vossos mandamentos desde que me dilatastes o coração’. Nada existe, a não ser a caridade, que me possa dilatar o coração. Ó Jesus, desde que esta doce chama me consome, corro com alegria no caminho do Vosso mandamento novo… Quero correr por ele até ao dia feliz em que, unindo-me ao cortejo virginal, poderei seguir-Vos pelos espaços infinitos, cantando o Vosso cântico novo que deve ser o do amor” (T.M.J. M.C. pg. 268 e 276).

“Ó Senhor Jesus Cristo, se não tivesse nenhum outro motivo para amar o meu próximo e não só a quem me quer bem, mas igualmente a quem é contra mim, decidir-me-ia a fazê-lo unicamente em vista do preceito que nos destes, de nos amarmos uns aos outros como Vós nos amastes. Do mesmo modo que Vós, Beleza, Bondade e Perfeição infinitas, me amais a mim, um homem cheio de miséria e não me rejeitais pelos meus defeitos, assim eu, por Vosso amor, quero amar todos os meus irmãos” (cfr. Ven. João de J.M. o.c.d).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

Este texto foi útil para você? Compartilhe!

Deixe um comentário