Atenção amorosa a Deus

Ó Senhor, que a Vossa presença seja luz e força para a minha alma, seja amparo e apoio par aa minha oração.

1 – Se, através da aridez, Deus convida a alma a uma oração mais simples e mais profunda, seria absurdo querer constrangê-la a continuar na meditação que, de resto, já não conseguiria fazer. A alma deve ser encorajada a deixá-la sem escrúpulo para se aplicar a permanecer tranquila na presença de Deus, atenta a Ele num simples olhar de fé e de amor. Esteja ali a fazer-Lhe companhia, satisfeita por estar com Ele, mesmo que não tenha qualquer sentimento da Sua presença. E verá que, pouco a pouco, se habituará a esta nova maneira de fazer oração e dará conta de estar em contato com Deus de um modo, em substância, melhor que o primeiro.

Não ser perturbe, pensando que já não é capaz de amar. Na verdade, já não é capaz de amar sensivelmente, como no tempo em que se comovia ao pensar no amor de Deus por ela. Lembre-se de que o amor de caridade sobrenatural não é amor sensível, é amor de vontade e este não é preciso senti-lo. O amor sobrenatural consiste só numa íntima decisão da vontade pela qual a alma dá a Deus a preferência sobre todas as criaturas e quer consagrar-se totalmente ao Seu serviço. Este é o amor verdadeiro que conduz ao “sentido de Deus”.

S. João da Cruz ensina que, exatamente neste período de contemplação obscura e inicial que se realiza através das penas da aridez purificadora, começa a nascer na alma aquilo que ele chama amor infuso passivo, ou seja, aquele amor pelo qual vai a Deus, não só por decisão da sua vontade, mas também secretamente atraída por Ele. E assim se explica como o amor da alma, embora não seja sentido, é na realidade mais forte do que antes e impele-a a dar-se a Deus com uma decisão cada vez maior: é o próprio Deus que, atraindo-a ocultamente a Si, desperta nela o amor. Quando a alma, na oração, sofrendo pela sua impotência e aridez, receia não amar, examine-se com calma sobre este ponto, isto é, veja se, apesar de todas as dificuldades que experimenta, continua decidida a dar-se totalmente ao Senhor. E, para tornar mais concreta esta decisão, aplique-a às várias circunstâncias da sua vida, em particular àquelas que mais lhe custam. porque está privada do sentimento do amor, a alma deve esforçar-se por dar a Deus provas concretas de amor que são as obras, as virtudes praticadas para Lhe agradar.

2 – Tratando-se aqui de contemplação inicial, a alma não deve ser totalmente passiva, mas exige-se sempre dela uma certa aplicação que deve consistir em manter-se em disposições aptas para acolher a ação divina. A este respeito ensina S. João da Cruz: “aprenda pois o espiritual a estar com advertência amorosa em Deus, com sossego de entendimento… embora lhe pareça que não faz nada” (S. II. 15, 5). De fato, se se contentar com manter-se na presença de Deus num olhar de fé e de amor, a sua atenção amorosa irá encontrar-se com o conhecimento amoroso que o próprio Deus lhe vai comunicando e assim, unindo-se “notícia com notícia e amor com amor” (J.C. CV. 3, 34), tirará o máximo fruto da oração.

Este conhecimento amoroso que Deus lhe incute é fraco, delicado, e não procede nunca por via de conceitos claros e distintos, mas consiste num “sentido” geral e obscuro de Deus, que enamora a alma secretamente, sem o concurso do sentimento. Por isso, sobretudo nos princípios, não dá conta disso e, habituada como estava a proceder por via de raciocínio e de afetos sensíveis, tem a impressão de já não fazer nada. Muitas vezes quer voltar à meditação em que sentia que fazia alguma coisa. Mas S. João da Cruz põe-na de sobreaviso nesse caso: apesar dos seus esforços não alcançaria nada e o único resultado seria perturbar a ação de Deus em si. Não quer isto dizer que não deva mais servir-se de qualquer bom pensamento ou de um pouco de meditação. Uma alma atenta e delicada adverte quando, embora encontrando-se em aridez, está na presença de Deus e isto lhe basta para fazer oração; e quando, ao contrário, divaga inutilmente e tem necessidade de qualquer bom pensamento para se recolher em Deus.

Colóquio – “Meu Deus, meu Deus, porque me desamparastes? Estais longe das minhas preces e das palavras do meu clamor. Meu Deus, clamo durante o dia, não me ouvis; de noite, e não me prestais atenção. Mas Vós morais no lugar santo, ó louvor de Israel. Em Vós esperaram nossos pais, esperaram e Vós os livrastes; a Vós clamaram, foram salvos, em Vós esperaram e não foram confundidos. Eu, porém, sou um verme e não um homem… derramei-me como a água, e todos os meus ossos se desconjuntaram. O meu coração tornou-se como cera, derrete-se dentro das minhas entranhas. A minha garganta secou-se como barro cozido, e a minha língua pegou-se ao meu paladar” (Sal. 21, 2-16). Eu quereria cantar-Vos louvores, mas a minha voz extingue-se -me na garganta. Ó Senhor, quase não tenho coragem de levantar o meu desejo de Vos amar. Quereria dizer-Vos que Vos amo, mas não me atrevo, porque o meu coração é de pedra, frio e árido como o mármore. Que farei então, Senhor, em tanta aridez? Mostrar-Vos-ei a minha miséria, apresentar-Vos-ei o meu nada, as minhas impotências, a minha incapacidade e dir-Vos-ei: recordai-Vos, Senhor, de que eu sou o miserável e Vós o misericordioso, eu o doente e Vós o médico. Ó Senhor, que a consideração do meu nada não em acabrunhe, mas me lance em Vós com humildade e confiança, com reverência e abandono. Ó Senhor, que eu me conheça, que eu Vos conheça. Que eu me conheça para me desprezar e Vos conheça para Vos amar e bendizer eternamente.

Ainda que eu seja terra árida e desolada, ainda que no meu coração não haja nem uma centelha de devoção, mesmo assim quero ficar na Vossa presença, junto de Vós, para Vos dizer que, apesar de tudo, não desejo e não quero senão a Vós. “Ó Senhor, quando me encontro em tanta aridez, incapaz de rezar ou de praticar a virtude, é então o momento de procurar pequenas ocasiões, nadas, que Vos dão prazer. Por exemplo, um sorriso, uma palavra amável quando teria vontade de não dizer nada ou de mostrar um ar aborrecido. Quando não tenho ocasiões, quero ao menos dizer-Vos que Vos amo, não é difícil, e isto aumenta o fogo do amor. Ainda mesmo que me pareça extinto este fogo, quero lançar nele algumas palhinhas, pequeninos atos de virtude e de amor e estou segura de que, com a Vossa ajuda, se reacenderá” (T.M.J. Cart. 122).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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