Ó Senhor, que eu viva sempre na Vossa presença, com o olhar interior fixo em Vós.
1 – A vida de contínua oração torna-se tanto mais fácil quanto mais a alma sabe conservar durante o dia o sentido da presença de Deus. Já sabemos que Deus está sempre presente em nós, que vivemos, nos movemos e existimos nEle, mas enquanto nas horas de oração procuramos tomar cada vez mais vivamente consciência desta grande realidade, ao voltar às nossas ocupações, a consciência dessa presença vai-se desvanecendo pouco a pouco e muitas vezes surpreendemo-nos a agir como se Deus não estivesse presente em nós.
O exercício da presença de Deus consiste em procurar que, mesmo no meio dos nossos trabalhos, o Senhor esteja sempre presente na nossa mente e no nosso coração. Podemos fazer este exercício de diversas maneiras: servindo-nos de objetos externos, como uma imagem, um crucifixo que trazemos conosco ou temo em cima da mesa de trabalho e cuja vista nos levará muitas vezes o pensamento para Deus; ou ainda servindo-nos da imaginação para nos representarmos “interiormente” o Senhor, perto de nós, o que corresponde à realidade, porque, se a Humanidade de Jesus não nos está fisicamente presente, porém exerce sempre sobre nós um influxo, mesmo físico, na comunicação da graça. Podemos muito bem “representar-nos” esta ação de Jesus em nós como se Ele nos acompanhasse continuamente. Podemos ainda manter viva a lembrança de Deus, por meio de um pensamento de fé; por exemplo, posso cultivar o pensamento da contínua presença da Trindade em mim e procurar cumprir todas as minhas ações em homenagem aos Hóspedes divinos; ou posso ainda considerar os meus deveres como outras tantas manifestações da vontade de Deus e assim, ao cumpri-los, procuro unir-me a esta divina vontade; posso também exercitar-me em “ver” todas as circunstâncias da minha vida à luz da fé e portanto dispostas pela divina Providência para o meu bem. Isto levar-me-á a abraçar tudo de boa vontade, repetindo continuamente ao Pai celeste: estou contente com tudo o que Vós fazeis por mim.
2 – O exercício da presença de Deus, particularmente sugerido por Sta Teresa de Jesus aos que aspiram à intimidade divina, é aquele que se destina a manter a alma em contato com Deus, presente nela. “No meio das ocupações devemos retirar-nos em nós mesmos, diz a Santa. Ainda que seja por um só momento, o recordar que temos companhia dentro de nós, é de grande proveito” (Cam. 29, 5). Poder-se-ia objetar que este método é mais adequado para aqueles que vivem na solidão do que para os que vivem em permanente contato com os outros e todavia, a Santa aplica-o, de um modo muito prático e simples, aos que estão no segundo caso: “Se falar, procure lembrar-se que tem dentro de si mesmo com quem falar [ou seja, com Deus]. Se ouvir, lembre-se que deve ouvir a quem de mais perto lhe fala. Enfim, tenha em conta que pode, se quiser, não se apartar nunca de tão boa companhia… Se puder [recorde-o] muitas vezes ao dia, se não puder, sejam poucas” (ib. 7).
Qualquer profissional ou trabalhador pode adotar este método em todas as suas relações com o próximo. E nada impede que o use também em sentido inverso, ou seja, que o aplique à presença de Deus na alma dos outros. Se, infelizmente, nem em todos os homens Deus está sempre presente pela graça, está ao menos presente pela Sua essência, isto é, como Criador e Conservador do seu ser. Assim, um professor pode considerar sempre Deus presente nos seus alunos, um médico ou uma enfermeira, nos seus doentes, um negociante ou uma costureira, nos seus clientes, ou em qualquer outra pessoa: isto inspirar-nos-á sentimentos de benevolência, de caridade, de respeito para com todas as pessoas com que tratamos e pode levar-nos a ocupar-nos delas e a servi-las, não só para nosso proveito ou por mero sentimento do dever, mas em homenagem e em relação a Deus, que nós reconhecemos presente nelas. Em resumo, trata-se de procurar, de servir e de amar a Deus presente nos nossos irmãos. Este exercício, unido ao que foi sugerido por Sta Teresa, ajudar-nos-á eficazmente a manter-nos em contínuo contato com Deus, quer O consideremos presente na nossa alma, quer na do próximo.
“Se vos acostumardes a trazer tão bom Amigo no pé de vós – diz a Santa – e Ele vir que o fazeis com amor e andais procurando contentá-lO, não podereis, como dizem, afastá-lO de vós, nunca vos faltará” (Cam. 26, 1).
Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.