Quantos pecados, meu Deus, quantos! Um só me devia fazer tremer mas são tantos! Ah! que o coração se me parte de dor. Sou um monstro de ingratidão, que parece que só nasci para ofender a quem me criou para me fazer bem-aventurado no céu; a quem para me salvar morreu pregado em uma cruz; a quem ainda agora se quer reconciliar com esta sua ingrata criatura. Bondade infinita, quem nunca vos ofendera! Misericórdia sem limites, quem sempre vos amara! Pesa-me de vos haver ofendido com pensamentos, palavras, obras e omissões em todos os dias da minha vida. Ai de mim que tantas vezes mereci o inferno pelas ofensas que fiz contra o meu Deus.
Deus de infinita majestade, aqui tendes a vossos pés um Judas, um traidor; que tanto vos tem ofendido, mas que agora vem humildemente pedir perdão de suas traições. Senhor, não me lanceis da vossa presença. Não desprezeis um coração contrito e humilhado. Graças vos sejam dadas, porque me tendes esperado até à hora presente, quando há tanto tempo eu só merecia estar sepultado no inferno. Espero pelos merecimentos de Jesus Cristo, que pois me tendes esperado até agora, me haveis de perdoar por meio da confissão que vou fazer de todos os meus pecados. Pesa·me, Senhor, porque por eles mereci o inferno, e perdi o céu.
Mas se agora me arrependo, não é tanto por ter merecido a desgraça eterna, como porque vos ofendi, ó Bondade infinita. Eu vos amo, me arrependo de todos os ultrajes e injúrias que vos tenho feito. Faltei-vos ao respeito: abandonei-vos, desprezei a vossa graça e a vossa amizade, voluntariamente vos deixei. Perdoai-me pelo amor de Jesus Cristo: pesa-me de todo o meu coração, detesto e aborreço todos os pecados mortais e veniais que tenho cometido na minha vida. Proponho de nunca mais vos ofender. Antes morrer do que pecar.
Tempo houve, Senhor, em que eu não existia, e Vós me destes o ser: tiraste-me do lodo da terra, fazendo-me à vossa imagem e semelhança; desde o ventre de minha mãe Vós sois meu Deus, porque desde o princípio do meu ser até este dia Vós sois o meu Salvador, o meu defensor, e todo o meu bem. Formastes o meu corpo com todos os seus sentidos, e criastes a minha alma com todas as suas potências, e até agora me tendes conservado ávida com os benefícios da vossa Providência. Tudo isto, ainda que muito em si mesmo, foi pouco para vossa grandeza; mas porque tudo vos não custava muito, quisestes dar-me coisa que muito vos custasse, para me terdes mais obrigado, descestes do Céu à terra, para me procurardes por todos os caminhos, pelos quais me tinha perdido. Enobrecestes a minha natureza com a vossa humanidade: livrastes-me do cativeiro com a vossa prisão e do poder do demônio, entregando-vos nas mãos dos pecadores, e destruístes o meu pecado, tomando a forma de pecador quisestes obrigar-me com este benefício, fortificar a minha esperança com estes merecimentos e fazer-me aborrecer o pecado, mostrando-me quanto fizestes para o destruir. Lançastes brasas sobre os carvões mortos do meu coração, para que com a multidão de tantos benefícios, que neste benefício se contém, amasse eu aquele que tanto por mim fez, e que tantas provas deu de que me amava.
Eis-me aqui, Senhor, já remido: mas de que me serviria tudo isto, se eu não recebesse o Batismo? Entre tanta multidão de infiéis, que estão espalhados pelo mundo, quisestes que eu fosse do número dos fieis, e daqueles a quem tocou tão feliz sorte, como é ser vosso filho, regenerado com a água do santo Batismo: aqui fui recebido por vosso aqui se celebrou aquele maravilhoso contrato, de que Vós fôsseis meu Senhor, e eu vosso servo, Vós meu Pai, e eu vosso filho, e assim contendêssemos ambos, Vós a fazer-me ofícios de Pai, e eu serviços de filho. Que direi dos outros Sacramentos que ordenastes para remédio de meus males, fazendo medicina de minhas chagas do sangue das vossas!
Com todos estes grandes socorros foi tão grande a minha malícia, que perdi esta minha primeira graça da inocência, e foi tão grande a vossa misericórdia, que até agora me tendes sofrido. Ó esperança minha, e meu remédio, como posso eu lembrar-me sem lágrimas, de quantas vezes me podia surpreender a morte, em todo aquele tempo que tão mal gastei? Quantos milhares de almas ardem agora no inferno, talvez por menos pecados, que os que eu tenho cometido, e eu não ardo! Que seria de mim se a morte me arrebatasse então, como a outros muitos fez? Que rigoroso juízo me estava preparado, se a justiça divina me encontrasse em flagrante delito? Quem atou então as mãos à vossa justiça? Quem pediu por mim, quando eu dormia em pecado? Quem suspendeu o castigo do vosso furor, quando os meus pecados o provocavam? Que vistes em mim para me fazer de melhor condição, que aqueles a quem a morte encontrou no meio dos perigos e fervor da mocidade? Os meus pecados gritavam contra mim, e Vós vos fazíeis surdo aos seus clamores, minha malícia crescia todos os dias contra Vós, e todos os dias crescia a vossa misericórdia para comigo, eu a pecar e Vós a esperar-me, eu a fugir-vos, e Vós a procurar-me: eu cansado de ofender-Vos, e Vós nunca de esperar-me: e como se os meus pecados fossem serviços e não ofensas, no meio deles recebia de Vós muito boas inspirações e piedosas repreensões, que condenavam a minha dissolução. Quantas vezes me dizeis ao coração: tu te tens prostituído com muitos amantes, mas volta-te a mim, que eu te receberei. Quantas vezes me chamáveis com estas e outras amorosas palavras, com temores de uma morte repentina, e com rigor da vossa justiça, pelos avisos e conselhos dos confessores e pregadores, dos parentes e amigos, com ameaças, castigos, doenças, pobrezas? tapando-me todas as saídas, como fazem os caçadores às feras, para que vos não pudesse fugir: e eu cada vez mais teimoso e ingrato, vos voltava as costas, servindo-me da língua, das mãos, dos pés e de todos os membros de meu corpo, que com a vossa Onipotência conserváveis e regíeis, para ofender-vos e desprezar-vos: Andávamos a porfia, Vós a fazer-me bens e eu a fazer-vos quantos males sabia e podia.
E como se os meus pecados não bastassem, convidei e provoquei a outros, para fazerem o mesmo com minhas lisonjas e promessas, e ações escandalosas: até cheguei a gloriar-me dos pecados que fazia, como de proezas minhas. Ah! meu Deus, e como se não abriu a terra debaixo de meus pés, para engolir-me vivo! Como me não consumistes com um raio! Quem dará lágrimas a meus olhos, para que se tornem em duas fontes de água viva, e eu possa chorar as injúrias que fiz ao meu Senhor, ao meu Pai.
Socorrei-me, meu Deus, dai-me a vossa graça para que confesse bem minha injustiça contra vós. Conheço verdadeiramente que não mereço aparecer na vossa presença, nem levantar os olhos para vos ver: mas para onde hei de ir? Para onde fugirei da vossa presença? Não sois vós o meu Pai e Pai de misericórdia sem limites? Sei, que ainda que tenha deixado de ser vosso filho, Vós nunca deixastes de ser Pai e ainda que eu tenha feito coisas, pelas quais me podia condenar, nem por isso Vós perdestes o modo pelo qual me podeis salvar. Que outra coisa posso eu fazer, se não lançar-me a vossos pés, e pedir misericórdia? Não sois vós o meu Criador, o meu Governador, meu Libertador, meu Rei, meu Pastor, meu Sacerdote, meu Sacrifício? Para onde hei de ir, para onde hei de fugir, se não para Vós? Se me lançardes fora de Vós, quem me há de receber? Reconhecei, Senhor, esta vossa ovelha desgarrada. Se estou ferido, Vós me podeis curar; se cego, Vós me podeis alumiar; Se morto, Vós me podeis dar vida; se leproso, Vós me podeis limpar. A vossa misericórdia é maior que a minha culpa, maior a vossa clemência, que a minha malicia, mais podeis Vós perdoar, que eu pecar. Senhor, não olheis para a multidão de meus pecados, mas sim para a grandeza das vossas misericórdias; Vós que viveis e reinais para sempre. Amen.
A Prática da Confissão ou Instrução Completa de Quanto é Necessário ao Cristão saber para se Confessar bem, por Monsenhor Silvério Gomes Pimenta, 1888.
Última atualização do artigo em 16 de março de 2025 por Arsenal Católico