Bem-aventurados os puros de coração

Aumentai, Senhor a pureza do meu coração e da minha mente, para que possa conhecer-Vos cada vez melhor.

1 – “Bem-aventurados os limpos de coração porque verão a Deus” (Mt. 5, 8). Esta bem-aventurança corresponde ao dom de entendimento. Há uma pureza de coração que é indispensável para obter um abundante influxo do dom de entendimento; é a pureza que resulta não só da ausência do pecado, mas também da ausência das menores afeições terrenas. De fato, Deus não Se comunica totalmente a uma criatura se esta não possui uma total pureza de coração, isto é, se não reserva para Ele toda a sua capacidade afetiva. Enquanto houver em nós algum apego às criaturas, alguma busca do seu afeto, alguma complacência em nos sentirmos amados por elas, o nosso coração não está suficientemente puro para gozar das comunicações divinas. Por isso, antes de levar uma alma a penetrar nos Seus mistérios, Deus submete-a à purificação dos afetos: são desapegos, separações que por vezes custam sangue, mas que, generosamente aceites, acabam por desprender o coração das criaturas, deixando-o completamente livre para o Criador. Se Deus nos faz passar por estas provas, não nos esquivemos, não fujamos à Sua ação, mas secundemo-la, na certeza de que Ele reserva a plenitude dos Seus dons e da Sua luz só às almas isentas de toda a sombra de criatura, só aos corações que Lhe pertencem completamente. Neste sentido pode dizer-se que a visão de Deus é o prêmio prometido aos puros de coração; com efeito, quando o coração conserva algum apego, embora mínimo, às criaturas, o entendimento permanece obscurecido e “não tem capacidade para receber a ilustração da sabedoria de Deus, como tão pouco a tem o ar para receber a iluminação do sol… Oh! – exclama S. João da Cruz – se os homens soubessem de quantos bens de luz divina os priva esta cegueira causada pelos afetos e apetites!” (S. I, 8, 2 e 6). Pelo contrário, quando o coração está limpo, então o entendimento, semelhante a um vidro transparente, pode ser inteiramente penetrado pela luz do Espírito Santo.

2 – Há além disso, outra pureza de coração que já não é disposição para receber o dom de entendimento, mas que, pelo contrário, é fruto deste dom. A palavra coração há de entender-se aqui no sentido mais amplo de espírito, de mente; é sentido habitual na Sagrada Escritura.

A nossa mente é tão grosseira que facilmente podemos errar ao pensar nas coisas divinas, imaginando-as de um modo material à semelhança das terrenas, interpretando-as segundo os nossos pontos de vista pessoais, encarando-as apenas sob um aspecto particular, descurando os outros essenciais, e assim por diante. Infelizmente, foi assim que surgiram tantas heresias na Igreja. O dom de entendimento, comunicando-nos a própria luz do Espírito Santo, purifica a nossa mente destes erros, livra-a dos enganos da fantasia bem como de todas as outras falsas interpretações. Graças a esta pureza de espírito, o dom de entendimento garante a integridade da nossa fé, faz-nos penetrar na realidade objetiva dos mistérios divinos, dá-nos o verdadeiro sentido da lei do Senhor, dos mandamentos e dos conselhos. Por outro lado, este dom, fazendo-nos penetrar nas coisas divinas por meio da luz infusa do Espírito Santo, faz-nos compreender perfeitamente que Deus não pode ser encerrado nas nossas grosseiras imaginações nem mesmo nas nossas acanhadas ideias, mas está infinitamente acima de tudo o que podemos pensar ou imaginar dEle. “olha que Deus é inacessível, não repares portanto no que as tuas potências podem compreender, nem teu sentido sentir para que não te satisfaças com menos e perca a tua alma a leveza precisa para ir a Ele” (Am. I, 52).

Se queremos secundar as inspirações do dom de entendimento, devemos estar desapegados das nossas ideias e dispostos a renunciar a elas, muito embora nos sejam queridas; não devemos star muito seguros da nossa maneira de entender as coisas de Deus, mas devemos procurar o controle da Igreja; sobretudo, devemos pedir humildemente o dom de entendimento para que nos livre dos erros e nos dê o conhecimento exato das coisas divinas.

Encontrado em nós um espírito puro, o Espírito Santo iluminar-nos-á cada vez mais. A maior pureza corresponderá maior luz e vice-versa; desta maneira, de claridade em claridade, chegaremos a uma penetração mais profunda dos mistérios divinos que nos dará algo de antegozo da visão beatífica. “Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus”!

Colóquio – “Ó Senhor, dai-me sentimentos retos para conVosco e fazei que eu Vos procure com simplicidade de coração. O meu coração diz-Vos: ‘Eu buscarei o Vosso rosto’. Busco a Vossa presença, ó Senhor, quando Vos procuro com o meu coração. Vós residis onde habitais, e onde habitais senão em Vosso templo? O Vosso templo é o nosso coração: ensinai-me de que maneira Vos devo acolher. Vós sois espírito, e é necessário que Vos adore em espírito e verdade.

“Entrai no meu coração e todos os ídolos cairão por terra.

“Agora escutarei a Vossa voz e aprenderei a desejar-Vos; aprenderei a preparar-me para Vos poder contemplar. Bem-aventurados todos aqueles que vos vêem! E se Vos vêem não é por durante a vida terem sido pobres de espírito nem por terem sido mansos e misericordiosos ou por terem chorado ou tido fome e sede de justiça, mas porque foram puros de coração. Boa é a humildade para alcançar reino dos céus, boa a mansidão para possuir a terra, bom o pranto para ser consolado, boa a fome e sede de justiça para ser saciado, boa a misericórdia para obter misericórdia; mas é a pureza de coração que nos permite ver-Vos.

“Eu quero ver-Vos, Senhor; grande coisa é o que eu quero, mas sois Vós que me dizeis que o queira. Ajudai-me a purificar o meu coração, porque é puro o que eu desejo ver e impuro o meio com que o desejo ver. Vinde a mim, Senhor, e purificai-me com a Vossa graça; purificai o meu coração com os Vossos auxílios e os Vossos confortos. Se eu Vos receber no meu coração durante esta vida, Vós me admitireis na Vossa presença depois da minha morte” (S.to Agostinho).

“Vinde, Espírito Santo e falai sempre ao meu coração ou, ao menos, se Vos aprouver calar-Vos, fale-me o Vosso próprio silêncio, porque sem Vós estou sempre em perigo de seguir os meus erros e de os confundir com os Vossos ensinamentos” (cfr. S. Bernardo).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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