Comentário Apologético do Evangelho Dominical – 2º Domingo do Advento
EVANGELHO – (Math. XI 2-10)
2. Naquele tempo, estando João no cárcere, como tivesse ouvido as obras de Cristo, enviou dois de deus discípulos a dizer-lhe:
3. És tu o que hás de vir ou devemos esperar outro?
4. E respondendo Jesus disse-lhes: Ide e contai a João o que ouvistes e vistes.
5. Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, os pobres são evangelizados.
6. E bem-aventurado aquele que não encontrar em mim motivo de escândalo.
7. E tendo eles partido, começou Jesus a falar de João ás turbas: Que fostes ver no deserto? Uma cana agitada pelo vento?
8. Mas, que fostes ver? Um homem vestido de roupas delicadas? Mas os que vestem roupas delicadas encontram-se nos palácios dos reis.
9. Mas que fostes ver? Um profeta? Sim, vos digo eu, e ainda mais do que profeta.
10. Porque este é aquele de quem está escrito: Eis que eu envio o meu anjo adiante de ti, o qual preparará o caminho diante de ti.
COMENTÁRIO APOLOGÉTICO
Razão e Revelação
Lendo com atenção o Evangelho de hoje, notamos que ele é a expressão de certa inquietação.
Os discípulos de João Batista querem saber se jesus é o Messias esperado, ou se devem esperar por outro.
Jesus responde a estas dúvidas, mostrando as suas obras, para que o julguem conforme estas obras.
Domingo passado, provamos a existência de Deus: hoje demos mais um passo avante e respondamos à mesma inquietação que nos invade a respeito de Deus.
Deus existe: é certo, mas podemos nós pelas luzes da nossa razão conhece-lo plenamente, ou precisamos de outra luz para penetrar os seus aparentes segredos?
Resolvamos esta dúvida, examinando:
1º O que pode a razão humana.
2º O que não pode por si mesma.
Será um duplo raio de luz lançado sobre o grande mistério da união da razão e da revelação.
I. O QUE PODE A RAZÃO HUMANA
A nossa razão pode dar-nos umas noções sobre Deus, porém, muito limitadas e incompletas.
A nossa razão é muito limitada. Ela é para as coisas intelectuais o que é o nosso olhar para as coisas materiais: vê apenas certas coisas e não perscruta nada até no fundo.
A nossa razão é finita: Deus é infinito, de modo que podemos ver apenas o que está ao nosso alcance, todo o resto nos escapa.
Remontado da sua própria existência e da das criaturas, a nossa razão pode conhecer a existência de Deus, o seu poder criador; e refletindo, pode formar-se uma idéia de certos atributos de Deus, como a sua unidade, sua eternidade, sua justiça, bondade, etc.
Temos, pois uma idéia de Deus; e notemos que tal idéia é já uma prova da existência de Deus, pois o homem é incapaz de ter a idéia de uma coisa inexistente, em partes ou em seu todo.
Deus assim concebido permanece, entretanto, um ser incompreensível, misterioso:
a) em sua natureza, que ultrapassa infinitamente toda natureza criada;
b) em suas perfeições, que incluem todas as perfeições;
c) em seus decretos que são impenetráveis;
d) em suas obras que o manifestam, mas não o mostram senão velado, misterioso.
A nossa razão precisa, pois, de um auxílio, que lhe permita penetrar mais no fundo das verdades entrevistas, do mesmo modo como a nossa vista, para enxergar o que ultrapassa o seu raio visual, precisa de um instrumento, para penetrar além.
O olho nu vê certas coisas, com um binóculo vê mais longe; com uma longa vista penetra mais além ainda.
Este auxílio, este instrumento que nos permite ver mais longe, mais claramente, chama-se revelação divina, ou a voz de Deus, explicando-nos o que não compreendemos.
II. O QUE NÃO PODE A RAZÃO
A razão, como acabamos de ver, tem o seu círculo visual determinado e limitado. Existência de Deus, imortalidade da alma, princípios da lei natural: eis o seu horizonte.
Para conhecer as verdades de ordem sobrenatural a razão precisa absolutamente de uma voz reveladora, e esta voz chama-se: a revelação.
Deus, diz o apóstolo, tendo falado outrora muitas vezes, e de muitos modos a nossos pais pelos profetas, ultimamente, nestes dias, falou-nos por meio de seu Filho (Hbr. I. 1-2).
Esta voz de jesus Cristo ensinando-nos a verdade, é o caminho sobrenatural, um como complemento do caminho natural da razão.
Há sobretudo três verdades importantes que a nossa razão não pode conhecer, são:
A origem das misérias humanas.
Os meios de expiação.
Os destinos futuros do homem.
Para estas verdades a revelação é absolutamente necessária.
Ela é moralmente necessária para serem plenamente conhecidos e com certeza os preceitos da lei natural, que devem guiar a nossa vida e os quais a razão pode apenas distinguir vagamente.
Antes do pecado original, os nossos primeiros pais conheciam perfeitamente o bem o e o mal; depois do pecado a razão humana ficou obscurecida, enfraquecida e como paralisada pelas paixões que nos dominam, falsificam a nossa vista intelectual, e nos fazem tomar o mal pelo bem e o bem pelo mal, como dizia o apóstolo: O homem faz às vezes o mal que não quer, e não faz o bem que quer. (Rom. VII, 19).
É um fato de experiência que um povo sem sacerdotes para instruí-lo e exortá-lo cai inevitavelmente na ignorância das verdades da ordem natural.
É preciso que os princípios da lei natural lhe sejam, vez ou outra, claramente formulados, frequentemente repetidos e incutidos com vigor, senão, em breve, ficam alterados ou esquecidos.
“Deixem uma paróquia sem sacerdote, dizia o santo Cura d’Ars, durante vinte anos, os seus habitantes adorarão os animais!”
O povo precisa ser instruído até nos princípios da lei natural; com quanto mais razão nos da lei sobrenatural.
III. CONCLUSÃO
Eis pois duas verdades bem esclarecidas: a nossa razão enfraquecida pode conhecer a existência de Deus e umas outras verdades elementares, porém, tudo bastante superficialmente; para um conhecimento total, sobrenatural, precisamos do auxílio da revelação divina.
As consequências desta revelação em nossa razão são imensas e admiráveis.
É a revelação que reforma as ideias falsas, retifica as idéias inexatas, esclarece as idéias confusas, tornando impossíveis a inquietação e a dúvida.
A razão nos mostra que a alma é incorruptível; a fé nos diz que é imortal.
A razão indica uma vida futura; a fé nos dá uma promessa positiva da mesma.
A razão entreve recompensas e castigos; a fé nos mostra a sua extensão e natureza.
A razão vislumbra um destino futuro; a fé no-lo apresenta luminoso e indica os meios de adquiri-lo.
A razão nos esmaga sob o peso de nossas misérias; a fé nos levanta pela misericórdia divina.
Em suma: A revelação satisfaz todas as aspirações do homem:
O nosso espírito precisa de uma doutrina certa: a revelação lh’a dá.
Ele precisa de um código moral: a revelação lh’o fornece.
Ele precisa de uma lei social de caridade: a revelação lh’a ministra.
Ele precisa de conselhos de perfeição: a revelação lh’os dá.
EXEMPLOS
Resposta de um Filósofo
Pode-se definir Deus… porém toda definição é humana e incompleta.
Um dia uma comissão de estudantes foi ter com o seu professor de filosofia, pedindo lhes dissesse claramente o que é Deus.
– Pensarei, respondeu este, voltem depois de uma semana.
Oito dias depois a comissão está de novo com o seu professor, pedindo a resposta.
– Pensarei, voltem depois de uma semana.
Após uma semana, nova pergunta, e idêntica resposta.
– Mas, exclamaram os estudantes, é sempre a mesma resposta… até quando devemos voltar depois de oito dias?
– Até ao fim da vida, respondeu o filósofo, pois Deus é tão grande que é impossível fazer dele uma definição perfeita.
Morte de Garcia Moreno
Garcia Moreno era Presidente da República do Equador.
Católico fervoroso, tinha atraído o ódio da maçonaria, que resolveu suprimi-lo.
Em 6 de Agosto de 1875, Garcia tinha comungado antes de abrir solenemente a sessão legislativa.
Neste mesmo dia caiu assassinado pelos sicários… e caindo exclamou:
– Deus não morre! E exalou o último suspiro.
Comentário Apologético do Evangelho Dominical com Exemplos para Homilias, Sermões e Conferências. Pe. Júlio Maria, Missionário de N. Senhora do Smo. Sacramento, 1940.
Última atualização do artigo em 16 de janeiro de 2025 por Arsenal Católico