Santa Cecília, Mártir

Santa Cecília, Mártir († Século III)

SANTA CECÍLIA, da nobre família romana dos Metellos, embora vivendo num meio pagão, tinha bem cedo recebido de Deus a graça de conhecer a religião de Cristo. Os dotes físicos e morais da jovem parecem ter sido extraordinários. Adepta fervorosa da nova doutrina, o coração virginal, como uma flor aos primeiros raios do astro solar, abriu-se lhe a luz que veio para iluminar os homens. O nobre caráter, quanto mais repugnância sentia das abominações pagãs, tanto mais se deixava encantar pela beleza da religião de Jesus. Para nada mais recear do mundo mal, dedicou todo o amor unicamente a Jesus Cristo, com quem, como a fidelíssimo Esposo, se ligou pelo voto de castidade. Tinha uma convicção religiosa tão profunda, dedicação à causa de Jesus tão sincera, que nenhum segundo teria hesitado em sacrificar a vida, se as circunstâncias o exigissem. Estudava dia e noite o santo Evangelho, de onde se lhe pode deduzir não só o ardente desejo de conhecer cada vez melhor o grande Mestre, o bom Jesus de Nazareth, mas também a resolução firme de modelar o coração pelo Coração divino, nas virtudes, nas aspirações, no amor. Quando os pensamentos se lhe concentravam no objeto do seu amor, Jesus Cristo e a única aspiração que nutria era ser cristã perfeita, os pais de Cecilia, sem que a filha o soubesse, prometeram-na em casamento a um jovem patrício romano, chamado Valeriano. Se bem que tivesse alegado os motivos, que a levavam a não aceitar este contrato, a vontade dos pais se impôs de maneira a tornar-lhe inútil qualquer resistência. Assim se marcara o dia do casamento e tudo estava preparado para o grande acontecimento. Da alegria geral, que se estampava nos rostos de todos, só Cecília fazia exceção. A túnica dourada e o alvejante peplo que vestia, não deixava adivinhar que por baixo existia o cilicio e no coração lhe reinasse tristeza. Cecília tinha posto toda a confiança em Deus. Um jejum de três dias tinha-lhe servido de preparação para a festa e em preces ardentes tinha pedido ao divino Esposo que lhe defendesse a virgindade. No mesmo empenho tinha-se dirigido à Ss. Virgem e ao santo Anjo da Guarda.

Estando só com o noivo, disse-lhe Cecilia com toda amabilidade e não menos firmeza: “Valeriano, acho-me sob a proteção direta de um Anjo, que defende e guarda minha virgindade. Não queiras, portanto, fazer coisa alguma contra mim, o que provocaria a ira de Deus contra ti.” A estas palavras incompreensíveis para um pagão, Cecília fez seguir-se a declaração de ser cristã e obrigada por um voto que tinha feito a Deus, de guardar a pureza virginal. Disse-lhe mais que a fidelidade ao voto trazia a benção, a violação, porém, o castigo de Deus. Valeriano, vivamente impressionado com as declarações da noiva respeitou-lhe a virtude, mas manifestou desejo de ver aquele Anjo, a que Cecília se referira, prometendo crer em Jesus Cristo e sua doutrina, se este desejo fosse cumprido. Cecília respondeu-lhe que isto só seria passível, se si resolvesse a receber o batismo. O jovem não opôs a mínima resistência e pediu à noiva, que lhe proporcionasse ocasião de ser batizado. Cecília fê-lo dirigir-se ao Papa Urbano, o qual bondosamente o recebeu, instruiu-o na santa religião e lhe conferiu o sacramento do Batismo. Feito cristão, Valeriano voltou para a casa e encontrou a noiva em oração. Qual não lhe foi a surpresa, quando de fato viu ao lado de Cecília um Anjo, rodeado de celestial esplendor. Uma alegria, antes nunca experimentada, invadiu-lhe o coração, e de pasmo e estupefação, não pode proferir palavra. Historiadores antigos falam de duas esplêndidas coroas de rosas e lírios, de que o Anjo teria cingido os esposos, exortando-os à perseverança. Ambos se prostraram por terra, agradecendo a Deus as graças extraordinárias, que tinham recebido.

Valeriano relatou ao irmão Tibúrcio o que se tinha passado e conseguiu que também este se tornasse cristãos. Também a Tibúrcio foi dado ver o Anjo, de que Valeriano e Cecília lhe tinham falado.

Não pôde ficar em silencio a conversão dos dois irmãos. Almachio, Prefeito de Roma, logo que dela teve conhecimento, citou-os perante o tribunal e exigiu peremptoriamente que abandonassem, sob pena de morte, a religião que tinham abraçado. Diante da formal recusa, foram condenados à morte e decapitados. Também Cecília teve de comparecer na presença do irredutível juiz. Antes de mais nada, foi intimada a revelar onde se achavam escondidos os tesouros dos dois sentenciados. Cecília respondeu-lhe que os sabia bem guardados, sem deixar perceber ao tirano que já tinham achado destino, nas mãos dos pobres. Almachio, mais tarde cientificado deste fato, enfureceu-se extraordinariamente e ordenou que Cecília fosse levada ao templo e obrigada a render homenagens aos deuses. De fato, foi conduzida ao lugar determinado, mas com tanta convicção falou Cecília aos soldados da beleza da religião de Cristo, que os soldados que a escoltavam, se declararam a seu favor e prometeram abandonar o culto dos deuses. Almachio, vendo novamente frustrado o estratagema, deu ordem para que Cecília fosse fechada na instalação balnearia do seu próprio palacete e asfixiada pelo vapor d’agua, de temperatura artificialmente elevada acima do normal. Cecília experimentou uma proteção divina extraordinária e embora a temperatura tivesse sido elevada a ponto de tornar-se intolerável, a serva de Cristo nada sofreu. Almachio recorreu então à pena capital. Três golpes virou o algoz, sem conseguir separar a cabeça do tronco. Cecília, mortalmente ferida, caiu por terra e ficou três dias nesta posição. Aos cristãos que a vinham visitar, dava bons e caridosos conselhos. Ao Papa entregara todos os bens com o pedido de distribui-los entre os pobres. Outro pedido fora de transformar-lhe a casa em igreja, o que se lhe fez logo depois da morte. No terceiro dia a bela alma uniu-se-lhe ao divino Esposo. O corpo, vestido de túnica imperial, foi enterrado no novo cemitério, perto da “via Appia”.As diversas invasões dos Godos e Lombardos fizeram com que os Papas resolvessem a trasladação de muitas relíquias de Santos para as igrejas. O corpo de Santa Cecília ficou muito tempo escondido, sem que se lhe soubesse o jazigo. Uma aparição da Santa ao Papa Pascoal I (817-824) trouxe luz sobre este ponto. Achou-se o caixão de cipreste, que guardava as preciosas relíquias. O corpo foi encontrado intacto e na mesma posição em que tinha sido enterrado. O esquife foi fechado num ataúde de mármore e depositado no altar de Santa Cecília. Ao lado da Santa acharam repouso os corpos de Valeriano, Tibúrcio e Máximo. Em 1590 foi aberto o túmulo de Santa Cecília e o corpo encontrado ainda na mesma posição descrita pelo Papa Pascoal.

A Igreja ocidental, como a oriental, teve em grande veneração a gloriosa Mártir, cujo nome figura no Cânon da Santa Missa. O ofício da Festa traz como antífona um tópico das atas do martírio de Santa Cecília, as quais afirmam que a Santa, nos festejos do casamento, ouvindo o som dos instrumentos musicais teria elevado o coração a Deus nestas piedosas aspirações: “Senhor, guardai sem mancha meu corpo e minha alma, para que não seja confundida.” Desde o século XV Santa Cecília é considerada Padroeira da música sacra.

REFLEXÕES

Como das demais artes, também da música a Igreja se serve para abrilhantar o culto divino. Objeto mais digno que o próprio Deus, as artes não podem ter, sendo Ele a fonte de tudo que é belo, de tudo que é perfeito. A música, para ser admitida no serviço de Deus, deve tornar-se digna desta grandiosa vocação. Para Deus só o melhor, para o culto divino só o que há de mais perfeito. Há uma música profana, uma música religiosa e uma música sacra. A primeira é a arte do mundo, mais ou menos aparatosa, mais ou menos artística, destinada a deliciar os ouvidos e a abrilhantar as festividades do mundo. É a música que se ouve nos teatros, nos concertos, nas festas profanas e nos lugares de divertimentos. Esta espécie de música não serve para o culto divino e dele está excluída por princípio. Há ainda a música religiosa, uma espécie de música, que bem difere da primeira, já mencionada. É uma música mais suave, que mais ou menos traduz os enleios religiosos e os da alma; são composições muitas vezes diversas, que objetivam assuntos religiosos. Esta espécie de música dispõe dos recursos e dos meios de expressão da música profana e dela tira o que precisa, para exprimir o colorido do caráter que lhe é próprio. Há músicas religiosas que podem ser admitidas nas igrejas, o que depende do exame consciencioso de quem é competente na matéria. A música sacra é a música própria da Igreja, a música Litúrgica, autêntica e aprovada oficialmente. A Igreja faz questão em ver observadas suas determinações relativas à música sacra; e grande é a responsabilidade das autoridades eclesiásticas neste particular. A música na Igreja não deve visar outra coisa senão a glória de Deus e a edificação dos fiéis. Admitir músicas profanas e indignas no culto divino, é pecado, por ser uma profanação do templo de Deus e um escândalo para os fiéis. Aqueles que devem interessar-se mais de perto pela música sacra, não podem deixar de ler e estudar o Motu proprio de Pio X sobre a música sacra, documento de alto valor, que é considerado o código musical da Igreja católica.

Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.

Este texto foi útil para você? Compartilhe!

Deixe um comentário