A leitura meditada

Ó Senhor, ensinai-me a procurar-Vos, mesmo quando tenho o coração árido e o espírito distraído.

1 – A oração vocal bem feita é o modo mais simples de nos entretermos com Deus. Mas, ao progredir na vida espiritual, é lógico que a alma sinta necessidade duma oração interior, mais íntima, orientando-se assim, espontaneamente, para a oração mental. Se se apodera dela o atrativo divino, infundindo-lhe uma certa devoção sensível, a alma não tem dificuldade nenhuma em se recolher em Deus e este exercício torna-se-lhe fácil e suave. Mas sucede-lhe exatamente o contrário se a alma é abandonada a si mesma e isto com tanta maior intensidade quanto a excessiva mobilidade da sua fantasia a torna quase incapaz de fixar o pensamento num assunto determinado. Sta Teresa nota que não são poucos aqueles que sofrem destas contínuas divagações, que “vão para aqui e para ali sempre com desassossego: é a sua mesma natureza ou Deus que o permite” (Cam. 19, 2).

Todos os que se encontram em semelhantes condições, são facilmente tentados a abandonar a oração mental, pois se lhes tornou tão pesada que mantê-la é empresa quase impossível. A Santa porém, é de outro parecer e ensina com insistência que também estas almas podem aplicar-se a ela com fruto, se bem que consiste em servir-se da leitura. “O livro – diz ela – ajuda muito a recolherem-se, é lhes necessário; portanto, leiam, embora seja pouco” (Vi. 4, 8).

Não se trata certamente de passar o tempo da oração mental em contínua leitura, mas de se servir de um livro devoto do qual se tira, de tempos a tempos, um bom pensamento que sirva para se recolher em Deus, para se pôr em contato com Ele. Sta Teresa do Menino Jesus, que sofria habitualmente de aridez, serviu-se muito deste método. “Nesta impotência – diz ela – a Sagrada Escritura e a Imitação acodem em meu auxílio; nelas encontro alimento sólido e absolutamente puro. Acima de tudo é o Evangelho que me ocupa durante as minhas orações, nele encontro tudo o que é necessário à minha pobre alminha. Ali encontro constantemente novas luzes, sentidos ocultos e misteriosos!” (M.A. pg. 213).

2 – Sta Teresa de Jesus – que antes de ser elevada aos altos estados de contemplação, conheceu durante muito tempo a aridez e o tormento dos pensamentos importunos durante a oração – confessa: “Estive mais de quatorze anos que não podia ter sequer meditação sem me servir do livro… Com este começava a recolher os pensamentos perdidos e mergulhava na oração com prazer… Muitas vezes, em abrindo o livro, não era preciso mais. umas vezes lia pouco, outras muito, conforme a mercê que o Senhor me fazia” (Cam. 17, 3; Vi. 4, 9).

Acima de tudo é importante escolher um livro próprio para despertar a devoção, como são de modo geral os escritos dos Santos. Habitualmente será preferível um livro já lido, cuja eficácia experimentamos e no qual talvez tenhamos assinalado as passagens que mais nos impressionaram, pois com um livro novo encontrar-nos-emos um pouco desorientados e até expostos à tentação de ler por curiosidade. Também é necessário evitar a escolha de autores demasiado especulativos e recorrer antes aos mais práticos, mais afetivos, pois não se trata de instruir-se ou de estudar, mas de fazer oração, a qual consiste muito mais no exercício do amor do que no trabalho do espírito. Ler-se-á aquilo que for suficiente para pôr a alma em estado de se entreter com Deus. Portanto, logo que o que tivermos lido – e pode ter sido só uma frase – suscite em nós bons pensamentos e santos afetos capazes de ocupar devotamente o nosso espírito, é preciso suspender a leitura e voltarmo-nos diretamente para o Senhor para meditar na Sua presença os pensamentos lidos, para saborear em silêncio a devoção que nos despertou no coração, ou para Lhe dirigir os afetos que a leitura nos inspirou. Mais ou menos como fazem os pássaros quando bebem: inclinando a cabeça par a água, sorvem uma gota, e depois, levantando o bico para o céu, engolem-na pouco a pouco; depois recomeçam. assim também nós: inclinamos a cabeça para o livro devoto para recolher alguma gota de devoção, e depois levantamo-la para Deus, deixando que o nosso espírito fique todo impregnado por ela. Desta maneira não será difícil que a oração, iniciada com a leitura, termine num colóquio íntimo com Deus.

Colóquio – Ó Senhor, ensinai-me a procurar-Vos! Não Vos escondais dos meus olhos porque eu tenho necessidade de Vos encontrar, de falar conVosco, de me aproximar de Vós, Amor infinito, para ser inflamado e atraído por Vós.

“Portanto eu, cinza e pós, hei de falar-Vos, meu Senhor? Sim, deste vale de lágrimas, deste lugar de exílio, atrevo-me a levantar os olhos e a fixá-los em Vós, Bondade suprema! E como os servos e as servas fiéis esperam atentamente o mais leve sinal dos seus senhores, assim eu tenho os olhos fixos nas Vossas mãos, Senhor, suplicando-Vos que useis de misericórdia para comigo.

“Ó bom Deus, tende misericórdia de mim que sou obra das Vossas mãos. Visto que só por mim sou incapaz de formular um bom pensamento, que tudo o que tenho me vem de Vós e que nem sequer posso invocar dignamente o Vosso nome sem o auxílio do Espírito Santo, peço-Vos que seja do Vosso agrado enviar-me o Vosso Espírito a fim de que lá do alto dos céus brilhem sobre mim os raios da Vossa luz. Vinde, Espírito dulcíssimo; vinde, Pais dos pobres; vinde, Dispensador das graças; vinde, Luz dos corações; vinde, Consolador incomparável, doce hóspede e refrigério das nossas almas. Vós sois repouso na fadiga, orvalho no estio, consolação no pranto. Ó luz beatíssima, enchei todos os recônditos do meu coração” (cfr. S. Pedro de Alcântara).

Ó Senhor, iluminai o meu entendimento, porque sem a Vossa luz, sem o Vosso Espírito, até os livros mais devotos me deixarão frio e árido e serão incapazes de me falar de Vós. Quando, porém, Vós vindes em meu auxílio e me concedeis a Vossa graça interior, então tudo se ilumina com uma luz nova e até as palavras mais simples servem para alimentar a minha alma. Concedei-me, pois, ó Senhor, esta graça, sem a qual nenhuma leitura, por mais sublime que seja, pode inspirar-me devoção, nenhum raciocínio, por mais elevado que seja, pode mover o meu coração a amar-Vos e a minha vontade a praticar o bem.

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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