São Bruno, filho de nobre família de Colônia (Renânia), nasceu no ano de 1035. Desde a infância trazia Bruno o cunho de uma alma eleita, o que se lhe manifestava na aversão a tudo que era leviano, na prudência, modéstia e predileção para tudo que era de Deus e de seu santo serviço.
Tendo a idade própria, frequentou a escola de S. Cuniberto, na qual fez tão brilhantes progressos, que o Arcebispo de Colônia, Santo Hanno, não hesitou em recebe-lo entre os clérigos e mais tarde lhe oferecer um canonicato. Morto o Arcebispo, Bruno aceitou um canonicato, em Reims e é provável que tenha lá ocupado o lugar de instrutor do clero.
Foi em Reims que, como fruto das meditações, lhe sobreveio um aborrecimento profundo das vaidades e prazeres do mundo, o que o determinou a abandonar tudo que ao mundo o ligava, e procurar a solidão.
Seis amigos acompanharam-no: Landuino, Estevão de Lonry, Estevão de Die, cônegos de S. Rufo do Dauphiné, Hugo (sacerdote já idoso) e mais dois leigos, André e Gerin. Bruno, entretanto, fez-lhes ver que pouco adiantaria meterem-se na solidão, se não tivessem um guia ilustrado, competente, mestre da oração e da santidade.
Formaram conselho e resolveram dirigir-se a Hugo, Bispo de Grenoble, homem reconhecidamente santo, em cuja vasta Diocese também existiam muitos lugares próprios para se fundar uma ermida.
Hugo recebeu os sete homens, que lhe eram desconhecidos, e vendo-os, lembrou-se de um curioso sonho que tivera na última noite. Parecia-lhe ver Deus em pessoa, num lugar deserto da Diocese, erigir um templo, chamado Cartucho, e da terra se elevaram sete estrelas que, formando um círculo, tomaram a dianteira, para lhe indicar o caminho para aquele lugar.
Apenas Bruno e os companheiros lhe falaram do plano, quando neles reconheceu os mensageiros divinos, preconizados pelas sete estrelas vistas em sonho. Abraçou-os com muito carinho e animou-os a executar o projeto heroico. Indicou-lhes o lugar da futura residência e prometeu-lhes todo o apoio. Para que não se embalassem em vãs esperanças e os pusesse ao abrigo contra duras decepções, fez-lhes uma descrição minuciosa daquele lugar, que além de deserto, era inóspito e pavoroso. Era precisamente o que procuravam: um lugar de acesso difícil, para ficarem livres de relações com o mundo.
Hugo, encantado com o espírito de sacrifício daqueles homens, hospedou-os em casa, até que os raios do sol da primavera tornassem mais viajáveis os caminhos. Ele mesmo queria acompanha-los e entregar-lhes o sítio da futura residência.
Chegados ao lugar escolhido, Bruno e os companheiros começaram a construir uma casa de oração e pequenas celas, uma regularmente distanciada da outra. Foi esta a origem da Ordem dos Cartuchos, no ano de 1084.
Difícil tarefa é dar uma descrição minuciosa da vida daqueles santos homens naquela solidão. Obrigaram-se a observar absoluto, e permanente silêncio, para tanto mais poder estar em oração com Deus. Grande parte do dia dedicava à recitação de salmos. O corpo parecia não ter outro destino senão sofrer mortificação. A ocupação principal e predileta era copiar bons e piedosos livros, para assim ganhar o sustento.
Em Bruno, o iniciador da obra, viam o Superior. Não só em o mais ilustrado, como também na prática das virtudes era o primeiro. Foram estes os motivos também porque Hugo o escolheu para conselheiro particular, a quem visitava diversas vezes por ano, desprezando as fadigas e sacrifícios inerentes à penosíssima viagem.
Inesperadamente recebeu Bruno ordem, do Papa Urbano II para se apresentar em Roma. Bruno não era um desconhecido na Santa Sé, pois Urbano tinha sido seu discípulo, e era a veneração ao mestre, a admiração do seu saber e virtudes, que inspiraram ao Papa mostrar-se grato ao benfeitor e ao mesmo tempo lhe pedir conselhos de que necessitava.
A ordem do Papa causou tanta tristeza na pequena comunidade, que chegou ao completo desânimo. Não podiam os companheiros de Bruno conformar-se com a ida do mestre, e assim resolveram acompanha-lo na viagem a Roma, para a qual Hugo lhes deu a benção.
A recepção em Roma não podia ser mais cordial e fidalga. Bruno teve que ficar ao lado do Papa e os companheiros foram hospedados na cidade, onde continuaram a vida de religiosos. Breve, porém, experimentaram a grande diferença entre a cidade e a solidão na cartuxa.
Não foi possível obter do Papa o regresso de Bruno. Para a obra não correr perigo de dissolver-se, nomeou Prior a Landuino, o qual com os demais companheiros voltou para a França.
Embora separado do rebanho, conservou-se Bruno sempre em contato com os filhos espirituais, por meio de uma correspondência ininterrupta, ficando assim sempre ao par dos acontecimentos, não lhe faltando o conselho e a assistência espiritual aos religiosos, sempre que assim o reclamavam.
A obra de Bruno e dos companheiros era muito santa, para não experimentar as ciladas do inimigo, que, servindo-se de homens maus e invejosos, tudo fez para esmorecer o espírito dos santos homens, insinuando-lhes a inutilidade e contraproducência de uma vida tão austera, a desnecessidade e desvantagem de tantos sacrifícios acima das forças da natureza e outras coisas mais. Não pequena foi a perplexidade dos religiosos, que não cedeu enquanto Deus não lhes mostrasse numa celeste revelação, a futilidade das objeções diabólicas. Assim ficaram consolados e reanimaram-se a seguir fielmente a Regra até a morte.
À instância de muitos pedidos, obteve Bruno licença para voltar e retomar o lugar na comunidade; mas, nova complicação impossibilitou-lhe o regresso. Os habitantes de Reggio, na Calabria, tendo perdido o Arcebispo, ofereceram a Bruno a mitra, e o Papa deu-lhe a entender que seria muito de seu gosto, se a aceitasse. Bruno, porém, opôs-se às proposições do episcopado, para poder voltar à Ordem. Nesse tempo, resolveu o Papa uma viagem à França e Bruno, receando ficar novamente preso com negócios da Santa Sé, desistiu do seu plano primitivo e, com outros companheiros que ganhou em Roma, fundou uma nova casa da Ordem no deserto de La Torre, na Diocese de Esquilasse.
Deus deu-lhe um grande amigo e benfeitor na pessoa do Duque Rogério, da Sicília e Calabria, – o qual lhe doou terreno e meios para fazer um convento e uma igreja dupla, dedicada à Santíssima Virgem e a Sant’Estevão. Tendo assim garantida a subsistência da Ordem, trabalhou para sua maior organização e solidificação espiritual.
Em 1101, adoeceu Bruno gravemente. Na presença da morte, pôr assim dizer, diante dos irmãos de Ordem, fez uma confissão pública de toda a vida. À confissão seguiu-se a profissão de fé, na qual frisou bem o dogma da SS. Eucaristia, contra as ideias errôneas de Berengario e acrescentou: “Eu creio nos santos Sacramentos da Igreja Católica; em particular creio que o pão e o vinho consagrados na santa Missa são o corpo verdadeiro de Jesus Cristo e seu verdadeiro sangue”.
No dia 6 de outubro entregou o espírito a Deus. O corpo, enterrado no cemitério de La Torre, em 1515 foi encontrado intacto.
Leão X aprovou, para uso da Ordem, o Ofício do Fundador, e Gregório XV estendeu-o para o uso da Igreja toda.
REFLEXÕES
A vida de S. Bruno recomenda-nos a prática de uma virtude raras vezes encontrada no mundo, e, no entanto, tão necessária aos que querem salvar a alma: o amor à solidão. Bem poucos poderão, como Bruno, procurar o ermo e lá passar grande parte da vida., em completo retiro do mundo. Mas o que todos podem e devem fazer é, de vez em quando, recolher-se espiritualmente, procurar a solidão do coração, exercer uma vigilância mais rigorosa sobre os sentidos e os movimentos do espírito. “Vigiai e orai” – é a ordem que Nosso Senhor deu, não só aos Apóstolos, como a todos os fiéis. Onde não há vigilância, há dissipação; faltando a oração, seca a fonte das graças. Numa vida, como a nossa, tão cheia de perigos e abrolhos, a vigilância e a oração são indispensáveis. Se não conseguirmos domar as nossas paixões, elas nos escravizarão; se não fugirmos do mundo, ele nos absorverá; se não resistirmos ao demônio, ele nos há de subjugar. Demônio, mundo e nossa carne, estes três terríveis inimigos são reduzidos à impotência, pelo retiro espiritual, pela vigilância e pela oração.
Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.