Terceiro Domingo depois da Páscoa – Pe. Júlio Maria, S.D.N.

Terceiro Domingo depois da Páscoa (Jo. 16, 16-22)

  1. Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Ainda um pouco de tempo, e não me vereis mais; e mais um pouco, e tornareis a ver-me; porque eu volto para junto de meu Pai.
  2. Disseram então alguns de seus discípulos, uns para os outros: Que quer isto dizer: Ainda um pouco de tempo e não me vereis mais; e mais um pouco, e tornareis a ver-me, porque eu volto para junto do meu Pai?
  3. Diziam, pois, que significam estas palavras: Ainda um pouco de tempo? Não sabemos o que Ele quer dizer.
  4. Ora, sabendo Jesus que o queriam interrogar, disse-lhes: Vós perguntais uns aos outros o que eu quis dizer com estas palavras: ainda um pouco, e tornareis a ver-me.
  5. Em verdade, em verdade vos digo, que haveis de chorar e de gemer, e o mundo estará alegre; haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza se converterá em alegria.
  6. Quando a mulher dá à luz está em aflição, porque é chagada a sua hora; mas, depois de haver dado à luz um filho, já não se lembra das angústias, pela alegria que sente de ter nascido ao mundo um homem.
  7. Assim também vós estais tristes agora; mas eu vos tornarei a ver, e o vosso coração se h-a de alegrar, e ninguém vos roubará a vossa alegria.

A PROVIDÊNCIA DIVINA

O Evangelho, em poucas palavras, nos abre os horizontes da Providência divina. É uma das verdades mais consoladoras, embora uma das mais incompreendidas.

Jesus diz: Em verdade, em verdade vos digo que vós haveis de chorar e de gemer, e o mundo estará alegre; haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza se converterá em alegria.

Tal fato aparentemente contraditório, revolta, às vezes, os incrédulos, faz vacilarem os fracos, mas reconforta os justos, que sabem viver da fé.

O dogma da Providência é a conclusão necessária da onipotência, da bondade e da justiça de Deus.

Deus não nos revela os seus segredos, para não nos tirar o mérito da fé, mas nos faz entrever a sua ação no governo das criaturas.

Examinemos aqui:

  1. Como Deus é a CAUSA PRIMEIRA de tudo.
  2. Como os homens são as CAUSAS SEGUNDAS.

I. DEUS, CAUSA PRIMEIRA DE TUDO

Deus teria podido ser o único princípio de toda atividade neste mundo, passando a sua força através das criaturas como através de um canal, e produzindo, Ele mesmo, a sucessão dos seres, as suas evoluções íntimas e todos os seus movimentos.

Neste caso o mundo teria sido apenas um grande simulacro de atividade e de vida… o que seria quase indigno de Deus.

Deus fez melhor; associou ao governo do mundo todos os seres por Ele criados; e Ele, causa primeira, eleva os seres à dignidade de causas segundas.

Deste modo, a causa segunda não é um simples canal de transmissão, mas sim um centro, provido de recursos suficientes para fazer-lhe produzir tal ou tal efeito.

Um comparação vulgar nos fará compreender esta ação admirável de Deus no governo do mundo:

Examinemos uma usina mecânica:

Eis primeiro o gerador da força: é a causa primeira de toda a atividade e de todo trabalho.

Esta força comunica-se a uma correia de transmissão, a qual passa a ser uma causa segunda, causa virtual, enquanto é detentora da força, e causa ativa, enquanto aplica esta força às rodas que lhe são unidas.

Estas rodas, por sua vez, desde que intervêm em contato com mecanismos muitas vezes complicados, tornam-se, por sua vez: causas segundas, em relação a outras que elas vão movendo, até terminar finalmente em um instrumento que produz a obra desejada: torno, perfurador, plaina, serrote, etc.

São bem, em verdade, estas causas sucessivas que operam; porém, é antes de tudo a causa primeira que age, e cuja força se encontra em cada uma das causas seguintes.

Eis a ação de Deus neste mundo.

II. OS HOMENS CAUSAS SEGUNDAS

Há duas espécies de causas segundas.

a) As que exercem passivamente o papel que lhes é assinado:

São as causas materiais: sol, lua, astros, terra, planetas, etc.

b) As que o exercem ativamente, possuindo em si um poder que lhes permite corresponder, ou resistir: São as vontades livres, ou causas morais, por exemplo: o homem.

As causas segundas materiais exercem a sua ação, com uma constância e regularidade perfeitas, que nós chamamos ordem providencial. É a ordem da criação, ou leis físicas.

A Providência divina, propriamente dita, aplica-se sobretudo ao governo das causas livres.

Estas causas têm também as suas leis.

Lei natural, que se dirige à consciência.

Lei divina positiva, quando Deus ordena ou proíbe.

Lei humana, quando os homens, unidos em sociedade, determinam as suas condições de existência.

Toda lei é feita em vista de um fim.

O homem encontra em si os recursos necessários para alcançar este fim. Basta ele agir, conforme às leis que lhe servirem de guias.

Pode, também, violar estas leis, desviando-se do seu fim.

Mas notemos um ponto importante.

Tratando-se do governo dos seres materiais, Deus se contenta com o intermediário das causas segundas; mas, tratando-se das consciências livres, Ele intervém individualmente.

Daí nascem as relações sobrenaturais da oração, da gratidão e da união, que são os felizes privilégios da criatura racional.

Deste fato nasce a Religião inteira: a piedade, a virtude, o heroísmo, o amor, a resignação, o abandono à Providência divina.

III. CONCLUSÃO

Destes princípios tiremos agora umas conclusões práticas.

A causa primeira de tudo é Deus; porém, Deus não quer governar tudo diretamente.

Ele governa o mundo material, pelas leis físicas.

Ele governa o mundo humano, pelas leis morais.

Estas causas segundas, sendo criadas, são necessariamente imperfeitas; e é precisamente esta imperfeição que traz a perturbação no mundo.

O homem, causa segunda, está associado a Deus, no governo da humanidade; ora, todos o sabem: o homem não é perfeito.

Se ele observasse integralmente as leis de Deus não haveria nenhuma calamidade neste mundo; por exemplo: a guerra seria impossível.

Se, pois, os males aparecem, se rebentam as guerras, não é a Deus que se deve imputá-lo, mas unicamente à injustiça dos homens.

Lutero, não entendendo a ação sublime da Providência divina, pretendia que Deus cooperava no mal como no bem dos homens.

De nenhum modo. – Deus é o autor do bem. E não é o cúmplice do mal.

Deus se conforma à lei geral, fornecendo ao homem a força necessária, mas lhe deixa a responsabilidade do uso, sendo ele livre de empregá-la para o bem ou par ao mal.

Deus comunica a força ao braço do homem, mas o homem, causa segunda livre, tem o uso deste braço, podendo empregá-lo, para fazer o bem, ou para fazer o mal.

Deus dá ao nosso cérebro a faculdade de pensar; mas o homem tem o livre uso de seus pensamentos, podendo pensar em coisas santas ou em coisas perversas.

Deus anima a língua do homem; este, porém, tem o livre uso de a empregar para louvar a Deus, ou blasfemá-lo.

Deus é sempre a causa primeira; o homem é causa segunda das suas ações livres.

Se assim não fosse, o homem seria uma simples máquina, um escravo, o que seria indigno de Deus. Um ser inteligente, racional, como é o homem, deve ter o uso livre das suas faculdades, para fazer o bem, embora, abusando deste uso, ele possa, às vezes, fazer o mal.

Comentário Dogmático, Padre Júlio Maria, S.D.N., 1958.

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