A Paixão do Senhor: O exemplo da cruz

A sabedoria de Deus decidiu uma morte na cruz. A vitória da Cruz deu ânimo aos cristãos, para que mesmo no meio das mais fortes tribulações perdessem o medo à cruz e com ela triunfassem alegres, subindo à glória.

Jesus deu o exemplo: devemos obedecer e amar a Deus sobre todas as coisas, mesmo que tenhamos que perder a própria vida. Morrendo na cruz, ensinou-nos como ser fortes, a ter paciência, a ser humildes e a confiar em Deus, por mais adversas que possam ser as circunstâncias. Agora somos fortes sobre o inimigo, com a cruz desprezamos os seus ataques, não nos importam os seus golpes, pois só afetam o que é caduco. O nosso amor é para as realidades eternas, que veem do alto.

Guiou os nossos passos no caminho da paz (Lc 1, 79), mostrou-nos por meio da pobreza, que devemos nos desprender das coisas materiais, de onde nascem tantos males. Nós pregamos Jesus crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos; mas, para os eleitos – quer judeus quer gregos -, força de Deus e sabedoria de Deus (1 Cor 1, 23-24).

Jesus manifestou a sua grandeza na cruz. Assim como é grande em majestade no céu, foi paciente e humilde na terra. Foi o primeiro a tomar a cruz para que nós o seguíssemos. Rejeitou os bens materiais e sofreu mais que ninguém as dores que o mundo rejeita. (20) Como mestre foi à frente, abrindo caminho para nos mostrar a vida.

A pobreza foi tamanha que nem tinha um local para ser sepultado; faleceu despido; não pode nem beber um último gole de água. São Paulo ensina que: Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isto (1Tm 6, 8). O Senhor que sendo rico, se fez pobre por vós (2Cor 8, 9), foi além, pois ficou sem traje e sem nada para beber; roubaram-lhe as vestes e deram-no vinagre para beber.

Morreu desamparado. Olho para direita e vejo: não há ninguém que cuide de mim (SI 141, 5). Afastastes de mim os meus amigos, objeto de horror me tornastes para eles (SI 87, 9). Arrebatas-me, razes-me cavalgar o tufão, aniquilas-me na tempestade. Eu bem sei; levas-me à morte, ao lugar onde se encontram todos os viventes (Jó 30, 22-23).

Foi querido como um santo, foi considerado um profeta, foi honrado por muitos e tinha vários seguidores; o templo e as sinagogas ficavam cheias para escutar suas palavras, tinha alcançado em Israel grande reputação. Fez inúmeros milagres e todos estavam agradecidos pelos benefícios recebidos. De repente tudo mudou, começou a ser desprezado e insultado. Diz o Evangelho: Odiaram-me sem motivo (Jo 15, 25). Os sacerdotes foram o péssimo fermento na massa do povo. Como cães raivosos, despedaçavam a carne do crucificado com calúnias e injúrias. Conseguiram que fosse enviado para morrer fora da cidade, onde são executados os criminosos; obtiveram a morte mais humilhante: a crucificação.

Com os amigos não encontrou lealdade. Um dos apóstolos o vendeu; aquele que tinha sido escolhido como o primeiro entre todos, negou-o três vezes e jurou não o conhecer; os outros fugiram. Os a fetos humanos são inconstantes, mas os cristãos devem ser firmes na fé e constantes. O que sentiria o coração de Jesus diante do abandono dos amigos e rodeado dos que se alegravam com sua morte? Meu coração tomou-se como cera, e derretesse nas minhas entranhas (SI 21, 1 5).

Somente a Mãe o acompanhou! O Pai deixou que padecesse. Ao abandono se referem os inimigos: Confiou em Deus, Deus o livre agora, se o ama, porque ele disse: Eu sou o Filho de Deus! (Mt 27, 43). Em certo momento, o Senhor também sentiu isso: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Mt 27, 46).

Também foi uma grande humilhação para Jesus às acusações feitas: diziam que era um blasfemador, quando na realidade era Filho de Deus; que insurgia o povo contra César, enquanto na realidade ensinava o amor entre os homens; foi chamado de mentiroso, Ele que é a Verdade; que sua doutrina pervertia o povo, quando a sua doutrina era a Boa Nova, a Salvação; que fazia milagres pelo poder do demônio; que era um vagabundo sem moradia, amigo de pecadores e publicanos. A última acusação era verdadeira, pois veio para curar os enfermos; quanto à moradia, havia dito: As raposas tem suas tocas, os pássaros os seus ninhos; mas o Filho do homem, não tem onde reclinar a cabeça.

Uma grande vergonha foi também a forma como o trataram: foram armados para prendê-lo na calada da noite como se fosse um ladrão; desfilaram com ele amarrado por toda a cidade; um simples criado se atreveu a esbofeteá-lo; passaram a noite toda de quinta-feira se divertindo e zombando com ele; Herodes desprezou-o como um louco; os soldados ridicularizam-no em público; preferiram um assassino ao invés dele; foi condenado a morte mais infame, junto com outros dois ladrões. Assim foi desonrado, Aquele que merece toda a honra e glória por todos os séculos dos séculos.

A dor em seu corpo foi imensurável. Desde a planta do pé até o alto da cabeça, não há nele coisa sã (Is 1, 6). Estava todo chagado que não tinha graça nem beleza para atrair nossos olhares, e seu aspecto não podia seduzir-nos. Era desprezado, era a escória da humanidade (Is 53, 2-3). As costas estavam rasgadas pela flagelação, o ombro esfolado pela cruz, o corpo todo desconjuntado ao ser esticado no madeiro, a cabeça ensanguentada pela coroa de espinhos, pálido pela perda de sangue, com olheiras e sedento, as mãos e pés foram perfurados. Contudo a pior dor era no coração pela angústia que sentia.

Jesus quis padecer e padeceu como Deus. Vendo a fortaleza e a majestade de Jesus, percebemos que era mais que um homem comum. Estendeu com decisão os seus braços e manteve a cabeça erguida como um Rei.

Padeceu pela justiça e pela verdade. Preferiu perder tudo, a desobedecer a Deus. Foi obediente até a morte e morte de cruz. Com imenso amor sofreu para salvar os homens de todos os tempos. Entregou-se sem medida, pois bastaria apenas uma gota de seu sangue para redimir o universo. Amou tanto que nos lavou de nossos pecados no seu sangue (Ap 1, 5). Felizes aqueles que lavam as suas vestes no sangue do cordeiro (Ap 22, 14). Assim, pois, como Cristo padeceu na carne, armai-vos também vós deste mesmo pensamento: quem padeceu na carne rompeu com o pecado, a fim de que, no tempo que lhe resta para o corpo, já não viva segundo as paixões humanas, mas segundo a vontade de Deus (1Pd 4, 1-2).

Para nós é grande e consolador o exemplo de Cristo, porque não temos nele um pontífice incapaz de compadecer-se das nossas fraquezas. Ao contrário, passou pelas mesmas provações que nós, com exceção do pecado. (Hb 4, 15). A sabedoria de Deus mostra que Jesus passando pelas provações é igual a nós.

Estou imerso num abismo de lodo, no qual não há onde firmar o pé. Vim a dar em águas profundas; encobrem-me as ondas (SI 68, 3). O Senhor foi primeiro, como um comandante, adentrou o mar deixando que a tempestade caísse sobre ele e as ondas o afogassem, para que nós o seguíssemos com segurança. Sobre mim pesa a vossa indignação; vós me oprimis com o peso das vossas ondas (SI 87, 8). As ondas enfurecidas caíram sobre ele, mas conseguiu abrir um caminho no meio do mar para que o povo passasse e os seus inimigos afundassem como chumbo na vastidão das águas (Ex 15, 10). Os mundanos ficam tristes ante a pobreza, impacientes com a doença e desesperados perante um infortúnio. Por isso, o Senhor ensinou aos discípulos que ficavam no mundo a ser ricos na pobreza e alegres na dor e na adversidade encontrar a felicidade eterna. Por meio da morte o Senhor ensinou o caminho da vida (SI 15, 11). Apenas estendestes a mão, e a terra os tragou. Conduzistes com bondade esse povo, que libertastes; e com vosso poder guiastes à vossa morada santa (Ex 15, 12-13).

A Paixão do Senhor, Luis de La Palma, 1624.

(20) Rejeitou como fim último, não como meio, pois é lícito usar os bens materiais em coisas boas, em prol da sociedade e da família.

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