Amor unitivo

Deus meu, que infundistes em mim o amor, fazei que ele cresça até me conduzir à união conVosco.

1 – Por meio da purificação espiritual, Deus opera maravilhosos efeitos na alma, “ilustrando-a e inflamando-a divinamente com ânsias só de Deus e não de mais coisa alguma” (J.C. N. II, 13, 11). Por isso, à medida que se desapega da terra, deixando de parte todo o afeto e apetite das criaturas, a alma sobe a “secreta escada” do amor que, de degrau em degrau, a vai elevando até ao seu Criador, “porque só o amor é que une e junta a alma com Deus” (ib. 18, 5).

Esta ascensão de amor não se adverte no princípio da purificação, porque então “tudo é, neste divino fogo, enxugar e dispor a madeira da alma mais que aquecê-la; porém, com o andar do tempo, quando este fogo já vai aquecendo, sente a alma, de ordinário, esta esta inflamação e calor de amor” (ib. 12, 5). As chamas do amor podem ser acompanhadas de um grande deleite espiritual; são então instantes de imenso gozo em que a alma recebe um antegosto da união com Deus, da qual se vai aproximando, gozo que a paga amplamente de todas as penas e angústias sofridas na escuridão da noite e que a anima a abraçar de boa vontade o que terá de sofrer ainda para chegar à união perfeita. Contudo é útil recordar que a inflamação de amor não consiste no gozo que a alma pode experimentar, mas na firme decisão da vontade em se dar inteiramente a Deus. “Isto opera-o o Senhor, que infunde como quer”, isto é, pode infundir o amor “deixando seca a vontade” (ib. 12, 7), ou então inflamando-a com suave ardor.

Todavia o que nos deve interessar não é gozar do amor, mas progredir nele rapidamente, pois só o amor é a força que nos pode unir a Deus.

Tratando deste assunto, S. João da Cruz precisa: “O amor é a inclinação da alma e a força e a virtude que ela te para ir a Deus… e assim, quantos mais graus de amor tiver, tanto mais profundamente entra em Deus e se concentra nEle” (CV. 1, 13). Como a pedra ao cair é atraída para o centro da terra pela força da gravidade, assim a alma é atraída para Deus pela força do amor. Quanto mais forte for este amor, tanto mais poderoso será para a arrastar toda para Deus e para a unir inteiramente a Ele: “o amor mais forte é o mais unitivo” (ib.). Poderá, portanto, a alma sinceramente desejosa de se unir a Deus. Deixar de se aplicar com todas as suas forças a crescer no amor?

2 – Se a um grau de amor imperfeito corresponde um grau de união imperfeita, ao amor perfeito corresponde a união perfeita. “Para a alma estar no seu centro, que é Deus, basta que tenha um grau de amor, porque por um só se une com Ele pela graça; e se tiver dois graus, ter-se-á unido e concentrado em Deus noutro centro mais adentro” e assim por diante (J.C. CV. 1. 13). Acontece o mesmo com a pedra que é arrastada pelo seu peso para o centro da terra, de maneira que quanto mais pesa, se não encontrar obstáculos no seu caminho, tanto mais rapidamente lá chega e vai até ao centro mais profundo. Assim o amor é o peso que nos arrasta para Deus.

Mas também é verdade que o amor atrai Deus à nossa alma, porque Jesus disse: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra… e nós viremos a ele e faremos nele morada” (Jo. 14, 23). Basta um grau de amor, quer dizer, basta a observância da lei divina que assegura o estado de graça, para que Deus Se torne presente na alma, estabelecendo nela a Sua morada, e portanto para que ela possa viver unida a Ele; mas é evidente que a este primeiro grau de amor e de graça corresponde uma união com Deus muito imperfeita. Neste estado a alma está já no seu centro que é Deus, e vive já unida a Ele que Se digna habitar nela pela graça; não obstante, ainda lhe resta um longo caminho a percorrer para chegar ao seu mais profundo centro, isto é, para penetrar nas profundezas de Deus e viver íntima e perfeitamente unida a Ele. As etapas deste caminho são assinaladas pelo progresso no amor: quanto mais a alma ama, mais mergulha em Deus e, por outro lado, Deus, cumprindo a Sua promessa, torna-Se-lhe cada vez mais presente pela graça, convidando-a a uma amizade e a uma união cada vez mais íntima. Virá então o dia em que “se chegar até ao último grau [de amor], o amor de Deus chegará a ferir a alma até ao seu último e mais profundo centro, que será transformando-a e esclarecendo-a segundo todo os eu ser e potência e virtude… até a fazer uma semelhança de Deus” (J.C. CV. 1, 13).

O amor opera o grande milagre: atrai Deus à alma que O ama e lança-a a ela em Deus. Pelo amor, uma criatura miserável encontra-se com o Seu Criador e une-se a Ele de um modo tão íntimo e perfeito, que fica toda transformada e divinizada. Que maior dom nos poderia fazer Deus do que criar-nos para o amor e infundir em nós o amor, a grande força capaz de nos unir a Ele?

Colóquio – “Ó amantíssimo Rei pacífico, desejado de todos os corações generosos do céu e da terra, que com infinita suavidade me pedis que Vos ame com todo o coração, com toda a mente, com todas as forças, não desprezeis os meus suspiros e os meus desejos.

“Rei diletíssimo, que viestes ao mundo para reinar nos corações dos homens com o dulcíssimo império da caridade, fazei que eu Vos ame com todo o meu coração e com todas as forças da minha mente. Fazei, ó Senhor amabilíssimo, que eu não viva em mim, mas em Vós, que sois a minha vida, e me transformais em Vós por efeito de amor. Comunicai-me o fogo dulcíssimo que arde no Vosso coração e fazei que em todas as coisas eu Vos procure a Vós, verdadeira paz e centro da minha alma. Não quero de Vós senão que me inflameis com o Vosso fogo eterno, que ele gere no meu coração uma solicitude tão grande por Vós, que Vos procure sempre dia e noite; fazei que esta solicitude me incite a usar de todas as coisas, a servir-me de todas as ocasiões, a descobrir sempre novos meios para Vos dar gosto e mover todas as criaturas a servirem-Vos, a amarem-Vos e a unirem-se a Vós pelo vínculo da caridade.

“Vinde a mim, ó dulcíssimo Esposo da minha alma, ó Coração ardentíssimo e desejosíssimo do meu coração, entrai como Senhor absoluto em Vossa casa e governai-a impreterivelmente com o poder do Vosso amor onipotente. Quisera hoje, ó magnífico Filho de Deus, ser atraído para Vós, que a minha alma fosse transformada na Vossa, que fôsseis Vós então a minha alma, a minha vida, ó único conforto do meu coração aflito e o meu alívio” (Ven. João de J. M., o.c.d).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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