Esquecimento e negação de si mesmo

Senhor que Vos dais a nós até Vos tornardes nosso alimento, ensinai-me a dar-me às almas até me esquecer totalmente de mim mesmo.

1 – Outra condição para uma atividade santa é “um generoso esquecimento e uma enérgica abnegação de si próprio” (Pio XII); sem o esquecimento de si não seria possível nem sequer a pureza de intenção. Grande número de segundas intenções tentam infiltrar-se nas nossas obras porque estamos tão presentes a nós mesmos, tão ocupados e preocupados com o nosso eu, com os nossos interesses e comodidades, e porque somos tão solícitos em ser amados e em ganhar aplausos e a estima dos outros. É preciso “sair de si mesmo e das criaturas”, diria S. João da Cruz; sair principalmente dessa criatura a quem amamos mais do que a qualquer outra, o nosso eu. Se em vista do ideal contemplativo o Santo indica o caminho do “nada”, podemos com justiça dizer que a vida apostólica não exige menos, mas requer também uma negação total de si que se realiza repetindo continuamente a si mesmo: nada, nada, nada.

Como o missionário, para realizar a sua vocação, tem de deixar a pátria, parentes e amigos, deve abandonar a língua, usos e costumes do seu país a fim de se adaptar aos da nova pátria, de igual modo – guardadas as proporções – todo o apóstolo deve renunciar a um grande número de coisas, mesmo que exerça a sua atividade na própria pátria, no próprio meio de trabalho e de vida. Gostos, hábitos, exigências pessoais de cultura, de educação, de sensibilidade, têm de ser generosamente postos de lado para se adaptar à mentalidade e às exigências dos outros; sossego, repouso, alívios, devem ceder o lugar ao serviço das almas. O apóstolo não deve andar à busca de conversas interessantes, de amizades consoladoras, de ocupações agradáveis ou de resultados satisfatórios; poderá suceder que talvez encontre estas cosias no seu caminho, mas nem então lhe é permitido deter-se a gozá-las egoistamente, antes deve servir-se delas como de meios para o seu apostolado; em todo o caso, nunca pode nem deve regular por elas a sua atividade. O apóstolo é enviado para “dar” e não para “receber”, para semear e não para recolher; portanto deve dar o seu tempo, o seu trabalho, as suas energias e até a sua própria pessoa, mesmo nos meios que nada oferecem de compensador, mesmo àquelas almas de quem nunca receberá para nem gratidão.

2. S. Paulo ensina que o sacerdote “é constituído [para intervir] a favor dos homens” (Hebr. 5, 1), e o mesmo se pode dizer de cada apóstolo. O apóstolo não vive para si mesmo, para a sua carreira, para o seu interesse, mas para as almas, para proveito dos outros, em tudo quanto se relaciona com o seu bem espiritual. Ainda que o apostolado lhe confira alguma autoridade, alguma dignidade, esta não é para sua honra, para sua utilidade, mas somente para serviço dos irmãos. A única vantagem pessoal que pode e deve pretender no exercício do seu apostolado é a sua santificação: tal é o único direito que o apóstolo pode fazer valer, o único interesse que pode procurar para si, tudo o mais deve ser generosamente sacrificado a Deus e às almas.

Uma alma verdadeiramente dada ao apostolado não se pertence mais: as suas forças, os seus talentos, o seu tempo, a sua saúde, a sua vida, são de Deus e do próximo. Ora, tendo-se dado, não pode voltar atrás, nem dispor de si mesma; pode dizer-se que perdeu o direito de propriedade sobre tudo o que é e tudo o que possui. Por isso o seu programa é dar-se esquecendo-se, e esquecer-se para melhor se dar. Isto, porém, não só nos momentos de entusiasmo, nos dias luminosos, quando as obras prosperam, quando as forças se encontram em pleno vigor, mas também nos momentos de obscuridade, nos dias sombrios, em que parece que tudo se desmorona sob o choque das adversidades, em que o corpo cansado reclama um pouco de repouso, o trabalho pesa, as energias diminuem e, devido ao ímpeto das lutas internas e externas, se torna muito fatigante permanecer no seu posto. Sim, o apóstolo deve continuar a dar-se com igual generosidade e constância, mesmo nas obras de abandono e de prova. Se o não fizer de boa vontade, isto é, com um verdadeiro espírito de sacrifício, será impossível não transparecer na sua conduta algo de mau humor, de descontentamento, de repugnância ou de impaciência, e tudo isto diminuirá muito o seu ascendente e a sua ação. Mas onde encontrar força para permanecer sempre num nível tão elevado de doação de si? Na Eucaristia. Nela Jesus dá-Se a nós fazendo-Se nosso alimento, e se o apóstolo – chamado a prolongar a missão do Mestre – não pode imitá-lO dando-se literalmente com comida às almas, pode contudo seguir o Seu exemplo pondo-se à sua disposição até se deixar “comer” por elas, quer dizer, até se deixar consumir no seu serviço.

Colóquio – “Ó Jesus, a oração e o sacrifício constituem toda a minha força, são as armas invencíveis que Vós próprio me destes; podem atingir as almas muito mais que as palavras, muitíssimas vezes tive a experiência disso” (T.M.J. M.C. pg. 292).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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