“Sede misericordiosos”

Dilatai, Senhor o meu coração com a consideração da Vossa misericórdia infinita, para que aprenda a tratar os meus irmãos com entranhas de msiericórdia.

1 – Jesus revelou-nos o mistério do amor misericordioso do Pai celeste não só para nosso conforto e proveito pessoal, não só para nos impelir para Deus com uma confiança absoluta, mas também para nos ensinar a usar de misericórdia para com o próximo. “Sede misericordiosos como também Vosso Pai é misericordioso” (Lc. 6, 36). O bem atrai o bem, a bondade gera a bondade e assim, quanto mais uma alma penetra no mistério da misericórdia infinita, mais se sente levada a imitá-la nas suas relações com os outros. Quando nos sentimos irritados contra alguém, pouco dispostos à indulgência e ao perdão, devemos mergulhar com todas as nossas forças na consideração da misericórdia infinita de Deus para afogar nela qualquer espécie de dureza, ressentimento ou cólera. Se temos um pouco de experiência da nossa miséria, não será difícil entendermos que não há nenhum instante na nossa vida em que não tenhamos necessidade da misericórdia de Deus; e esta misericórdia é tão magnânima que nunca nos rejeita pelas nossas recaídas, nunca nos lança em rosto o ter-nos perdoado já tantas vezes, nunca nos recusa o Seu abraço paternal e pacificador. Não há nada melhor que esta consideração para suavizar a alma e enchê-la de bondade para com todos. Oh! se os outros pudessem sentir, no contato conosco, um reflexo da misericórdia infinita!

Pedro não tinha compreendido ainda a fundo o mistério do amor misericordioso quando perguntou a Jesus se era suficiente perdoar ao próximo até sete vezes e devia-lhe ter parecido exagerada a resposta: “não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt. 18, 22). Porém, depois de ter experimentado a bondade de Jesus que com tanta generosidade lhe perdoara a tríplice negação sem lhe dirigir sequer uma palavra de repreensão, mudou completamente e ele, tão fogoso, tão propenso à ira e às ameaças, dirigirá à Igreja primitiva esta terna exortação à bondade e ao perdão: “Sede todos de um mesmo coração, compassivos, amantes dos irmãos, misericordiosos… não retribuindo mal por mal nem maldição por maldição, mas, pelo contrário, bendizendo porque para isto fostes chamados” (I Ped. 3, 8 e 9). Como não perceber nestas palavras um eco das de Jesus: “Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam”? (Mt. 5, 44).

2 – Ao ler o Evangelho é fácil constatar como as palavras de Jesus, tão mansas e doces até para com os maiores pecadores, – lembremos as dirigidas a Madalena, à adúltera e até a Judas – se tornam excepcionalmente severas e quase duras perante as faltas de caridade para com o próximo. Deus ama-nos infinitamente, não deseja senão derramar sobre as nossas almas as torrentes da Sua misericórdia sem limites, e contudo o Seu amor e a Sua misericórdia cessam e transformam-se em severidade na medida em que nos vê duros e exigentes para com o próximo. Temos tanta necessidade da misericórdia do Senhor, temos tanta necessidade de que Ele não nos julgue, que Se compadeça de nós, que nos perdoe e use conosco de misericórdia! Então porque não usaremos dela pra com os nossos irmãos? Talvez porque nos ofenderam ou fizeram sofrer? E nós não ofendemos o nosso Deus? Não cooperamos, com os nossos pecados, para acerbíssima Paixão de Jesus? Muitas vezes parecem-nos com o servo cruel da parábola que, depois de ter recebido do seu senhor a remissão de uma enorme dívida, não quis, por sua vez, perdoar a um seu companheiro outra menor, lançando-o na prisão até pagar o último centavo. Como poderemos nós esperar que o Senhor seja pródigo no Seu perdão e na Sua misericórdia, se somos tão avarentos para com o nosso próximo? Não esqueçamos as palavras que todos os dias repetimos no Pai Nosso: Perdoai-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores (cfr. Mt. 6, 12), e procedamos de tal modo que não venham a ser a nossa condenação, porque Jesus disse: “se vós perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará so vossos pecados; mas se não perdoardes aos homens, tão pouco vosso Pai vos perdoará os vossos pecados” (ib. 14 e 15). Está nas nossas mãos, portanto, sermos um dia julgados com maior ou menor misericórdia.

“Ao entardecer desta vida, examinar-te-ão no amor” (J.C. AM. I, 57), isto é, serás julgado sobre o amor que tiveste a Deus ao próximo.

Colóquio – “Ó Senhor, como estimais a caridade que nos leva a amar-nos uns aos outros! Poderíeis, com efeito, ensinar-nos a dizer: ‘Perdoai-nos, ó Senhor, porque fazemos muita penitência, porque rezamos muito, porque jejuamos, porque deixamos tudo por Vós, porque amamos muito’. E também não dissestes: ‘Perdoai-nos porque sacrificamos a vida por Vós’, ou outras coisas semelhantes, mas somente: Perdoai-nos porque perdoamos.

“Eis uma verdade que devemos considerar muito: Vós, Senhor, quisestes ligar uma graça tão grande como é a do perdão dos pecados, merecedores do fogo eterno, a uma condição tão simples como é a de perdoarmos também nós. Mas que mais deverá fazer uma pobre alma como a minha, que tão poucas ocasiões teve para perdoar e tantas, pelo contrário, para ser perdoada? Porém, Senhor, aceitai o meu desejo: parece-me que, para obter o Vosso perdão, estarei pronta a perdoar tudo… Mas neste momento reconheço-me de tal maneira culpada aos Vosso olhos, que penso tratarem-me bem aqueles que em injuriam.

“Ó Senhor, tenho tão pouco para perdoar que me deveis perdoar gratuitamente! Como nisto se manifesta bem a Vossa misericórdia!

“Mas haverá na minha companhia alguém que não tenha compreendido esta verdade? Se há, peço-Lhe em Vosso nome, Senhor, que se lembre disto e não faça caso de certas miudezas a quem chama injúrias. E depois ainda nos atrevemos a pensar que fizemos muito ao perdoar uma coisita destas. Finalmente, com se tivéssemos feito algo, viremos diante de Vós, Senhor, pedir perdão, pois que também perdoamos!… Ah! Senhor meu, fazei-me entender que não compreendemos nada e que as nossa mãos estão vazias! Dignai-Vos perdoar-nos somente pela Vossa misericórdia” (T.J. Cam. 36, 7 e 2-6).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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