A simplicidade

Dai-me, Senhor, um coração simples, sem duplicidade nem rodeios; um coração que tenda para Vós com a simplicidade de uma criança.

1 – A simplicidade é uma virtude muito semelhante à sinceridade; supõe-na como base indispensável e, quando é perfeita, ultrapassa-a, chegando a abranger toda a vida moral do homem e a reduzi-la à unidade. A simplicidade exclui toda a forma de duplicidade e de complicação provenientes do egoísmo, do amor próprio ou do apego a si mesmo e às criaturas e, por conseguinte, impele a alma numa única direção, Deus: viver para Ele, para Lhe agradar, para Lhe dar glória. toda a vida espiritual consiste nesta simplificação progressiva que vai a par da purificação interior: quando uma alma está perfeitamente purificada de todas as paixões e de todos os apegos, fica reduzida então á simplicidade perfeita, àquela simplicidade que a faz viver unicamente de Deus e para Deus. Para atingir esta meta, devemos deixar-nos guiar em toda a nossa vida por uma única luz, apoiar-nos numa única força, tender para um único fim: Deus.

A alma que deseja adquirir a santa simplicidade não admite nenhuma luz além da que vem de Deus, que é Deus mesmo; por isso rejeita as razões do amor próprio e do egoísmo, repele os reflexos deslumbrantes, mas falsos, das paixões e das máximas do mundo, reconhecendo que tudo é escuridão e engano, exceto a luz da verdade que só pode vir de Deus, da Sua lei, do Evangelho. Julga todas as coisas à luz da fé, vendo a mão de Deus em cada circunstância, em cada acontecimento, até nos mais penosos, e valendo-se de tudo para ir par Ele, sem perder o tempo a raciocinar sobre a conduta das criaturas, pois isto complica a vida e cria obstáculos ao exercício da virtude. nada a retém no seu rápido caminhar porque encontra em Deus não só a luz para avançar por ele. A cada instante e a cada passo da sua vida, a alma simples apoia-se em Deus, buscando nEle o seu único amparo e a sua única força. Isto não a impede de se servir também da ajuda de pessoas sensatas e prudentes, mas fá-lo com desapego, sem se perturbar nem agitar quando o Senhor permite que estas lhe faltem. Seja como for, em qualquer circunstância e com plena confiança, procura sempre em Deus seu primeiro apoio, convencida de que somente nEle achará a força necessária para sustentar a sua fraqueza e de que esta força nunca lhe será negada.

2 – Em todas as suas ações, a alma simples visa um único fim: Deus; e tem uma única intenção: servir a Deus, agradar-Lhe, dar-Lhe gosto. por isso tem muito cuidado para que na sua conduta não se infiltrem segundas intenções, com por exemplo, a de fazer boa figura, de atrair a estima dos outros, de satisfazer um pouco a sua curiosidade ou preguiça, a sua honra ou o seu egoísmo. Estas segundas intenções assemelham-se às pequenas raposas de que fala o “Cântico dos Cânticos”, as quais penetram sorrateiramente na vinha florida da alma, devastando as flores e os frutos das boas obras. Quantas ações boas, começadas por amor de Deus, perdem pelo menos metade do seu valor, porque a meio do caminho são contaminadas por alguma segunda intenção insuficientemente reprimida e retificada! E quantas outras de boas se transformam em más por falta de reta intenção! A alma simples declarou guerra a tudo isto e repete com S. Francisco de Sales: “Meu Deus, se eu soubesse que uma só fibra do meu coração não palpitava por Vós, arrancá-la-ia imediatamente e lança-la-ia para longe de mim”. A grande pureza de intenção torna simples todas as suas palavras e ações, refletindo sem sombras os seus pensamentos e as suas intenções. A sua linguagem é simples: “sim, sim, não, não” (Mt. 5, 37); a sua conduta é simples: faz o que deve, sem se esconder nem dissimular. nada teme porque só busca a Deus e a Sua aprovação; age portanto coma santa liberdade dos filhos de Deus, sem respeitos humanos sem se preocupar com o juízo e o favor das criaturas: “O Senhor é quem me julga” (I Cor. 4, 4), diz S. Paulo, e prossegue o seu caminho de olhos postos só em Deus.

Assim, livre de embaraços e preocupações inúteis, a alma simples vai para Deus rápida e direita como uma seta. A única luz, a única força, o único fim da sua vida, é Deus e justamente por isso, toda a sua conduta adquire uma luminosidade, um vigor, uma unidade maravilhosa, pálido reflexo das perfeições divinas.

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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