O Purgatório

Uma das faltas mais graves e mais incompreensíveis entre nós, Católicos portugueses, é o abandono dos nossos defuntos.

Quando algum membro da família cai doente, prodigalizamos cuidados, insistimos em repetidas visitas ao médico, não hesitamos em procurar os melhores e mais custosos remédios, realizamos tudo de que é capaz a mais desvelada dedicação e o mais carinho amor. Não há limites para a nossa generosidade quando se trata do corpo.

Morre o doente. Há uma explosão de dor, sincera, profunda, mas bastas vezes imoderada.

Faz-se o enterro com toda a pompa fúnebre, com a assistência de imenso número de pessoas – nenhum amigo se atreve a estar ausente – cobrem o caixão coroas riquíssimas de flores. Não poupamos despesas.

Durante algumas semanas continuam as manifestações de mágoa: visitamos o cemitério, recebemos as visitas de pêsames.

Passadas porém, mais semanas, voltamos à nossa vida normal. Todos amavelmente fazem o possível para nos distrair, para que não pensemos na nossa aflição. E, assim, procedem bem. De que serve a dor, a tristeza moderada?

Deus posto de parte

Mas, nesse tempo todo, que fizemos pela alma do querido doente? Pouco ou nada. Não rezávamos, porque nos ocupávamos completa e inteiramente com remédios e médicos, com receios e esperanças. Nunca nos passou pela cabeça rezar algumas missas pelas melhoras do enfermo!

E contudo Deus e só Deus dá vida e saúde; Deus e só Deus pode dar virtude e eficácia aos remédios. Bom é certo, e é nosso dever, chamar o médico e aplicar os remédios. Mas é simples loucura por de parte Deus o autor da vida. A nossa obrigação manifesta é implorar de Deus auxílio, com orações fervorosas e constantes, sobretudo mandando rezar a Missa que é o meio soberanamente eficaz para mover o coração do Senhor.

Como é possível que conhecendo nós o tremendo valor da Missa, nos esqueçamos dela nos maiores atritos da nossa vida, quando é mais do que nunca necessária?

Pecado que brada ao Céu

Pior ainda, com uma temeridade cruel, adiamos a administração dos Sacramentos até tarde, muito tarde, com grave risco do doente morrer sem eles ou de os receber quando já não podem produzir os seus resultados.

Contudo Deus instituiu estes Sacramentos expressamente para a cura, o alívio e o conforto dos doentes, e produzem infalivelmente estes resultados contanto, claro está, que a cura não seja contra a eterna salvação do doente.

Quantas pessoas estão vivas e de saúde porque receberam devidamente e com tempo estes salutaríssimos Sacramentos; e quantas hoje jazem nos cemitérios, que ainda estariam bem felizes em suas casas, se tivessem recebido os Santos Óleos.

Se porém Deus prevê que o prolongamento da vida de nada serviria para o bem do doente ou que seria a causa da sua eterna perdição, perguntamos, de que servem estes sacramentos neste caso?

Servem para muito. Dão conforto e alívio ao doente, dissipam o medo, suavizam extraordinariamente o espírito do moribundo, afastam o demônio e suas diabólicas tentações – violentíssimas na última hora – e são penhor de morte santa e feliz. Mais, como afirmam São Tomás e Santo Alberto Magno, quando os últimos Sacramentos são recebidos devidamente e com tempo, preparam a alma para entrar imediatamente no Céu, sem que mesmo talvez passe pelo Purgatório. Inestimável graça!

1º – Privamos possivelmente o nosso querido pai, ou mãe, irmão ou filho, de muitos anos de vida.

2º – Negamos-lhe as graças extraordinárias que acabamos de mencionar.

3º – Por nossa causa fica longos anos no Purgatório.

Se assim procedermos, faltamos a um dever sagrado, cometemos um crime que brada ao Céu; e, como o sangue de Caim, este pede vingança a Deus.

Cruel abandono

Morre o doente e já está no Purgatório, está sofrendo suplícios severíssimos. Nunca precisou tanto do nosso auxílio. Pede, implora os nossos sufrágios.

E nós? Damos largas à nossa dor. Não temos cabeça (assim dizemos) para rezar, não temos tempo nem disposição para isso, alucinados, como estamos, com essa louca aflição! E a pobre alma continua a sofrer à espera dos sufrágios que não lhe damos.

Bom é e naturalmente a morte dos que nos foram caros chorar lágrimas amargas; humano é sentir a falta, a perda do querido doente, mas lágrimas e dor que nos levam a abandonar o falecido na sua extrema necessidade, são falsas e cruéis. Quanto mais sincera é a dor mais ela nos leva a rezar. A dor que diverte a nossa atenção dos sofrimentos excruciantes dos nossos defuntos é ilusória.

Neste momento o dever imperioso é rezar e rezar muito e fervorosamente, é mandar rezar Missas quanto antes e não uma ou duas, mas todas as que pudermos mandar rezar.

Não poupamos despesas durante a doença, por que hesitamos agora em dar a esmola insignificante para as Missas que são mil vezes mais necessárias e urgentes para a alma do que as despesas generosíssimas que fizemos para o corpo. A nossa conduta é incompreensível.

Lá vão passando semanas, meses, anos e os nossos queridos entes não têm alívio em seu sofrimento, presos nas suas camas de fogo, esperando, mas em vão, os nossos sufrágios.

E durante estes meses e anos, enquanto nós estamos gozando de boa vida, ocupados com os nossos afazeres, entregues aos nossos prazeres e divertimentos, conversando com amigos, descansando sete ou oito horas todas as noites em camas macias, aquelas queridas almas estão expiando os seus pecados, detidas todo este tempo no Purgatório porque nós, repito, não lhes valemos com os sufrágios necessários, abandonando-as impiedosamente.

Mas será tudo isto verdade?

Existe Purgatório? Não há a mais pequena dúvida a este respeito; e mais, é rara a pessoa que sai deste mundo tão santa, que vá ao céu sem primeiro passar longo tempo neste lugar de purificação. Podemos pois tomar como certo que, a não ser por milagre, nós também iremos passar ali um prazo mais ou menos longo.

Quem é que nos manda crer nesta doutrina?

O dogma do Purgatório:
a) é-nos revelado na Sagrada Escritura;
b) é, e sempre foi ensinado na Igreja;
c) todos os católicos de todos os tempos e de todos os países sempre acreditaram firmemente nesta doutrina.

Cremos nós neste mistério? Sim, mas a crença de muitos é superficial, vaga, morta. A prova é que pouco fazemos para evitar este suplício terrível e pouco nu ·nada fazemos para tirar dali os amigos e parentes nossos que lá estão detidos; o nosso descuido é tão crasso que para todos os efeitos é como se o Purgatório não existisse.

O Príncipe Russo

Um príncipe russo, por motivos políticos, abandonou o seu país e estabeleceu-se em França onde comprou um belo palácio e uma propriedade extensa. Infelizmente tinha perdido a fé da sua infância, e no tempo de que falamos, ocupava-se escrevendo um livro contra Deus e os dogmas da Religião. Morreu-lhe o feitor e dias depois o príncipe encontrou a pobre viúva debulhada em lágrimas no seu jardim. Chorava amargamente. Em resposta à pergunta do príncipe, a mulher disse que havia gasto tudo quanto tinha com os médicos e remédios e agora não tinha o suficiente para mandar rezar algumas Missas por alma do marido. Comovido com a dor da pobre criatura o Príncipe, homem bondoso, deu-lhe uma moeda de ouro para sufragar a alma do defunto e mandar rezar as Missas necessárias.

Dias depois, estava ele no seu escritório escrevendo o seu livro quando ouviu bater na porta. Mandou entrar a visita e qual não foi o seu espanto ao ver diante de si o falecido feitor. “Venho agradecer, Príncipe, a generosa esmola que deu a minha mulher para sufragar a minha alma. Graças ao Sangue Precioso de Jesus que me foi aplicado na Missa, já saí do Purgatório e vou para o Céu. Venho, porém, primeiro pagar a minha dívida de gratidão. Venho avisá-lo que mude quanto antes de ideias, pois creia bem, que há um Deus, há um Céu, há um Purgatório e há Inferno”.

Desapareceu, deixando o Príncipe profundamente impressionado. Este caiu em si tornou-se católico fervoroso.

Quantas e quantas almas não continuam a estar longos anos no Purgatório, unicamente porque os seus amigos não mandam rezar as Missas necessárias para as por em liberdade!

Que é o Purgatório?

É um fogo intensíssimo, feito por Deus para punir o pecado e purificar as almas dos que morreram em estado de pecado venial ou não satisfizeram cabalmente a pena temporal devida à justiça divina pelos pecados mais graves que cometeram.

Este fogo é incalculavelmente mais doloroso do que o fogo desta terra, de forma que um minuto que seja nele parece um século inteiro, em consequência da intensidade do sofrimento. Eis as razões:

1º – O nosso fogo é feito pela bondade de Deus para nosso conforto, para nos defender contra o frio e para o nosso serviço, para os nossos cômodos, ao passo que o fogo do Purgatório foi feito pela justiça de Deus, unicamente para castigar o pecado.

2º – O nosso fogo apenas atua no corpo material, que é relativamente pouco sensível; ao passo que o fogo do Purgatório atua imediatamente sobre a alma espiritual que é incomparavelmente mais sensível à dor.

3º – O nosso fogo, quanto mais severo é, mais depressa destrói a vítima, que assim deixa de sofrer. Pelo contrário, o fogo do Purgatório atua com máxima intensidade, mas nunca destrói nem diminui a sensibilidade da alma que sofre incomparavelmente mais do que podemos compreender.

4º – O fogo do Purgatório, como ensina São Tomás de Aquino, é o mesmo que o fogo do Inferno, e a mais leve dor infligida por ele é mais intolerável do que todos os tormentos desta vida.

5º – São Cirilo de Alexandria, grande doutor e sábio, diz que os sofrimentos do Purgatório são tão intensos que mais valia sofrer as dores mais cruciantes e os sofrimentos mais atrozes desta Terra até ao último dia do mundo do que passar um só dia no Purgatório.

Todos os Santos e Doutores da Igreja ensinam a mesma doutrina em palavras idênticas.

Eis, pois, querido leitor, o fogo em que têm de sofrer os nossos pais e irmãos, todos os nossos queridos entes. Eis os sofrimentos severíssimos que estão padecendo as mães estremecidas, os filhos, os amigos, todos que nos deixaram. Sabendo isto, como é possível que deliberadamente os deixemos ali sem sufrágios – esquecidos e abandonados?

Quanto tempo fica a alma no Purgatório?

Não se pode dizer, pois depende das dívidas que cada um tem de pagar à justiça divina, das penitências e satisfações que fez ou deixou de fazer antes de morrer. O que sabemos é que o prazo é incomparavelmente mais longo do que se pensa.

Lemos fatos bem autenticados nas vidas dos Santos, de pessoas que, apesar de terem levado vidas excepcionalmente boas e puras, contudo ficaram longos anos no Purgatório.

Morreu com os sentimentos de um verdadeiro cristão o pai do grande Santo Dominicano, São Luiz Beltrão. S. Luiz, sabendo que a alma do seu querido pai poderia ter ainda a expiar alguns pecados veniais no Purgatório, rezou por ele muito tempo. Julgou por fim que estaria já no Céu, mas para mais tranquilidade sua, continuou com os seus sufrágios. Ao cabo de certo tempo, já sossegado, deixou de rezar pela alma estremecida. Imagine-se, pois, a sua dor e o seu espanto, quando a alma do pai lhe apareceu, sofrendo cruelmente e suplicando-lhe que continuasse os interrompidos sufrágios.

O santo dominicano, aflito no mais alto grau, começou, com todo o ardor do seu coração de filho a fazer violência ao Céu. Para aliviar aquela alma tão amada, impunha-se rudes penitências, jejuava todos os dias a pão e água, flagelava-se e celebrava a Missa com um fervor angélico. Obtinha de seus irmãos que se associassem aos seus sufrágios e filiais angústias. No seu coração suplicava a Deus constantemente. Havia perto de oito anos que seu pai sofria, quando este lhe apareceu novamente, mas desta vez resplandecente de glória e cheio de alegria. Agradeceu-lhe os sufrágios e declarou-lhe que sem aquele socorro teria ainda longos anos a penar.

Este fato, que nos mostra um homem virtuoso tanto tempo no Purgatório e condenado a estar lá ainda mais tempo, se não fossem as Missas e penitências de seu filho, deve fazer-nos temer a Justiça divina e incitar-nos a desarmá-la já nesta vida. Mostra-nos sobretudo que devemos interceder sempre pelos nossos defuntos, sem procurar persuadir-nos a nós mesmos de que “já estão no Céu”. Que cruel ilusão! Só Deus é Juiz dos vivos e dos mortos. Só Ele sabe o estado das almas e só Ele conhece se merecem ou não ser admitidas na Sua presença.

Uma pobre mulher lamentava-se um dia a um servo de Deus de não poder mandar celebrar uma Missa por alma do seu marido: – “Vá ouvir o maior número de Missas que puder – respondeu o consultado. – Porque seu marido receberá alívio por cada Missa a que a senhora assista, quando a não puder mandar rezar por sua intenção”.

É o mesmo conselho que damos aos leitores.

Quando Henrique Suso, da Ordem de S. Domingos, estudava em Colônia, fez um pacto com um condiscípulo: logo que um deles morresse, o outro diria na segunda e na sexta feira de cada semana uma Missa pelo amigo defunto. Morreu primeiro o companheiro, e o beato Henrique começou a cumprir a sua promessa, observando-a fielmente durante muito tempo, mas acabando por fim com as Missas. O seu amigo apareceu-lhe e censurou-o por haver faltado à sua palavra. – Eu nunca te esqueci nas minhas orações – respondeu Frei Henrique. – Isto não basta – volveu a alma. São as Missas que me fazem falta. É o Sangue de Jesus Cristo que pode apagar as chamas que me devoram.

O Beato Henrique prometeu que tornaria a celebrar por ele novamente. Assim o fez e libertou por fim a alma do seu amigo, que lhe apareceu outra vez a agradecer-lhe.

Ora se as orações do beato Henrique, tão fervorosas, não eram refrigério bastante para aquela alma, que diremos das nossas tão apagadas, tão secas, tão distraídas? Temos todavia um meio de as tornar eficazes: uni-las ao Sacrifício da Missa, assistindo a ele com toda a nossa devoção.

Lembremo-nos para excitar o nosso fervor, daquelas consoladoras palavras de S. Jerônimo: – “As almas do Purgatório não sofrem enquanto por elas é oferecido o Santo Sacrifício”. É o que diz também S. Gregório: – “As penas dos defuntos, por quem é celebrada a Missa, ou que o celebrante recomenda particularmente, ficam suspensas ou diminuem durante esse tempo”.

Admirável e consoladora doutrina. tenhamo-la sempre presente e derramemos sobre as almas o divino refrigério do Sangue de Jesus.

São Malaquias viu sua querida irmã trinta anos no Purgatório apesar dos muitos sufrágios que por ela tinha oferecido. Nunca devemos abandonar as almas.

Os Suplícios do Purgatório

A nossa inteligência não pode compreender o que sofrem as almas do Purgatório. A doutrina dos Santos Padres sobre esta terrível questão é concludente e bem clara. No nosso próprio interesse e no interesse dos nossos queridos defuntos, importa que tenhamos disto perfeita compreensão. Ouçamos uma das primeiras autoridades da Igreja sobre o assunto; das primeiras pela santidade e das primeiras pelo gênio: Santo Agostinho. Diz ele: – “Para ser purificada e admitida no número dos eleitos, a alma é submetida a um fogo mais penetrante que tudo quanto se possa ver, sentir e imaginar sobre a terra”. E noutro lugar das suas obras, continua: – “Ainda que este fogo deva salvar aqueles que o sofrerem, é certo, todavia, que é mais doloroso para eles que todos os sofrimentos que um homem possa suportar cá na terra”.

– “mais valia – afirma S. Cirilo de Alexandria – sofrer todos os tormentos possíveis até ao fim do mundo, que passar um só dia no Purgatório”.

– “O menor contato com este fogo – acrescenta S. Tomás – é mais cruel que todos os males desta vida”.

“Entre o fogo natural e o fogo do Purgatório – diz o santo abade de Claraval – há uma diferença tamanha como entre o fogo real e a imagem do fogo”. Se, pois, o nosso fogo nos causa tamanha agonia quando nos toca, que será o fogo do Purgatório?

Estas poucas citações, quer pela autoridade indiscutível de quem as faz, quer pelas suas palavras de terrível inequívoca clareza, são bem de molde a fazer-nos meditar.

Pensemos agora nas almas numerosíssimas que naquele fogo tremendo expiam as suas faltas. Muitos de nós lá têm os seus pais, os pais que tanto amavam. Os sofrimentos das almas são imensamente mais dolorosos que os do corpo. O fogo terreno queima-nos o corpo, a parte externa do nosso ser, a dor vai do exterior para o interior e todavia nós sentimo-la ás vezes como uma agudeza intolerável. mas no Purgatório, o foco do sofrimento, a origem das dores, como já dissemos, está mesmo no centro da alma, queimando-a duma maneira horrivelmente intensa.

Há que pense que Deus é severo, porque tem essas almas nas chamas cruciantes. Estas pessoas não sabem ou não querem saber que são elas mesmas que detêm as suas queridas almas no Purgatório. Deus põe à sua disposição o grande Sacrifício, este dom de misericórdia infinita. Podem assistir à Missa e rezar por essas amadas almas juntando o pequeno mérito das suas orações ao infinito Sacrifício, ou melhor, podem mandar oferecer este Sacrifício, este Sangue preciosíssimo, pelas suas queridas almas. Porque não o fazem? gastam largas somas nos seus prazeres, nos seus teatros, nos seus vestidos, gozam o mais que podem, mas nunca ou quase nunca mandam rezar Missas pelos seus queridos pais, pelos filhos que para ali foram, pelos amigos fiéis a quem tanto ficaram devendo!

E são estas pessoas que se atrevem a chamar a Deus severo!

Porque ficam tanto tempo as almas no Purgatório?

Por um pecado mortal fica uma alma para sempre, durante os séculos intermináveis da eternidade, no Inferno. Não é pois para admirar que fique longos anos no Purgatório a alma que sai do mundo culpada de um infinito número de pecados veniais, muitos deles bastante graves e plenamente deliberados.

Reparemos como as inumeráveis faltas – algumas culpas tão graves, que mal soubemos no momento de pecar se eram pecados mortais ou veniais – têm de ser expiados uma por uma. “Por toda a palavra ociosa que um homem disser tem de dar conta a Deus”. “Dali não sairá até pagar o último ceitil”.

a) Quem pode calcular o número e a malícia das culpas de egoísmo, as manifestações de amor próprio, os pensamentos, as palavras e os atos de sensualidade em todas as suas formas, de má língua, de ira, de inveja, de preguiça, de vaidade e um sem número de outros delitos?

b) Amontoam-se em seguida as omissões dos deveres que devemos cumprir e não cumprimos, a quase completa falta de amor de Deus, de zelo no seu serviço, a indiferença e frieza nos atos de religião, a falta de fé e tibieza e letargia e indiferença em tudo quanto diz respeito a Deus.

c) Ele morreu por nós, sofreu mil injúrias e insultos por nosso amor. Nunca lhe agradecemos, ter sofrido tanto por nós, não sentimos no coração a mais leve gratidão.

Fica Ele na Igreja dia e noite, realmente presente, no Altar, para nos receber. Quantas vezes O visitamos?

Passamos dias e anos e pouco pensamos n’Ele. Quer entrar nos nossos corações, diariamente, na Sagrada Comunhão para nos encher de graça e forças e de consolação, para nos cumular de favores e benefícios. Quantas vezes deixamos de O receber, recusamos a Sua visita, fechamos a porta que Ele queria transpor? Poucas são as pessoas, pelo menos nas cidades, que não poderiam comungar todos os dias, e decerto nos Domingos se quisessem.

d) A Santa Missa é o mesmo Sacrifício do Calvário, Jesus, o Filho de Deus nasce e morre realmente todos os dias no Altar, dando a todos os presentes as mais ricas e abundantes graças, as mesmas graças diz S. Tomás, que dispensou na primeira sexta-feira no Calvário. Eis o meio eficacíssimo de alcançar perdão para os nossos pecados.

Quantas vezes deixamos de assistir a este Divino, Infinito Sacrifício? Temos medo – cobardes e fracos que somos – de fazer penitência. Mas Deus oferece-nos os Sacramentos, como a Confissão, a Comunhão e o Sacrifício tremendo da Missa para que tomem o lugar da penitência, para suprir o que a nossa fraqueza não quer ou não pode fazer.

Desprezamos porém este Amor, rejeitamos os Seus benefícios, não fazemos caso da Sua generosidade, ultrajamos a Sua amizade.

Estes pecados todos de desleixo, indiferença, ingratidão negra, estes insultos todos, esta dureza de coração, a cegueira deliberada, as negligências loucas, teremos de as pagar todas no Purgatório.

e) Acrescente-se ainda a falta de caridade para com o próximo, a mesquinhez em dar esmolas, os maus modos, as impaciências, as críticas e censuras.

Temos os bens desta vida, boa casa, comida abundante, vestido confortável, numa palavra, todos os confortos. Nada nos falta. Em volta de nós vemos pobres que padecem fome, vivem em casebres frios, imundos e pouco salutares, mal agasalhados, sem médico e remédios nas doenças, sem alívios nas dores. Que esmola damos? Uns vinténs! E de mau modo! temos tudo e gastamos muito no luxo, muito em divertimentos, muito em coisas banais que não são nada necessárias e que poderíamos muito bem dispensar. E damos tão pouco, tão pouco aos famintos, aos indigentes, aos doentes, aos desempregados!

Não é pois para admirar que paguemos bem caro esta crueldade no Purgatório. Devemos meditar sobre a história de Dives e Lázaro que mostra bem a gravidade desta nossa conduta. “Havia um homem rico que se vestia de púrpura e de tela finíssima e todos os dias se banqueteava esplendidamente. E havia também um pobre mendigo por nome Lázaro, que jazia à sua porta coberto de chagas. Desejava fartar-se das migalhas, que caíam da mesa do rico e ninguém lhas dava; e os cães vinham lamber-lhe as úlceras. Aconteceu porém que morreu o mendigo e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão e morreu também o rico e foi sepultado no inferno.

Levantando então os seus olhos quando estava nos tormentos, viu de longe a Abraão e a Lázaro no seu seio. E ele, gritando, disse: Pai Abraão, compadece-te de mim e manda a Lázaro que molhe em água a ponta do dedo para refrigerar a minha língua, porque estou atormentado nesta chama. E Abraão lhe disse: Filho lembra-te que recebeste bens na tua vida e que Lázaro não teve senão males; agora pois este é consolado e tu atormentado”.

Jesus nos diz claramente, que o que damos a um pobre, a Ele o damos, e o que recusamos a um pobre, a Ele o recusamos.

“Quando aparecermos no Juízo então dirá Deus àqueles que hão de estar à esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e para os seus anjos. Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; era hóspede, e não me recolhestes; estava nú e não me cobristes; enfermo e no cárcere e não me visitastes.

Então lhe responderão eles dizendo:

Senhor, quando é que te vimos faminto ou sequioso ou hóspede ou nú ou enferme ou no cárcere e não te assistimos?

Então lhes tornará dizendo: Em verdade vos digo, quantas vezes deixastes de o fazer a um deste mais pequenos, a mim o deixastes de fazer.

E irão estes para o suplício eterno, e os justos para a vida eterna”.

Com aquela medida com que medirdes vos tornarão a medir

(Math. VII, 2)

Um dos pecados que nos detém longíssimo tempo no Purgatório é justamente a nossa insensibilidade, a nossa horrível dureza de coração para com as almas do Purgatório. Aqui não há defesa possível, não há circunstâncias atenuantes.

Sabemos bem que as almas dos nossos queridos pais e parentes, as almas dos nossos amigos estão sofrendo suplícios horríveis nas chamas do Purgatório. Podemos muito bem auxiliá-los, até libertá-los com as nossas orações, indulgências, boas obras, ouvindo Missa por eles, mandando rezar Missas por eles, enfim socorrê-los de mil maneiras diferentes.

Deliberadamente fechamos os olhos. Esquecemo-los, abandonamo-los! Chega a ser incrível! Mas estes descuidos, esta negligência, verdadeiramente criminosa, custar-nos-ão bem caro.

Santo Antônio, ilustre Arcebispo Dominicano, chamado Antonino dos Conselhos, pela sua fama da prudência e sabedoria, conta o seguinte fato: Um amigo e benfeitor do Convento, que todos tinham na conta de homem devoto e santo, morreu. Rezaram Missas e ofereceram grande número de sufrágios por sua alma, ficando certos de que já estava no Céu.

Passado muito tempo ele apareceu a Santo Antonino, sofrendo suplícios horríveis. O Santo ficou surpreendido e perguntou por que continuava ele no Purgatório, tendo tido vida tão virtuosa e tendo recebido numerosos sufrágios, oferecidos por sua alma.

Respondeu que, apesar de ter passado uma vida tão boa, havia caído numa falta que muito ofendera a Deus. Era descuidar muito as almas do Purgatório; e, agora, em castigo desta negligência, os sufrágios oferecidos para alívio dele foram aplicados às almas por quem ele deveria ter rezado. O castigo foi bem justo.

Antigamente havia em Portugal muita devoção às almas do Purgatório. agora é lamentável o desleixo que reina em geral. Há vestígios maiores ou menores da antiga devoção em certas partes do país; mas com poucas exceções, existe hoje em dia entre nós, a par duma pavorosa ignorância do Purgatório, uma negligência vergonhosa em cumprir o que devemos às almas que lá sofrem.

O que é para estranhar é que pessoas que parecem piedosas cometam este pecado sem o mais leve escrúpulo e nunca pensem em acusar esta falta na confissão. E não é somente pelas almas dos queridos pais e parentes que somos obrigados a rezar, mas também por aquela multidão imensa de almas que estão sofrendo no Purgatório, muitas das quais não têm ninguém que reze por elas.

Não somos obrigados somente a dar esmolas aos nossos parentes e amigos mas a todos os pobres em geral. Também somos obrigados a rezar pelas almas do Purgatório em geral e não somente pelos amigos e parentes.

Um distinto missionário português que regressava havia pouco do estrangeiro, foi convidado a pregar durante o mês de Novembro em várias freguesias do país. Como era natural no mês das almas, referiu-se várias vezes à doutrina do Purgatório.

Os vastos auditórios que enchiam as Igrejas, compunham-se de senhoras e cavalheiros, todos encantados com a eloquência do pregador. Ficou este, porém, tristemente impressionado ao chegar ao fim do mês. Não houve uma única pessoa que lhe tivesse encomendado a ele ou aos priores dessas paróquias, uma missa sequer pelas almas do Purgatório! Contraste flagrante com o que ele tinha visto em outros países onde tinha estado!

Aí costumam encomendar tantas missas pelas almas todos os dias do ano, mas sobretudo no mês de Novembro, que para celebrar não chegam os sacerdotes, que têm de enviar as respectivas intenções para as terras de missão.

Um reverendo Prior contou a quem escreve estas linhas que só se lembra de poucas pessoas durante os 35 anos que ele paroquiou a freguesia, que lhe encomendassem Missas pelas almas do Purgatório. De vez em quando costumavam encomendar algumas Missas, poucas, na ocasião da morte de um parente, ou em dia de aniversário.

Outro pároco de uma Igreja reputada como das melhores da cidade, declarou que em 40 anos nunca ninguém teve a idéia de lhe encomendar uma missa pelas almas.

Que devemos fazer a favor das almas?

1º – Devemos mandar rezar o maior número possível de missas por alma dos nossos defuntos. É de todos os sufrágios o mais poderoso e eficaz.

2º – Devemos assistir ao maior número de missas possível por estas pobres almas. Este dever constitui mais uma razão fortíssima para ouvir missa todos os dias.

3º – A oração: “Eterno Pai eu Vos ofereço o Sangue Precioso do Vosso Filho Jesus com todas as missas que hoje se oferecem em todo o mundo pelas almas do Purgatório, especialmente pelas almas que nos são especialmente queridas”.

Esta oração tem enorme valor e pode repetir-se muitas vezes no dia.

4º – É muito recomendável oferecer pelas almas os nossos sofrimentos, grandes e pequenos, em união com os sofrimentos e morte de Jesus Cristo. Assim aliviaremos as pobres almas e alcançaremos grandes méritos para nós.

5º – Podemos oferecer o nosso Terço e outras orações que rezarmos, as Indulgências que lucramos, as esmolas que damos e as boas obras que fazemos pelas almas, que em troca, rezarão, por nós com indizível intensidade e nos obterão muitos favores temporais e espirituais.

Visto que a grande ignorância existente acerca do Purgatório é a causa principal do abandono das almas, bom será que as pessoas devotas façam todo o possível para espalhar este livrinho. Será um magnífico apostolado a favor das almas do Purgatório.

Convidamos todos a tomarem parte neste Apostolado.

Nada podemos fazer mais agradável a Deus do que rezar pelas almas do Purgatório

É, bem natural e compreensível a afeição dum artista pela sua obra prima; e seria enorme o seu pesar, se um dia viesse a perdê-la. Mais natural ainda, mais compreensível, é o amor de um pai pelo filho estremecido, a sua ansiedade se o vê gravemente doente, e a sua dor inconsolável se ele lhe morre.

Incalculavelmente mais terna é a afeição, mais profundo e intenso o amor que Deus nos tem, a nós que somos a obra perfeita das Suas mãos, e por cuja salvação Ele morreu na cruz. Ama-nos com toda a infinita força do seu Sagrado Coração.

Qual não deve ser, pois, a sua compaixão vendo as almas que estremece consumidas pelo desejo de se Lhe reunirem e disso impossibilitadas pelo peso dos seus pecados?

Embora Ele deseje tê-las no Céu, a Sua justiça e o próprio interesse das almas exigem que estas expiem as suas culpas antes de entrarem na mansão da luz e da pureza eterna.

Deus, porém, inventa meios misericordiosos para, por assim dizer, triunfar da sua justiça. Inspira-nos o pensamento de rezarmos pelas almas do Purgatório, de satisfazermos pelas suas culpas e põe ao nosso alcance meios eficacíssimos de as aliviar.

Quando damos, pelas nossas orações, alívio a uma alma, muito mais quando conseguimos tirá-la do Purgatório, Deus aceita esta nossa caridade como se fosse feita a Si mesmo! Grande pois será a nossa recompensa.

A melhor maneira de socorrer as almas do Purgatório

1º – O meio, de todo o mais eficaz, é mandar rezar por sua intenção a Santa Missa todas as vezes que for possível.

2º – Se não o pudermos fazer, devemos ouvir Missa pela mesma intenção, sempre que seja possível.

3º – Oferecer pelas almas do Purgatório o Terço do Rosário, com suas indulgências inumeráveis. É desejo ardente da Mãe Santíssima aliviar seus filhos queridíssimos que estão a sofrer no purgatório.

4º – Oferecer pelas almas todos os méritos, boas obras, orações e indulgências de que pudermos dispor, todos os nossos desgostos e dores, as nossas aflições e também os nossos trabalhos e sofrimentos.

Este ato de caridade é infinitamente agradável ao Sagrado Coração de Jesus e alcança-nos a mais abundante recompensa, tanto nesta vida como no Céu. Se Deus retribui generosamente o mais insignificante ato de caridade feito a favor de um pobre, que prêmio não dará a quem praticar este ato heroico de caridade?

Quem não tiver coragem ou a generosidade de fazer este ato durante toda a sua vida, faça-o, pelo menos, durante a Quaresma, durante o mês de Novembro, durante uma semana, de vez em quando.

5º – Rezar cem vezes por dia pelas almas a pequena jaculatória “Jesus, Maria, José”, assim damos-lhes 280 000 dias de Indulgência!

6º – Fazer este oferecimento: “Eterno Pai, eu Vos ofereço o Sangue Precioso de Jesus, Sua Paixão e Morte, com todas as Missas que se rezam hoje no mundo pelas almas do Purgatório”.

Esta oração é eficacíssima e dá indizível alívio às almas.

7º – A Via-Sacra, mesmo a forma mais breve, é também meio eficacíssimo de socorrer as almas.

Purgatório, por E. D. M, 1936.

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