O Liberalismo é Pecado – 24. Resolve-se uma objeção, à primeira, vista grave, contra a doutrina dos dois capítulos precedentes

LIBERALISMO É PECADO

D. Félix Sardà y Salvany

24.RESOLVE-SE UMA OBJEÇÃO, À PRIMEIRA, VISTA GRAVE, CONTRA A DOUTRINA DOS DOIS CAPÍTULOS PRECEDENTES

Uma dificuldade, à primeira vista gravíssima, pode os nossos adversários opor, ao que parece, à doutrina que assentamos nos artigos interiores. Convém-nos deixar o nosso caminho livre e desembaraçado desses escrúpulos (ou o que quer que seja).

O Papa, dizem, e é certo, tem diferentes vezes recomendado aos jornalistas católicos a prudência e a moderação nas formas da polêmica, a observância da caridade, a abstenção das maneiras agressivas, os epítetos infamantes e as personalidades injuriosas. Ora isto, dirão agora, é diametralmente oposto a tudo o que acabais de expor.

Vamos demonstrar que não há contradição; que há de haver, valha-nos Deus! Entre estas indicações nossas e os sábios conselhos do Papa? E não nos custará, por fortuna, torna-lo patente.

Com efeito; a quem se dirigiu o Papa nas suas repetidas exortações? – Sempre à imprensa católica, sempre aos jornalistas católicos, sempre supondo que o são.  Por conseguinte, é evidente que, ao dar tais conselhos de moderação e prudência, os referiu a católicos que tratavam com outros católicos questões livres entre si; e não a católicos que sustentavam com anticatólicos deliberados o rijo combate da fé.

É evidente que não aludiu às incessantes batalhas entre católicos e liberais; as quais, por isso mesmo que o catolicismo é a verdade e o Liberalismo a heresia, hão de considerar-se em boa lógica e hereges.

É evidente que quis se entendessem os seusconselhos só com relação a nossas dissidências de família, que não poucas são por desgraça; e não pretendeu que com os eternos inimigos da Igreja e da fé, lutássemos com armas sem ponta e sem fio, usadas só nas justas e torneios.

Por conseguinte não há oposição entre a doutrina por nós apresentada e a contida nos aludidos  Breves e Alocuções de Sua Santidade, pois que a oposição em boa logica deve ser ejusdem, de eodem et secundum idem; e aqui nada disto tem lugar.

E como poderia a palavra do Papa interpretar-se retamente de outra maneira? É regra e sã hermenêutica que um texto das Sagradas Letras deve interpretar-se em sentido literal quando a este sentido não se opõe o restante contexto dos livros santos; devendo recorrer-se ao sentido livre ou figurado quando aparece aquela oposição. Semelhantemente, a mesma regra podemos estabelecer ao tratar da interpretação dos documentos pontifícios.

Poderá supor-se o Papa em contradição com toda a tradição católica desde Jesus Cristo até nossos dias? Poderão crêr-se condenados de uma penada o estilo e modo dos mais insignes apologistas e contraversistas da Igreja, desde S. Paulo até S. Francisco de Sales? É evidente que não. E é evidente que assim seria, se tais conselhos de moderação e de prudência devessem entender-se no sentido que (para sai conveniência particular) os interpreta o critério liberal.

É, pois, unicamente admissível a conclusão de que o Papa ao dar tais conselhos (que para todo o bom católico devem ser preceitos) intentou referir-se, não às polêmicas entre os católicos e inimigos do Catolicismo, como são os liberais, mas as dos bons católicos, entre si, em suas dissidências e diferenças.

Não, não pode ser de outra maneira, di-lo o próprio senso comum. Nunca em batalha alguma mandou o capitão a seus soldados que não ferissem demasiado o adversário; nunca lhes recomendou brandura para com eles; nunca afagos nem contemplações. A guerra é guerra, e nunca foi feita de outra maneira, senão ofendendo. É suspeito de traidor o que no fragor do combate anda gritando por entre as fileiras dos leais: “cuidado não se degoste o inimigo” não se lhe aponte demasiado ao coração!”

Porém que mais? O próprio IX nos deu a interpretação autêntica de suas santas palavras, e do modo como devem aplicar-se, e a quem, aqueles seus conselhos de prudência e moderação. Aos sectários da Comuna chamou demônios, em uma ocasião soleníssima, e aos do catolicismo liberal chamou piores do que aqueles demônios. Esta frase correu mundo. E saída dos lábios mansíssimos do Papa ficou gravada na fronte do Liberalismo como estigma de eterna execração. Quem depois dela temerá exceder na dureza dos qualificativos?

As próprias palavras da Encíclica Cum multa, de que tanto abusou contra que tanto abusou contra os mais firmes católicos a impiedade liberal, aquelas mesmas palavras em que Nosso Santíssimo Padre Leão XIII recomenda aos escritores católicos “que as disputas em defesa dos sagrados direitos da Igreja não se façam com altercações, mas com moderação e prudência, de sorte que na contenda dê a vitória ao escritor, antes o peso das razões do que a violência e aspereza do estilo”, é evidente que não podem deixar de entender-se senão a cerca das polêmicas entre católicos e católicos sobre o melhor modo de servir a sua causa comum, e não das polêmicas entre católicos e inimigos do catolicismo, quais são os sectários formais e conscientes do Liberalismo.

E a prova está à vista, só ao olhar o contexto da referida preciosíssima Encíclica.

O Papa acaba de exortar a que se mantenham unidas as Associações e os indivíduos católicos. E depois de ponderar as vantagens desta união , indica como meio principalíssimo de conservá-la, essa moderação e temperança no estilo, que acabamos de indicar.

Daqui deduzimos um argumento que não sofre contestação.

O Papa recomenda a suavidade do estilo aos escritores católicos, para que esta os ajude a conservar a paz e a mútua união.

É assim que esta paz e união só deve querê-la o Papa entre católicos e católicos, e não entre católicos e inimigos do catolicismo.

Logo, a suavidade e moderação que o Papa recomenda aos escritores só se refere às polêmicas dos católicos entre si, e nunca às que deve haver entre católicos e sectários do erro liberal.

Mais claro, esta moderação e prudência ordena-a o Papa como meio para o fim daquela união Aquele meio deve, por conseguinte, caracterizar-se por este fim a que se dirige.

É assim que este fim é puramente a união entre católicos, e nunca (quiaabsurdum) entre católicos e inimigos do catolicismo. Logo tampouco deve entender-se aplicada a outra esfera aquela moderação.

O Liberalismo é Pecado – Pe. Félix Sardá y Salvany, 1949.

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