São Francisco de Borja

São Francisco de Bórgia (1572)

São Francisco Borja, modelo raríssimo de virtudes para seculares e regulares, nasceu em 1510, na cidade de Gand, que dá nome ao condado. O pai era João de Gand, terceiro duque de Gland e a mãe, Joanna de Aragão, neta do rei Fernando.

Já nos primeiros anos se lhe notava grande inclinação para tudo que é de Deus e amor à virtude. Os pais tiveram todo o cuidado em dar-lhe uma educação ótima, baseada nos fundamentos da religião. Para este fim escolheram entre os mestres os melhores, convencidos de que uma boa educação recebida na infância exerce urna influência eficacíssima sobre-a vida inteira.

Quando Francisco tinha dez anos, lhe adoeceu gravemente a mãe. O menino fechou-se no quarto e com abundantes lágrimas pediu a Deus que lhe conservasse a mãe; e, para dar mais eficácia às orações, sujeitou o corpo a duas mortificações. No entanto Deus quis o sacrifício da vida da mãe.

Tendo chegado à idade de 17 anos, Francisco foi mandado à corte do Imperador Carlos V. No meio das seduções e perigos que lá o circundavam, conservou intacta a inocência, devido à recepção frequente do Santíssimo Sacramento do altar, à devoção terna à Santíssima Virgem e ao espírito de penitência, que nunca o abandonou.

Quis Deus que o santo jovem gozasse de um modo extraordinário da simpatia do Imperador e de sua imperial esposa. Por intermédio desta, Francisco casou-se com uma dama de honor, possuidora de altas virtudes e Carlos elevou-o à dignidade de Marechal, dando-lhe o título de Conde de Lombay. Reinava-lhe em casa o espírito de vão-se, em admirável harmonia. InimiDeus. Oração, trabalho e recreio revezado do jogo, Francisco formulava o seguinte conceito sobre esta espécie de divertimento: “Quádruplo é a perda que o jogo traz: perda de dinheiro, perda do tempo, perda da piedade e da consciência.” Igualmente lhe aborrecia a leitura de publicações frívolas, enquanto que livros bons e religiosos lhe constituíam a leitura predileta. De Francisco são as palavras: “A leitura de livros piedosos é o primeiro passo para uma vida mais santa.”

Os únicos divertimentos de Francisco eram a música e a caça, sem que com isto se afastasse das regras da moderação e se esquecesse das práticas da mortificação.

Deus quis dar ao seu servo um aborrecimento cada vez maior do mundo e, para que conhecesse bem as vaidades seculares, mandou-lhe doença sobre doença.

O que mais contribuiu para inocular-lhe na alma um profundo tédio das coisas deste mundo, foi a morte da Imperatriz Isabella, que era havida por uma maravilha de formosura. Cumprindo ordem imperial, Francisco teve de transportar o corpo da falecida Imperatriz ao mausoléu, em Granada. Antes de se efetuar o enterro, foi aberto ainda uma vez o caixão mortuário. O que se apresentava aos olhos dos circunstantes, era um cadáver em estado de decomposição bem adiantado, que enchia o ambiente de um cheiro cadavérico insuportável. Da apregoada beleza nada ficara. Este espetáculo impressionou profundamente o espírito do santo homem. Chegando em casa, prostrou-se diante do crucifixo e, dando largas à comoção, exclamou: “Não, não, meu Deus! Não mais servirei a uma criatura que a morte me possa arrebatar.” Na mesma ocasião fez o voto de entrar para uma Ordem religiosa, caso sobrevivesse à esposa. Muitas vezes se lhe ouvia dizer: “A morte da imperatriz ressuscitou-me da morte.”

Quando voltou de Granada, encontrou a nomeação para vice-rei da Catalunha. Não podendo subtrair-se a essa dignidade, como vice teve uma vida mais de monge que de secular. No entanto era um verdadeiro pai para os súbditos, os quais tinham franco acesso ao palácio. Fez uma administração justa e leal Inimigo da usura e ambição, não tolerava abusos na administração que visassem estes dois vícios. Com rigor inexorável punia os ladrões e salteadores. Os pobres eram seus prediletos.

Algumas horas do dia eram dedicadas à oração. Jejum e mortificação eram lhe exercícios quotidianos. De oito em oito dias recebia a santa Comunhão. Tendo-lhe chegado aos ouvidos que tinham surgido dissenções relativamente à Comunhão frequente, dirigiu-se a Santo Inácio, em Roma, pedindo-lhe conselho a respeito. Santo Inácio respondeu-lhe confirmando-o na praticada Comunhão semanal.

Neste meio tempo, morreu-lhe o pai, e com a fortuna paternal lhe adveio a administração do condado. Isto não lhe influiu no modo de viver. Pouco depois lhe adoeceu gravemente a esposa, tão virtuosa e santa como ele. Embora Francisco pedisse a Deus que conservasse a vida da companheira, essa oração não foi ouvida. Lembrou-se então do voto que fizera e tratou imediatamente de cumpri-lo.

Tendo consultado a Deus nas orações e ouvido o conselho do confessor, decidiu-se pela Companhia de Jesus, recém fundada por Santo Inácio. Com permissão do Imperador, entregou o condado ao filho mais velho e partiu para Roma. Apenas quatro meses tinham decorrido, quando soube que o Papa queria conferir-lhe a dignidade cardinalícia.

Francisco, clandestinamente, voltou para a Espanha, onde recebeu o sacramento da Ordem e rezou a primeira Missa, na capela do castelo de Loyola.

Sem número são as conversões que se realizaram, com sua intervenção. Francisco possuía o dom especial de conduzir a Deus os pecadores mais endurecidos.

Diversas vezes visitou o Imperador Carlos V na solidão e proferiu a oração fúnebre por ocasião das exéquias do mesmo.

Chamado outra vez a Roma, foi eleito Geral da Companhia de Jesus. O período de seu generalato foi um, dos mais abençoados. Fundou colégios em diversos países e enviou missionários, homens apostólicos, aos países dos infiéis.

Nas perseguições de que a Companhia foi alvo, Francisco demonstrou sempre confiança ilimitada com Deus. “A Companhia – dizia – é protegida por Deus. Três espécies de inimigos tem: os hereges e os infiéis, os ímpios e afinal aqueles que desconhecem os verdadeiros fins da Companhia.”

De todas as virtudes, a que mais o distinguiu e fez crescer tanto na estima das pessoas mais santas, foi a humildade. Ela é que o levou a declinar por diversas vezes o chapéu cardinalício. No amor próprio era tão mortificado, que chegou a desejar a humilhação e o desprezo. Da boca não lhe sabia palavra de elogio próprio e nas cartas assignava: Francisco, o pecador. Longe de se julgar merecedor de elogios, conhecia em si o pecador, que merecia castigo e desprezo.

Quando em viagens encontrava hospedagem péssima, não se queixava; pelo contrário, achava tudo acima do seu merecimento. Sendo Geral da Companhia, fazia os trabalhos mais humildes da casa. Ora ajudava ao cozinheiro, ora distribuía esmolas ou comida por entre os pobres, ora levava remédios e mantimentos à casa dos doentes.

Injustiças e injúrias de que foi vítima, calúnias e perseguições que inocentemente sofreu, dores atrozes que Deus lhe mandou – tudo aceitou, não só com resignação e paciência, mas ainda com prazer, vendo em tudo um meio eficaz de fazer penitência pelos seus pecados. Assim se explica a sua quase insaciabilidade nas obras de penitência.

No ano de 1570 acompanhou o Cardeal Alexandrino numa viagem a Espanha, Portugal e França, cumprindo nisso ordem do Papa Pio V. Na volta se sentiu gravemente doente e, chegando a Roma, não tratou de outra coisa mais a não ser de morrer bem. Os Padres da Companhia pediram-lhe que nomeasse o sucessor e permitisse a um pintor tirar-lhe o retrato. Não o fez.

O dia 10 de outubro de 1572 foi o dia de sua morte. Morreu com 62 anos. O Cardeal de Senma (seu neto) dispôs que o corpo fosse depositado na igreja dos Jesuítas, em Madrid. Deus glorificou por muitos milagres o túmulo de S. Francisco, cuja canonização teve lugar em 1671, sob o pontificado de Clemente IX.

REFLEXÕES

O aspecto do cadáver, já em estado de decomposição, da Imperatriz, que em vida era formosíssima, por todos admirada, ocasionou a conversão de Francisco Borja.

Quantos escravos de uma paixão impura ficariam radicalmente curados dessa loucura, se lhes fosse dado ver o que Francisco Borja viu – a destruição horrenda do corpo humano. Curados ficariam se quisessem apresentar à fantasia o estado humilhante a que fica reduzido o corpo humano cadáver. Em sua presença ninguém quer ficar, porque seu aspecto causa horror. “Uma vez morto o homem, tem por herança os vermes” – diz a Bíblia (Eccl.10 13). Não é loucura pôr em jogo a salvação por causa de um corpo, a que tão triste fim é reservado, que depois de algum tempo será só pó e cinza? Que cegueira sacrificar a felicidade eterna aos caprichos da carne, à vaidade e aos prazeres! Considerações iguais a esta levaram S. Francisco Borja a abandonar o mundo e pôr a vida ao serviço de Deus.

Na Luz Perpétua, Leituras religiosas da Vida dos Santos de Deus para todos dos dias do ano, apresentadas ao povo cristão por João Batista Lehmann, Sacerdote da Congregação do Verbo Divino, Volume II, 1935.

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