O respeito humano: proceder contra a vontade de Deus, para alcançar o favor dos homens

O Filho do homem envergonhar-se-á daquele que se envergonhar de mim e das minhas obras (Luc. IX, 26).

Só duma coisa se deveria o homem envergonhar: das más obras; de pecar e de ter pecado.

Contudo, pobres como somos, envergonhamo-nos ás vezes de praticar o bem e de fugir do mal.

Os jovens então deixam-se particularmente levar desta falsa vergonha e temor néscio, porque, como neles a imaginação é mais viva, também o espírito se lhes impressiona mais fácil e profundamente.

Assusta-te a ideia de que os outros se rirão de ti, de que podes ser objeto das censuras e mofas alheias; e para o evitares, procedes contrariamente às tuas convicções com sacrifício da consciência, da virtude e do próprio Deus.

E é o receio de que a tua honra possa sofrer com isso, que te torna culpado desta escravidão.

Mas será porventura honroso renegar da própria consciência e proceder contra a vontade de Deus, para alcançar o favor dos homens?

Fica porventura bem com a sua honra, quem, por causa duma palavra, dum olhar, ou dum sorriso, falta ao que reconhece interiormente como obrigatório e conveniente?

Não é isto uma covardia lamentável ainda aos olhos daqueles cujos sorrisos temes?

Os que assim te dominam são porventura teus senhores e soberanos naturais?

Só Deus é o teu soberano Senhor. Razão é pois, que prefiras o seu beneplácito ao favor dos homens.

Além disso não é a aprovação destes que te há de justificar no tribunal divino.

A vós, meus amigos, vos digo: Não temais os que vos podem privar apenas da vida do corpo. Temei aquele que depois de vo-la ter tirado, vos pode lançar no inferno. Sim. A esse temei (1). Antepor os homens a Deus, envergonhar-se a criatura de fazer a vontade do Criador, é irrogar aos Senhor uma injúria gravíssima.

Haverá honra maior do que servir a Deus, e guardar a sua lei? Não é Ele o Rei do céu e da terra, o mais Belo, o Melhor, o Altíssimo?

Ai de ti, no dia em que Deus se envergonhar de ti! Ai de ti, quando Ele te negar no dia do juízo, como tu o negaste a Ele, dizendo-te: Não te conheço!

Quem se envergonhar de mim e das minhas palavras, também eu me envergonharei dele no dia do juízo, diz o Senhor: e Ele cumprirá a sua palavra! (2)

E quem são os homens diante de quem te envergonhas? Porventura os bons e virtuosos? Porventura aqueles que um dia se hão de assentar com os anjos a julgar as nações? Ou serão pelo contrário os filhos do mundo, insensatos e de princípios errôneos, esses que um dia hão de ver as suas obras reprovadas por Deus?

Os néscios, diz a Escritura, desprezam os que fogem do mal (3). O serviço de Deus é pesado para o pecador (4). E em outro lugar: Quem anda por caminhos retos e teme a Deus, é desprezado pelos que trilham as sendas tortuosas do pecado (5).

Se tens em tanto apreço os juízos dos homens, porque não desejas a estima e louvores dos bons? Mas enfim, porque temes e te envergonhas? Será a virtude coisa vergonhosa? Que há no mundo que seja digno de estima, além da virtude?

As riquezas morrem, e as honras acabam; a virtude porém, já de si preciosa, é estimada por Deus, praticada pela parte mais seleta do gênero humano invejada até dos próprios maus. A virtude permanece, transcende para além dos acanhados limites desta vida; coroa e é coroada, reina por toda a eternidade.

Porque te envergonhas da tua natureza, da tua vida, do fim para que foste criada? Coisa estranha? Acaso se envergonha à ave das asas que Deus lhe deu para voar, ou o peixe de ter nascido para nada? A tua natureza, o teu elemento, destino e fim, não será acaso Deus?

Teme ao Senhor, e observa os seus mandamentos, porque nisto consiste o tudo do homem (6). Receias talvez tornar-te singular? E não sabes que singulares são todos os que se entregam à virtude?

Os bons têm absolutamente de se separar da multidão dos que trilham a estrada cômoda da vida, para escolherem o caminho áspero e aporta estreita que leva ao céu.

Não te envergonhes pois, da tua singularidade. Só os que nela vivem, conquistam o céu!

o grosso da multidão não conseguirá entrar lá.

A Virgem Prudente, Pensamentos e Conselhos acomodados às Jovens Cristãs, por A. De Doss, S.J. versão de A. Cardoso, 1933.

(1) Luc. XII, 45.
(2) Luc. IX, 26.
(3) Prov. XIII, 19.
(4) Ecl. I, 32.
(5) Prov. XIV, 2.
(6) Ecl. XII, 13.

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