Rumo à pátria – Vigésimo Domingo depois do Pentecostes

Senhor, ensinai-me o caminho para chegar até Vós.

1 – A liturgia dos últimos Domingos depois do Pentecostes tem uma tonalidade particular, a tonalidade das coisas que se aproximam do fim. Com efeito, o ano litúrgico terminará em breve e, ao terminar, convida-nos a refletir sobre a caducidade da vida presente e a volver os olhos para a vida eterna que nos espera. As almas recolhem-se espontaneamente na revisão das próprias posições: como empregamos o tempo recebido de Deus? No Intróito encontramos esta humilde confissão: “Senhor, pecamos contra Vós e não obedecemos aos Vossos preceitos”. Depois, na Epístola (Ef. 5, 15-21), S. Paulo ensina-nos a usar do melhor modo possível o tempo que nos resta para chegarmos à glória eterna: “Cuidai em andar com prudência, não como insensatos, mas como circunspectos, recobrando o tempo, pois os dias são maus”. O apóstolo explica-nos em que deve consistir a nossa sabedoria: “Não sejais imprudentes, mas considerai qual é a vontade de Deus”. A maior insensatez e imprudência que se pode cometer na viagem desta vida é a de seguir o próprio capricho, a própria vontade; desta maneira percorre-se um caminho muito arriscado por onde nunca chegaremos à meta, ao passo que a única via que a ela nos conduz é a vontade de Deus. Quem procura sinceramente a vontade divina e caminha nela, em lugar de ser guiado pelo seu próprio espírito, é guiado pelo Espírito de Deus, o Espírito Santo, e portanto pode ter a certeza de não errar. “Enchei-vos do Espírito Santo – exorta-nos hoje S. Paulo – falando entre vós com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e salmodiando ao Senhor em vossos corações… submissos uns aos outros”. Quando uma alma se deixa guiar docilmente pelo Espírito Santo, Ele toma-a e invade-a até a encher de Si. Desta plenitude brota espontaneamente o espírito de oração, a virtude, a humilde submissão e a concórdia fraterna.

Caminhar na vontade divina, sob a direção do Espírito Santo, é seguir o caminho mais rápido e seguro para chegar à pátria celestial.

2 – É impossível descobrir e percorrer o caminho da vontade divina sem a fé; o Evangelho de hoje (Jo. 4, 46-53) fala-nos precisamente da fé e das qualidades que esta deve ter para agradar a Deus.

Um oficial do rei, tendo ouvido falar das curas maravilhosas operadas por Jesus, dirige-se ao Seu encontro e roga-Lhe que vá a sua casa para “curar o seu filho que estava a morrer”. Este homem tem fé na virtude taumaturga do Mestre, mas está bem longe de crer que Ele é o Filho de Deus. Jesus compreende e responde: “Se não virdes milagres e prodígios, não credes”. Estas palavras, dirigidas historicamente àquele oficial e aos seu conterrâneos, valem moralmente para todos os que fazem depender a sua fé daquilo que se vê ou apalpa. São poucos os que crêem com simplicidade no Evangelho, na Revelação, no magistério da Igreja; a maioria fica indiferente e so se comove ao presenciar algum fato insólito que lhe fere os sentidos. É verdade que o Senhor também Se pode servir disso para ajudar a nossa fraqueza, mas não é esta a fé que Lhe agrada: “Bem-aventurados os que não viram e creram!” (Jo. 20, 29), disse a Tomé que não queria acreditar se não visse o lugar dos cravos e não metesse o dedo nas chagas. O motivo profundo da fé não é a nossa experiência, não é o ter visto ou tocado com a mão, mas a autoridade de Deus. Deus revelou-Se, Ele não Se engana nem nos pode enganar e nós acreditamos confiados na Sua palavra. Crer na palavra de Deus, é a fé genuína, fé pura que agrada ao Senhor.

Jesus, que queria conduzir o oficial do rei a esta fé, disse-Lhe: “Vai, o teu filho vive”. Aquele homem acreditou na palavra que Jesus lhe disse e partiu. Ainda não era a fé sobrenatural no Filho de Deus; todavia era um ato de fé na palavra do Mestre e, embora imperfeito, produziu o seu fruto: o filho ficou curado. O Senhor não exige mais do que Lhe pode dar; quando vê boa vontade, quando vê esforço sincero, Ele próprio intervém para aperfeiçoar a obra. Deste modo a fé imperfeita e ainda humana do oficial foi premiada com a cura do filho e, em consequência, a sua fé tornou-se sobrenatural; acreditou em Jesus, não já como simples profeta ou taumaturgo, mas como Filho de Deus: “creu ele e toda a sua casa”.

Nesta vida caminhamos para Deus, não na visão mas na fé; quanto mais pura e despojada de elementos humanos for a nossa fé, tanto mais agradará a Deus e melhor nos permitirá conhecer e cumprir com amor a Sua santa vontade.

Colóquio – “Ó Mestre divino, Pai e Senhor, sede propício aos Vossos filhos. Concedei aos que seguimos os Vossos mandamentos, que reflitamos a Vossa imagem e experimentemos, segundo as nossas forças, a Vossa bondade e não a severidade do Vosso juízo.

“Concedei que vivamos todos na Vossa paz, que sejamos admitidos ao Vosso reino depois de termos atravessado sem naufragar as ondas do pecado, impelidos para a frente em plena bonança pelo Espírito Santo, Vossa sabedoria inefável, e guiados por Ele noite e dia até ao raiar da aurora perfeita. Concedei-nos, até ao derradeiro instante, que oremos dando graças e que demos graças orando ao único Pai e Filho, ao Filho educador e mestre, juntamente com o Espírito Santo” (Clemente de Alexandria).

“Senhor, Vós sabeis o que é melhor; faça-se isto ou aquilo, como for do Vosso agrado. Dai-me o que quiserdes, quanto quiserdes e quando quiserdes. Tratai-me como sabeis e como melhor Vos aprouver e for para maior glória Vossa. Colocai-me onde quiserdes, e disponde de mim em tudo com inteira liberdade. Estou nas vossas mãos, voltai-me e tornai-me a voltar, segundo o Vosso agrado. Eu sou o Vosso servo, pronto para tudo: não desejo viver para mim, mas para Vòs; oxalá que o faça digna e perfeitamente.

“Concedei-me, benigníssimo Jesus, a Vossa graça, a fim de que ela esteja comigo, trabalhe comigo e se conserve comigo até ao fim! Dai-me a graça de sempre desejar e querer o que Vos for mais aceite e agradável. Fazei que a Vossa vontade seja a minha, e a minha seja sempre a Vossa, e se conforme em tudo com ela. Tenha eu um só querer e não querer conVosco, e que eu só possa querer ou rejeitar o que Vós quereis ou rejeitais” (Imit. III, 15, 2 e 3).

Intimidade Divina, Meditações Sobre a Vida Interior Para Todos os Dias do Ano, P. Gabriel de Sta M. Madalena O.C.D. 1952.

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